Teoria geral dos direitos fundamentais

AutorCleyson de Moraes Mello
Ocupação do AutorVice-Diretor da Faculdade de Direito da UERJ - Professor do PPGD da UERJ e UVA - Advogado - Membro do Instituto dos Advogados do Brasil ? IAB
Páginas21-130
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Capítulo 1
TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
1.1 Os direitos fundamentais no tempo Noções históricas
Não obstante o que alegam alguns grandes doutrinadores a
respeito do reconhecimento dos direitos fundamentais do homem em
enunciados explícitos ser coisa recente1, é inegável a influência da
Antiguidade, seja através da religião ou filosofia, dos grandes pensadores
e filósofos gregos, bem como dos romanos2, os ideais do pensamento
cristão3 (pregando a igualdade dos homens diante de Deus),
influenciaram de forma incontestável o pensamento jusnaturalista, vendo
o homem, por sua simples existência, titular de direitos tão próximos ao
ser que lhe são indissociáveis, como o direito à vida e à liberdade. Cite-
se, também, São Tomás de Aquino, que, além da premissa da igualdade
dos homens perante Deus, defendia a existência de duas ordens distintas
de direitos, a do direito natur al e a do direito positivo, defendendo, ainda,
1 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional P ositivo. 24 ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 149.
2 Entretanto, segundo Kildare Carvalho, os direitos individuais entendidos como inerentes
ao homem e o poníveis po poder e á discricionariedade estatal “não existiram na
Antiguidade grega e romana, não obstante a referência estoicista às ideias de dignidade e
igualdade. A polis grega e civitas romana absorviam o h ome na sua dimensão individual,
não se manifestando a liberdade com direito autônomo: livre era o cidadão que gozava da
capacidade para se integrar no Estado, participando das decisões polí ticas. Mesmo nas
artes e na religião, não se concebia o homem na sua individualidade, já que era absorvido
pelo todo, como dimensão da comunidade política.” In Kildare Gonçalves. Dir eito
Constitucional Teoria d o Estado e da Constituição Direito Constituc ional Positivo. 14ª
ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 670-671.
33 “O cristianismo é apontado como marco inicial dos direitos fundamentais, manifestado
nas parábolas de Jesus sobre o Reino dos céus: a César o que é de César e a Deus o que é
de Deus.’Os direitos fundamentais do homem forma pregados por Jesus’, é o que, em
livro dedicado ao tema, fala João de Oliveira Filho. Nesse sentido, observa ainda José
Carlos Vieira de Andrade que, ‘no seguimento da tradição cristã, o poder temporal deixa
de submeter o poder espiritual (pelo contrário, haveira de defender-se sua ordinação a este
último), tornando-se um poderio limitado, em cintraposição ao totalitarismo da polis.”
Ibid., p. 671.
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a concepção da dignidade da pessoa humana, incorporando-a à ordem
jusnaturalista4. Outros também podem ser citados5 como Hugo Grócio
(1583-1645), Samuel Pufendorf (1632-1694), John Milton (1608-1674) e
Thomas Hobbes (1588-1679), que, em meados do século XVII através de
suas obras fizeram com que os direitos naturais a submissão do poder aos
seus ditames, fossem proclamadas com maior ímpeto.
Alguns momentos e documentos históricos são destacados pela
doutrina de forma uníssona, como na Inglaterra a P etition of Rights
(1628), o Habeas Corpus Amendment (1679) e o Bill of Rihts (1688),
dentre outros, porém é merecedora de destaque a Magna Charta
Libertatum (1215), pacto firmado entre Rei João Sem-Terra junto aos
bispos e, principalmente os barões ingleses, mesmo não possuindo caráter
constitucional (dando e preservando apenas os privilégios feudais dos
barões em face do poder até então soberano do Rei) foi referência para
alguns direitos como o habeas cor pus, o devido processo legal6, do
acesso à justiça7 e o direito à propriedade8.
A Magna Carta (Grande Carta ou Magna Charta Libertatum) é
considerada a base das liberdades inglesas. A Inglaterra vivia em plena
idade média e vigorava o sistema feudal. Em 1215, ano da célebre Carta
Magna de João sem Terra, os cavaleiros ingleses exigiram a garantia
constitucional da não tributação sobre as propriedades territoriais sem a
prévia anuência dos contribuintes, bem como outras liberdades políticas
voltadas para a individualidade da aristocracia inglesa. Com rigor, a Carta
Magna de 1215 (redigida em latim e assinada, em 15 de junho de 1215,
às margens do rio Tâmisa em Runnymede, uma área perto de Windsor,
local do famoso Castelo de Windsor) é o ponto de inflexão na trajetória
4 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais uma teoria geral dos
direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10ª ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2009, p. 38.
5 Ibid., p. 39.
6 Art. 48 da Magna Char ta “Ninguém poderá ser detido, preso ou despojado dos seus
bens, costumes e liberdades, senão em virtude de julgamento de seus Pares segundo as
leis do país”.
7 Art. 49 da Magna Charta “Não venderemos, n em recusaremos, nem dilataremos a quem
quer que seja, a administração da justiça”.
8 Art. 39 da Magna Cha rta “Prometemos que não se tomarão as carroças ou outras
carruagens dos eclesiásticos, dos cavaleiro s e das senhoras de distinção, nem a lenha para
o consumo em nossas situações, sem o consentimento expresso dos proprietários”.
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do absolutismo monárquico inglês, na medida em que simboliza,
induvidosamente, uma limitação ao poder real em relação aos súditos.
Vale destacar que a Magna Carta foi escrita em latim para que
não pudesse ser apreciada pelas inteligências comuns e, se não fossem as
cópias tiradas pelos altos prelados, teria se perdido, até mesmo porque
João Sem Terra não a quis registar, premeditando a sua destruição.
E assim é que a Câmara dos 25 Barões ficou encarregada de
acompanhar o cumprimento da Carta Magna, nascendo aí, portanto, o
modelo embrionário da representação política. Em 1265, a Câmara dos
25 Barões transforma-se em Câmara dos Lordes, agora altamente
fortalecida após a derrota do Rei Henrique III que tentou neutralizar o
poder ascendente da aristocracia inglesa.
A Magna Carta introduziu a luta pela liberdade, pela igualdade,
pela democracia, pela supremacia da lei sobre todos os fatores sociais,
limitando, pois, o poder dos monarcas britânicos e sujeitando o soberano
as leis. O sucessor do Rei João Sem Terra, Henrique III, lançou três
versões revisadas da Magna Carta durante seu reinado. Em 1297, o Rei
Eduardo I confirmou o documento como parte da lei estatutária da
Inglaterra. Como dito acima, a Magna Carta cristalizou o marco de
direitos e liberdades individuais, inspirando outros documentos, tais
como: a Constituição Britânica; o Bill of Rights, nos Estados Unidos; a
Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas. Em
2009, a Magna Carta foi incluída no Memory of the World Register da
UNESCO.
Neste sentido, Roscoe Pound esclarece que “los derechos
asegurados en la Charta Magna se convirtieron, a su vez, en base de
propaganda de nuevas aspiraciones, que fueron objeto de reñidas luchas
durante el reinado de Enrique III”
Em 15 de junho de 2015 a Magna Carta completou 800 anos.
Para o ministro Carlos Ayres Britto, a Magna Carta é um fonte de
inspiração permanente; um documento que dividiu a história do Direito
em dois períodos. Antes e depois de sua existência. "Mais do que um
embrião ou uma semente de Constituição, ela foi uma Constituição
positiva, com as características de uma Constituição positiva, embora sem
o elemento central da democracia no sentido de soberania popular como

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