Teoria Geral dos Recursos Trabalhistas
Autor | Mauro Schiavi |
Ocupação do Autor | Juiz Titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo. Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Professor Convidado dos Cursos de Pós-Graduação da PUC/SP (Cogeae) |
Páginas | 21-51 |
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Tarefa das mais árduas é fixar o conceito recurso, pois a lei processual é omissa a respeito e há múltiplas definições para o instituto.
O Código de Processo Civil Brasileiro não nos dá o conceito de recurso, apenas no art. 9941.
O termo recurso vem do latim recursus, que significa andar para trás, retorno, volta, reapreciação.
O processo vem do latim procedere, que significa marcha avante, caminhar para frente. Desse modo, o processo sempre caminha para um desfecho e resolução da controvérsia. Quando há a fase recursal, retrocede o processo, para que seja possível a reapreciação de decisões dadas em fases processuais que já foram superadas.
Como a Lei não define o conceito de recurso, esta árdua tarefa cabe à doutrina.
Para José Carlos Barbosa Moreira2:
Pode-se conceituar recurso, no direito processual civil brasileiro, como o remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial a que se impugna. Atente-se bem: dentro do mesmo processo, não necessariamente dentro dos mesmos autos.
Nélson Nery Júnior3:
Recurso é o meio processual que a lei coloca à disposição das partes, do Ministério Público e de um terceiro, a viabilizar, dentro da mesma relação jurídica processual, a anulação, a reforma, a integração ou o aclaramento da decisão judicial impugnada.
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Para Flávio Cheim Jorge4:
Recurso é um remédio dentro da mesma relação processual de que dispõem a parte, o Ministério Público e os terceiros prejudicados, para obter a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de uma decisão judicial.
Conforme as definições acima, os recursos se destinam, dentro da mesma relação jurídica processual, à anulação, nos casos em que a decisão contém um vício pro cessual, a reforma, quando visa à alteração do mérito da decisão, ou integração ou aclaramento, quando a prestação jurisdicional não foi completa, ou está obscura ou contraditória.
Na nossa visão:
Recursos são os remédios processuais previstos na Constituição Federal ou na Lei infraconstitucional destinados à alteração de uma decisão desfavorável (anulação, esclarecimento ou reforma), dentro da mesma relação jurídica processual onde a decisão fora dada.
Conforme a definição que adotamos, destacam-se as seguintes características:
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os recursos pressupõem lide pendente. Por isso, não são meios autônomos de impugnação da decisão.
b)se destinam à anulação, nos casos em que a decisão contém um vício processual; à reforma, quando visa à alteração do mérito da decisão, ou integração e aclaramento quando a prestação jurisdicional não foi completa, ou está obscura ou contraditória.
Existem duas correntes sobre a natureza jurídica dos recursos. Uma que assevera ser o recurso ação autônoma de impugnação da decisão, e outra como um meio de impugnação dentro da própria relação jurídica processual.
Diante da sistemática do Direito Processual Civil brasileiro, os recursos não constituem meio de impugnação autônomo e sim instrumento de impugnação da decisão dentro da mesma relação jurídico-processual em que foi prolatada a decisão, pois pressupõe a lide pendente na qual ainda não se formou a coisa julgada.
Como bem adverte Flávio Cheim Jorge5:
A interposição do recurso não dá início a um novo processo. Apenas provoca o prosseguimento daquele que até ali vinha se desenvolvendo. Observe-se que até mesmo situações habituais permitem fazer essa observação, tais
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como a inexistência de citação do recorrido e a desnecessidade de outorga de novo instrumento de mandato ao advogado. Concluiu-se, assim, que o prolongamento da mesma relação processual e a finalidade de impugnar a decisão são as características essenciais para se conceituar o recurso.
Há, por outro lado, no sistema processual, meios autônomos de impugnação das decisões, a exemplo das ações anulatória e rescisória, mandado de segurança e ação de querella nullitatis.
Nesse sentido, é relevante destacar as conclusões de Carlos Henrique Bezerra Leite6:
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recurso constitui corolário, prolongamento do exercício do direito de ação;
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essa concepção é aplicável tanto no processo comum quanto no trabalhista".
No mesmo diapasão, argumenta Manoel Antonio Teixeira Filho7:
O recurso, enfim, não é uma ação autônoma; é um direito subjetivo, que se encontra implícito no direito público, também subjetivo e constitucional, que é o de ação. Está certa a doutrina quando, sob outro ângulo óptico, vê no recurso um ônus processual, visto que, em verdade, para que a parte obtenha a desejada reforma ou anulação de decisão desfavorável, há necessidade de que tome a iniciativa de exercer a pretensão recursória; se não o fizer, a sua sujeição à coisa julgada, como qualidade da sentença, será inevitável, ressalvada a hipótese de remessa obrigatória, quando for o caso (Dec.-lei n. 779/69).
Indiscutivelmente, a busca pela justiça da decisão e possibilidade de buscar a alteração de provimentos jurisdicionais desfavoráveis fazem parte da condição humana, e tornam o processo mais democrático e humanizado. Além disso, a possibilidade de revisões de decisões aperfeiçoam o sistema jurisdicional e possibilitam constante controle das instâncias inferiores pelas superiores.
Por outro lado, a existência dos recursos, muitas vezes, provocam demora excessiva do processo e prejudicam a parte que tem razão. Além disso, as decisões dos Tribunais nem sempre são melhores que as de primeiro grau.
Nesse sentido sustentou Renato Damião Aerosa8:
Constata-se que o denominado princípio da justiça, que autoriza a reapreciação de decisão judicial como forma de permitir a emissão da mais justa tutela jurisdicional, se levado a extremos compromete a garantia do
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julgamento sem dilações indevidas, principalmente nas causas trabalhistas, geralmente causas de baixíssima complexidade em que a tardança na solução do litígio, pela possibilidade de interposição de sucessivos recursos culmina por comprometer a própria satisfação do demandante que tenha razão.
A doutrina costuma apontar como fundamentos dos recursos:
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falibilidade humana: Todos os julgadores, por serem humanos, estão sujeitos a erros. Muitos podem ser corrigidos pelos recursos, mas outros não, a exemplo dos Ministros dos Tribunais Superiores, que, normalmente, são os últimos a decidir antes do trânsito em julgado da decisão.
De nossa parte, a falibilidade humana é o argumento mais forte a justificar a existência dos recursos, pois mais de um julgador apreciando a mesma demanda mini-miza a possibilidade de erro. Além disso, todos os julgadores estão sujeitos a errar, principalmente nos grandes centros urbanos, onde a quantidade de serviços muitas vezes impede que o Juiz proceda a uma reflexão mais detalhada sobre o processo;
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aperfeiçoamento das decisões judiciais: Com a possibilidade dos recursos, principalmente os juízes de primeiro grau e os mais novos irão se esmerar e cada vez mais aprimorar suas decisões. Além disso, os recursos serão apreciados por juízes mais experientes e também em composição colegiada.
Por outro lado, nem sempre as decisões de segunda instância têm maior justiça que as decisões de primeiro grau. Para alguns, a jurisdição de primeiro grau é mais justa, pois o Juiz de primeira instância teve contato com as partes, viveu na pele o problema. O Juiz de segunda instância está mais distante.
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inconformismo da parte vencida: O inconformismo, colocado pela doutrina como fundamento dos recursos, talvez seja um dos argumentos mais contundentes para justificar a existência dos recursos, pois dificilmente alguém se conforma com uma decisão desfavorável. É da própria condição humana buscar impor os próprios argumentos e tentar reverter uma decisão desfavorável.
Como bem adverte Araken de Assis9:
O inconformismo arrebata homens e mulheres nas situações incômodas e desfavoráveis. Poucos aquiescem passivamente à adversidade. Envolvendo a rotina da condição humana conflitos intersubjetivos, resolvidos por intermédio da intervenção do Estado, a vida em sociedade se transforma em grandiosa fonte de incômodos. E a própria pendência do mecanismo instituído para equacionar os conflitos provoca dissabores de outra natureza. A causa mais expressiva do descontentamento, cumulada à sensação asfixiante de desperdício de tempo valioso, avulta nos pronunciamentos
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contrários aos interesse das partes e de terceiros emitidos neste âmbito. O homem e a mulher na sociedade pós-moderna se acostumaram às relações instantâneas dos modernos meios de comunicação e reagem muito mal a qualquer demora e a soluções que não lhes atendam plena e integralmente os interesses;
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processo justo: A doutrina também sustenta que a existência dos recursos propicia maior equilíbrio e justiça do processo, propiciando às partes maiores oportunidades, buscando uma decisão com a menor incidência de falhas possíveis.
Não obstante todas as vicissitudes que enfrenta o sistema recursal brasileiro, inclusive tem sido apontado pelos estudiosos como um dos vilões que emperram a máquina judiciária, pensamos que os recursos são necessários e constituem um instrumento democrático do Estado de Direito e uma forma democrática de se propiciar o acesso real do cidadão à Justiça.
Como nos ensina Dirley da Cunha Jr.10:
A Constituição de 1988 inovou e reuniu, em um mesmo princípio, as...
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