Teoria Geral do Processo e Análise Econômica do Direito

AutorIvo Teixeira Gico Junior
Ocupação do AutorPh.D. em Economia (UnB)
Páginas3-25
1 TEORIA GERAL DO PROCESSO E ANÁLISE EC ONÔMICA DO DIREITO
3
1.1 A TGP: em busca de uma teoria do comportamento
O termo ciência deriva da palavra latina scire, que signica saber ou entender. A
ciência é uma forma de saber, mas diversa de outras formas de saber, como a intuição,
a autoridade ou a experiência pessoal. Quando você p ergunta a alguém sobre algo,
em geral, essa pessoa lhe diz o que sabe. Quando você pergunta a ela como sabe o que
sabe, ou seja, a razão pela qual ela acredita no que diz, sua resposta normalmente
indica o método de conhecimento utilizado pela pessoa para adquirir ou substanciar
aquela informação ou crença.
Já a palavra teoria vem do grego theoria, que signica contemplar, reetir sobre
algo. Não é incomum alguém pressupor que a teoria é desconectada da prática ou
referente a algo que não existe. No entanto, esse tipo de postura se deve ao desco-
nhecimento do que venha a ser uma teoria, dado que todos nós utilizamos t eorias
no nosso dia a dia. Uma teoria nada mais é do que o entendimento de alguém sobre
como algo funciona. Quando tais teorias advêm da prática social ou da cultura e têm
uma conotação positiva, são normalmente d enominadas como conhecimento v ulgar1,
senso comum2, aforismos3 ou máximas4. Já quando desprestigiadas, são chamadas
de lendas, folclore ou superstições, como bater na madeira três vezes para afastar o
azar ou comprar uma pimenteira para afastar o mau-olhado.
O objetivo da ciência é elaborar teorias e testá-las, sendo que a principal diferença
entre a ciência e as demais fontes de conhecimento é que (i) para ser cientíca, uma
armação tem que ser falseável, ao menos em tese5; e (ii) a ciência constantemente
questiona a si própria. Nesse sentido, uma abordagem cientíca de qualquer assun-
to requer que exponhamos expressamente as teorias utilizadas, da maneira mais
precisa possível, para que seja muito claro o que se está armando e o porquê se está
armando. A clareza da armação e da razão da armação são essenciais para que
seja possível identicar, testar, conrmar ou inrmar, modicar e, no limite, descartar
1. Conhecimento vulgar consiste no conhecimento que, em geral, é comum a todos os membros de um deter-
minado grupo, sem a necessidade de treino especializado.
2. Senso comum é o modo de pensar da maioria das pessoas de um determinado grupo, são noçõ es comumente
admitidas pelos indivíduos daquele grupo como verdadeiras, sem a necessidade de um método ou investigação
mais profunda. O senso comum descreve as crenças e proposições adotadas como “normais” em um dado
grupo. Signica o conhecimento adquirido pelo homem a partir de experiências, vivências e observaçõ es do
mundo.
3. Aforismo é uma máxima ou uma armação que, em poucas palavras, explicita uma regra ou um princípio,
geralmente de natureza prática ou alcance moral.
4. Máxima é uma sentença que traduz a expressão de uma verdade ou princípio geral, especialmente um dito
com tom moral ou aforístico.
5. Apenas como exemplo, há mais de cem anos, a Teoria Geral da Relatividade de Einstein previa um fenômeno
muito estranho chamado onda gravitacional, que seria uma perturbação do espaço-tempo causada pela
aceleração de corpos de enorme massa, que se propagava na forma de onda. Cf. Einstein (1918). O excêntrico
fenômeno foi nalmente comprovado em 2016 por experimentos nos interferômetros Virgo e LIGO, quando
se detectou o choque de dois buracos negros ocorrido há bilhões de anos. Cf. Castelvecchi e Witze (2016).
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ANÁLISE ECONÔMICA DO PROCESS O CIVIL Ivo T. Gico Jr.
4ou manter a armação. A ciência é a atividade contínua de levantar novas ideias e
desaá-las para ver se elas se sustentam ou não. É esse ciclo interminável de teste e
revisão ininterruptos que separa teori as cientícas de outras formas de conhe cimento.
Além de nossa inata curiosidade humana, desejamos entender como o mundo
funciona em todos os seus aspectos para que possamos planejar, para que possa-
mos construir expectativas razoáveis sobre o futuro, ou seja, sobre como o mundo
ou algo especíco nele se comportará, enm, para termos algum controle sobre o
nosso próprio destino. Como disse Augusto Comte6, precisamos ver para prever, a
m de prover. Se é verdade que muitas ciências se preocupam com a explicação de
fenômenos passados, sem nenhuma intenção de saber se o mesmo fenômeno existe
no presente ou se é provável que exista no futuro, grande parte do esforço cientíco
é na direção de compreender o que está acontecendo agora e o que provavelmente
acontecerá no futuro. Nesse sentido, o objetivo das teorias cientícas é descrever,
explicar e prever os fenômenos do mundo.
O elo entre ciência e direito é inegável. Como veremos em mais detalhes no
Capítulo 2, o direito é o mecanismo formal7 pelo qual a humanidade estrutura as
interações sociais para tornar viável a vida em sociedades comple xas. Ao fazê-lo,
cria regras – leis – que nos permitem entender por que certas coisas acontecem no
presente e construir expectativas racionais sobre como o Estado e as pessoas em geral
se comportarão no futuro (segurança jurídica), viabilizando justamente a compre-
ensão, o controle e a predição de nossos destinos no âmbito social. Se por um lado
no mundo natural as leis não podem ser violadas8, no mundo jurídico elas podem.
Por isso, se algum agente − seja ele uma pessoa, seja uma empresa ou o próprio Es-
tado − não se comportar de acordo com as leis, criamos o mecanismo adjudicatório
para fazer valer as leis (o Judiciário), para forçar o mundo social a retornar ou aderir
à ordem jurídica preestabelecida. No direito, diferentemente do mundo natural, se
o comportamento viola a lei, é o comportamento que dev e ser alterado, não a lei9. E
essa alteração vem pelo exercício da força pelo Estado. O Direito Processual é a parte
do direito que estuda como essa atividade adjudicatória se desenvolve.
O Direito Processual tenta descrever e explicar a atividade adjudicatória, sendo a
Teoria Geral do Processo (TGP) a sua parte voltada a descrever e explicar os elementos
ou características comuns a todos os ramos de Direito Processual (i.e., civil, trabalhista,
6. Adaptação de Comte (N/D, p. 16).
7. Além do direito, também temos a cultura e a religião como instrumentos informais de estruturação e controle
social. Nesse sentido, cf. North (1990).
8. Se algum comportamento “viola” uma lei da natureza, não é o comportamento que está errado, mas provavel-
mente a lei ou a nossa compreensão do fenômeno. Em uma abordagem cientíca, a discrepância entre lei e
realidade demandará mais pesquisas e, após novas observações do fenômeno, se os resultados continuarem
inrmando a lei, essa será mudada ou abandonada. De um jeito ou de outro, saberemos um pouco mais sobre
o mundo e o conhecimento cientíco avançará.
9. Obviamente, essa conclusão também é uma regra jurídica, o que se chama de Princípio da (ou Direito Funda-
mental à) Legalidade. Para saber por que chamamos o princípio de regra, vide Seção 3.2.
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