Teorias negras importam na conquista de uma democracia real

O ressurgimento do debate racial no Brasil e no mundo, a partir dos casos de João Pedro e George Floyd, revelou, como corolário da campanha "vidas negras importam" (black lives matter), a necessidade de dar ar e luz aos intelectuais negros. As suas teorias também importam.

Importante abandonar a postura de negação da história colonial, da herança escravagista e de suas atuais consequências duradouras, para assumir “a responsabilidade de criar novas configurações de poder e de conhecimento” em “um percurso de consciencialização coletiva”[1], com discursos e ações efetivas que provoquem uma outra inclusão, verdadeiramente transformadora.

Compreender a gênese do discurso

A compreensão do que somos como nação pressupõe buscar no passado linhas de raciocínio que nos permitam refletir sobre as demandas do presente. Isso perpassaria pelo entendimento da projeção política de quem se propõe trazer definições esquemáticas sobre o Brasil. A interpretação de nossa edificação histórica é muito mais um balanço reflexivo sobre o devir do que propriamente uma retrospecção do passado.

Tradicionalmente, a historiografia sobre o tema alça a tríade formada por Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior como referencial teórico acerca do pensamento sintético do Brasil. Entretanto, em nenhum desses autores a questão racial é tratada de forma centralizada, mesmo considerando o sistema escravagista como elemento estrutural da economia e da sociedade.

Com essas breves ponderações, não se está a afirmar que a temática nunca tenha sido desenvolvida; pelo contrário, intelectuais negros e negras estiverem imersos nesse debate, embora do ponto vista historiográfico sejam invisíveis. Isso reflete, em certa medida, as clivagens sociais e raciais que marcam o país. Durante todo século 20, pensadores negros como André Rebouças e Milton Santos — apenas para exemplificar dois marcos desse extenso período — já buscavam pensar formas de superação do escravismo que alinhavou o Estado brasileiro durante mais de três séculos.

Rebouças possuía como projeto nacional a realização de uma democracia rural, visando à superação do passado latifundiário e escravista, raiz das desigualdades do país, mediante criação de formas institucionais de manutenção do negro no sistema econômico. Suas reflexões derivam da necessidade de adequação do Brasil ao novo cenário econômico e político que se desenhava no final do século 19 com o fortalecimento de nações capitalistas industriais. Se, por um lado, pensava o reenquadramento do negro dentro das possibilidades de produção de riqueza; por outro, a sua trajetória de vida demonstrou que as promessas reformistas de viés liberal na recente República não anunciavam uma nova "era", mas o escamoteamento da população negra.

Já Milton Santos[2] tenta inserir o Brasil no cenário mundial, no século 21. Na sua visão, a globalização diluiria as diferenças, mas camuflaria as desigualdades, ainda latentes. Assim, descortinando esse fenômeno mundial que se alardeia como integrativo, o referido autor acaba também...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT