Teoria e Prática da AIJE (Ação de Investigação Judicial Eleitoral)

AutorFrancisco Dirceu Barros
Ocupação do AutorProcurador-Geral de Justiça
Páginas581-766
Manual de prática eleitoral
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1 AIJE – Ação de Investigação Judicial Eleitoral
1.1 A importância da AIJE
Na precisa observação de Edson de Resende:262
A Ação de Investigação Judicial Eleitoral é usada como um poderoso veículo de resgate da
democracia, na medida em que combate fatos abusivos, em prejuízo da liberdade de voto e
visa a assegurar a lisura do pleito, garantindo que o exercício do mandato será desempenha-
do por aquele que foi legitimamente eleito na chapa apresentada à escolha popular.
As palavras de Adriano Soares da Costa:
Não há negar que o poder econômico e o poder político inuenciam as eleições, eis que
são fatos inelimináveis da vida em sociedade como o carisma, a inuência cultural sobre
outros, a dependência econômica etc. O ordenamento jurídico não pode amolgá-los, eis
que são fatos sociologicamente apreendidos, frutos do convívio social e do regime eco-
nômico capitalista por nós adotado. Nada obstante, embora não os possa proscrever da
vida, pode o Direito Positivo impor contornos ao seu exercício legítimo, tornando ilícito, e
por isso mesmo abusivo, todo uso nocivo do poder econômico ou do poder político, que
contamina a liberdade do voto e o resultado legítimo das eleições. 263
Cerello, por sua vez, explica que “a ação de investigação judicial eleitoral é um
importante e ecaz instrumento destinado à repressão do abuso do poder econômico
e político nas eleições, a m de que seja garantida sua legitimidade, consistente na
supremacia da vontade popular nos pleitos”264.
1.2 Para que serve a AIJE
A AIJE serve para apurar:
262 CASTRO, Edson de Resende. Teoria e prática do Direito Eleitoral. 2. ed. Belo Horizonte: Mandamentos,
2005, p. 302.
263 Instituições de Direito Eleitoral. 5.ed. Belo Horizonte: Del Rey, p.477-478.
264 CERELLO, Anselmo. Ação de investigação judicial eleitoral. Resenha eleitoral – nova série. Florianópolis, v.
9, n. 2, jul./dez. 2002. Disponível em: .br/site/institucional/publicacoes/artigos-doutri-
narios-publicados-na-resenha-eleitoral/resenhas/v9-n2-juldez-2002/acao-de-investigacao-judicial-eleitoral/
index.html>. Acesso em: 28 maio 2009.
Capítulo 11
Teoria e Prática da Aije (Ação de Investigação Judicial Eleitoral)
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1) O uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico, em benefício de
candidato ou de partido político
O conceito de abuso do poder econômico é denido por Antônio Carlos Mendes
como aquele que
consiste, em princípio, no nanciamento, direto ou indireto, dos partidos políticos e can-
didatos, antes ou durante a campanha eleitoral, com ofensa à lei e às instruções da
Justiça Eleitoral, objetivando anular a igualdade jurídica (igualdade de chances) dos
partidos, tisnando, assim, a normalidade e a legitimidade das eleições.265
Caracteriza-se abuso de poder econômico sempre que houver uso indevido do
poder nanceiro, congurando-se o intuito de desequilibrar a disputa eleitoral.
Consoante o TSE:
O abuso de poder econômico em matéria eleitoral se refere à utilização excessiva, antes
ou durante a campanha eleitoral, de recursos materiais ou humanos que representem
valor econômico, buscando beneciar candidato, partido ou coligação, afetando assim a
normalidade e a legitimidade das eleições. (AgRgRESPE nº 25.906, de 09.08.2007 e AgR-
gRESPE nº 25.652, de 31.10.2006).
O festejado mestre Fávila Riberio já alertava:
A interferência do poder econômico traz sempre por resultado a venalização no processo
eleitoral, em maior ou menor escala ... À proporção que a riqueza invade a disputa eleito-
ral, cada vez se torna mais avassaladora a inuência do dinheiro, espantando os líderes
políticos genuínos, que também vão cedendo, em menor escala, a comprometimentos
econômicos que não conseguem de todo escapar, sendo compelidos a se conspurcarem
com métodos corruptores. 266
2) Desvio ou abuso do poder de autoridade, em benefício de candidato
ou de partido político
Diferentemente do abuso de poder econômico, o abuso de poder político
ou abuso de poder de autoridade só pode ser cometido por quem detém cargo,
função, ou emprego na administração direta, indireta e fundacional da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, portanto, sempre que um
cargo, emprego ou uma função pública for usada com escopo de obter votos,
haverá improbidade por desvio de finalidade e, destarte, abuso de poder de
autoridade.
265 Apud SARTI ,Amir José Finocchiaro: “Abusos do poder econômico na campanha eleitoral”, in: Revista do
TRE/RS n. 8, p. 51.
266 In Abuso de Poder no Direito Eleitoral. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, p.58.
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No mesmo sentido o TSE:
O abuso do poder político caracteriza-se quando o agente público, valendo-se de sua con-
dição funcional e em manifesto desvio de nalidade, compromete a igualdade da disputa
e a legitimidade do pleito em benefício de sua candidatura ou de terceiros, o que não se
vericou no caso. (Recurso Especial Eleitoral nº 46822 (468-22.2012.619.0093), TSE/RJ,
Rel. João Otávio de Noronha. j. 27.05.2014, maioria, DJE 16.06.2014).
Parte da doutrina arma que não basta que o ato inuencie a vontade do elei-
tor, mas que ele seja ilícito, ou seja, acarrete improbidade também. Neste sentido,
Adriano Soares:
Necessário que os fatos apontados como abusivos, entrementes, se encartem nas
hipóteses legais de improbidade administrativa (Lei n. 8.429/92), de modo que o exercício
de atividade pública possa se caracterizar como ilícita do ponto de vista eleitoral. 267
Entendemos, data venia, que tal distinção não faz sentido, porque o desvio de
nalidade do cargo, do emprego ou da função pública, impreterilvelmente, caractariza ato
de improbidade.
A atividade da Administração Pública deve perseguir a supremacia do interesse
público, vinculada aos ditames legais. Entretanto, tal atividade deve, também, pautar-se
pelos princípios da legalidade e impessoalidade, sob pena de se tornar um agrante
abuso de poder.
Estabelecendo o princípio da legalidade que o Administrador só pratique o ato
para o seu m legal, e essa nalidade sendo inafastável do interesse público, claro
está que o uso do patrimônio público com ns de promoção política se desvia dessa
regra, traduzido em insidiosa modalidade de abuso de poder político.
O princípio da impessoalidade impõe que o gestor público deve atuar exclusi-
vamente em função do interesse público, e nunca com nalidade de angariar votos.
Infelizmente, políticos brasileiros usam e abusam da administração pública, tornando-a
um grande vetor de desequilíbrio do pleito eleitoral, e a falta do combate ecaz a
esse tipo de abuso de poder signica impedir o desenvolvimento pleno do regime
democrático.
Destaco a lição concernente ao excesso de poder, apresentada por Marcus
Vinicius Furtado Coêlho, inspirada em Montesquieu:
O direito se impõe pelo poder, mas entre as suas missões basilares está a contenção ou
regulação do uso do poder, que apenas é lícito quando está destinado a cumprir os ns do
267 COSTA, Adriano Soares da. Teoria da Inelegibilidade e o Direito Processual Eleitoral. Belo Horizonte: Del
Rey, 1998. p. 276.
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