Teoria Geral do Direito do Trabalho

AutorMarcelo Braghini
Ocupação do AutorProfessor de Direito Tributário e do Trabalho pela Faculdade Reges e Barão de Mauá. Professor de Direito Constitucional EAD UnisebCOC. Professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Unaerp
Páginas11-25

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1. História do Direito do Trabalho no Mundo

O trabalho consiste em toda a energia física ou mental empregada em uma atividade produtiva, que na antiguidade tinha a conotação de castigo, e com o cristianismo passa a ser visto como o meio de realização plena do ser humano.

A partir do ponto em que reconhecemos o trabalho livre como pressuposto histórico material do direito do trabalho, não é possível identificar sua gênese durante a escravidão, servidão, ou mesmo durante as corporações de ofício, que representavam uma espécie de monopólio do exercício das proissões, abolidas a partir do art. 7º da Lei de Chapelier em 1791.

Art. 7º "A partir de 1º de abril, todo o homem é livre para dedicar-se ao trabalho, profissão, arte ou ofício que achar conveniente, porém está obrigado a prover-se de uma licença, a pagar os impostos de acordo com as tarifas seguintes e a conformar-se com os regulamentos de polícia que existam ou se expeçam no futuro".

Art. 5º, inciso XIII, da CF/88: "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer".

No contexto da Revolução Francesa de 1789, houve a disseminação do viés político do liberalismo econômico, Estado Liberal que não intervém nas relações privadas, fundamentado no princípio da autonomia da vontade e no valor absoluto do direito de propriedade, matriz individualista que encontra respaldo no Código Civil de Napoleão de 1804.

Art. 1.134, do Código Civil de Napoleão de 1804: "As convenções têm força de lei para os que a celebraram".

A revolução industrial havida na Inglaterra no século XIX representa a transição de uma sociedade artesanal para uma sociedade industrial, criação da Grande Indústria responsável pelo processo de urbanização, momento pelo qual a burguesia passa a ser a detentora dos meios de produção, e o trabalho assalariado o principal modo de inserção do trabalhador no sistema produtivo.

Segundo Adam Smith, a nova metodologia proposta a partir da divisão do trabalho assegura uma maior produtividade representada pela especialização das tarefas, característica marcante deste novo movimento, bem como a substituição da força física pela motriz, evolução ocorrida na Inglaterra pelo sistema jurídico capaz de resguardar o direito de propriedade que decorre das inovações.

Neste ponto, foi possível identiicar um sistema de superexploração da força de trabalho, especialmente das mulheres e crianças considerados como meias forças dóceis, e a construção do direito do trabalho passa a representar a reação a este estado de coisas, permitindo o dirigismo contratual, ou seja, a intervenção do Estado nas relações privadas, aliado a ação coletiva dos trabalhadores em busca de melhores condições de trabalho.

Segundo Segadas Vianna, citando Lacordaire, a premência da intervenção do Estado na questão social pode ser assim sintetizada: "Entre o rico e pobre, entre o forte e o fraco, a liberdade escraviza e a lei liberta".

Por meio da Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII (1891), a doutrina social da igreja católica passa a propor a reconciliação entre o capital e o trabalho, como forma de garantir justiça social.

Interessante notar o processo de constitucionalização do direito social por meio da Constituição do México de 1917 e da Alemanha de Weimar de 1919, permitindo a

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criação de um conteúdo mínimo das normas de proteção do trabalho, denotando maior estabilidade a estas mesmas regras, bem como um patamar civilizatório mínimo a ser disseminado em todo o mundo ocidental.

Com o inal da 1ª Guerra Mundial, em 1919, houve a criação da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e o art. 427 do Tratado de Versalhes promove a desmercantilização do trabalho, uma vez que a justiça social é o único meio de garantir a paz duradoura.

1º O princípio diretivo antes enunciado de que o trabalho não há de ser considerado como mercadoria ou artigo de comércio.

Até mesmo como um contraponto ao ideal socialista, após a 2ª Guerra Mundial houve o ápice do Welfare State, Estado Social apto a garantir os direitos sociais e econômicos de 2ª dimensão (Direito do Trabalho e Previdenciário), fonte de constantes déicits orçamentários nos países Europeus.

2. História do Direito do Trabalho no Brasil

Já no Brasil, a origem do direito do trabalho confunde-se com a promulgação da Lei Áurea (1888), responsável pela abolição da escravatura.

A construção sistemática do direito do trabalho, no Brasil, teve origem na decretação do Estado Novo no ano de 1930 pela imposição de Getúlio Vargas, com inspiração na Carta Del Lavoro de 1927 (Legislação Italiana de Índole Corporativista), dando início a uma legislação interventiva de cunho paternalista, havendo nas palavras de Otávio Bueno Magano uma hipertroia das leis de direito individual do trabalho, o que não permitiu o pleno desenvolvimento dos Sindicatos.

O viés social da Constituição de 1988 permite a consolidação plena do Direito do Trabalho no Brasil, com destaque para a segurança jurídica das normas de proteção estabelecidas no rol mínimo do art. 7º da CF, por tratar-se de cláusulas pétreas nos termos do art. 60, § 4º, IV, da CF.

3. Flexibilização das normas trabalhistas

Com a crise do petróleo em 1973 e a queda do muro de Berlim em 1989, houve a hegemonia do pensamento neoliberal do Estado do Bem-Estar Social, houve o triunfo da socialidade sobre o socialismo (princípio da supremacia do interesse público sobre o individual), mas persiste a tese da desregulamentação das normas de proteção que aumentam em demasia o custo de produção de bens e serviços.

O movimento ludista na Inglaterra, no ano de 1811, prenuncia o fim dos postos de trabalho diante da inovação tecnológica, situação potencializada pelos efeitos da globalização que permite uma interação dinâmica entre os países, com a atração do capital manufatureiro para aqueles que possibilitem um menor custo de produção para bens e serviços.

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A tese da desregulamentação é a própria negação da intervenção do Estado nas relações do trabalho, regulamentadas pelas leis de mercado (oferta/procura), o que pode acarretar o próprio esgarçamento do tecido social.

Por outro lado, a lexibilização consiste em uma teoria intermediária que permite a coexistência de um rol mínimo de direitos assegurados pelo Estado por meio de normas indisponíveis, com espaço para negociação direta de normas jurídicas entre os próprios atores sociais (empregador e empregadores), por seus Sindicatos, órgãos intermediários entre o Estado e a sociedade civil.

* Enunciado n. 1 da 1ª Jornada de Direito do Trabalho: DIREITOS FUNDAMENTAIS. INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO. Os direitos fundamentais devem ser interpretados e aplicados de maneira a preservar a integridade sistêmica da Constituição, a estabilizar as relações sociais e, acima de tudo, a oferecer a devida tutela ao titular do direito fundamental. No Direito do Trabalho, deve prevalecer o princípio da dignidade da pessoa humana.

Arnaldo Süssekind identiica na Constituição Federal de 1.988 alguns instrumentos de lexibilização das normas trabalhistas, no contexto do Estado Social, representados pela amplitude das ferramentas anticíclicas em momentos de crise econômica, vejamos: (i) Art. 7º, IV, da CF: redução dos salários; (ii) Art. 7º, XIII, da CF: redução e compensação das jornadas de trabalho; e (iii) Art. 7º, XIV, da CF: ampliação dos turnos ininterruptos de revezamento.

* Enunciado n. 9 da 1ª Jornada de Direito do Trabalho. FLEXIBILIZAÇÃO. I - FLEXIBILIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS. Impossibilidade de desregulamentação dos direitos sociais fundamentais, por se tratar de normas contidas na cláusula de intangibilidade prevista no art. 60, § 4º, inc. IV, da Constituição da República. II - DIREITO DO TRABALHO. PRINCÍPIOS. EFICÁCIA. A negociação coletiva que reduz garantias dos trabalhadores asseguradas em normas constitucionais e legais ofende princípios do Direito do Trabalho. A quebra da hierarquia das fontes é válida na hipótese de o instrumento inferior ser mais vantajoso para o trabalhador.

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais , além de outros que visem à melhoria de sua condição social :

[...]

VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

[...]

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva.

Segundo Mauricio Godinho Delgado, o sistema constitucional absorve o modelo da lexibilização de normas mediante tutela sindical (Art. 8º, VI, da CF), ou seja, é imperiosa a negociação coletiva prévia concretizada por intermédio de Convenção Coletiva do Trabalho e Acordo Coletivo do Trabalho, desde que não envolva norma de indisponibilidade absoluta.

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

[...]

VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho.

Vólia Bonim Cassar identiica o fenômeno da lexibilização legislativa, muito comum no Brasil, com destaque para a emblemática Lei n. 5.107/66 que institui o regime do FGTS como contraponto a estabilidade decenal vigente no âmbito celetista, sendo que ao longo dos anos diversas foram às leis que atreladas ao ideal neoliberal da desregulamentação do direito do trabalho no...

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