A Terceirização no Direito do Trabalho

AutorVicente José Malheiros da Fonseca
Páginas103-131

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Durante muito tempo, as questões trabalhistas sobre o tema em exame têm sido solucionadas à luz da Súmula n. 331, do C. TST, que cuida da hipótese de terceirização, mediante contrato de prestação de serviços, matéria apreciada pela doutrina e pela jurisprudência, uma vez que se trata de procedimento utilizado praticamente em todos os países, nas relações entre o capital e o trabalho.

A terceirização é objeto de muita polêmica nos Tribunais Trabalhistas.

A terceirização ocorre quando uma empresa, ao invés de contratar diretamente empregados para a realização de determinados serviços, contrata outra empresa como fornecedora de mão de obra.

Todavia, a terceirização envolve certa complexidade jurídica, pois esta prática exige tanto a modernização da gestão empresarial quanto o enfraquecimento da representação sindical e a precarização dos direitos trabalhistas, inclusive quanto ao ambiente laboral (segurança e medicina do trabalho).

A terceirização é um fenômeno irreversível na estrutura produtiva capitalista.

Portanto, a legislação sobre o tema deve ser equilibrada, capaz de compreender toda a abrangência do fenômeno, que vai além da organização da produção e pode gerar efeitos sociais nefastos.

A Constituição da República, ao dispor sobre os direitos fundamentais dos trabalhadores, assegura “outros que visem à melhoria de sua condição social” (art. 7º). Por conseguinte, a eventual redução de conquistas sociais certamente será prejudicial ao trabalhador e sua família.

A globalização da economia e o consequente desemprego é o grande desafio da atualidade.

É preciso reconhecer a existência da globalização, usar dela, mas limitá-la ao bem-estar social do trabalhador nacional. Não deve o Brasil admitir que os direitos sociais sejam reduzidos em favor de uma mão-de-obra mais barata e precária.

Acima da globalização, do interesse em aumentar a produção e reduzir os custos, está a dignidade do trabalhador.

Antes de se falar em redução de direitos trabalhistas, ou mesmo em desregulamentação, ou flexibilização, é necessário que a globalização da economia, com a consequente baixa de custos e aumento de produção, procure seus objetivos na própria economia, em custos, taxas e impostos que possam ser reduzidos, sem reflexos diretos no salário do trabalhador.

Numa época de grandes e rápidas transformações sociais, tecnológicas e dos costumes, em pleno século XXI, parece natural que o direito, justamente porque não é ciência pura, deve adequar-se à realidade. Nunca, porém, a ponto de perder o seu papel ético-cultural de referência às conquistas históricas da humanidade, centradas nas ideias de liberdade, de igualdade, de dignidade, de democracia e de justiça.

A meu ver, os sindicatos devem adotar uma nova política social, que não seja baseada apenas na greve, último recurso, para defender direitos às vezes ultra-passados, mas sim na criação de mais postos de trabalho e, sobretudo, na permanente qualificação da mão de obra.

Tenho dito que o trabalhador estará bem protegido se fizer jus a cinco benefícios que considero fundamentais: salário justo; garantia de emprego moderno; participação nos lucros, nos resultados e na gestão da empresa; sindicato livre, autêntico e forte; e, empresa realmente democrática.

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É nesse contexto que pretendo fazer algumas considerações sobre o tema, inclusive ligeiras reflexões sobre a Lei n. 13.429, de 31 de março de 2017, que “altera dispositivos da Lei n. 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências; e dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros”.

A “velha empresa” realizava diretamente as atividades necessárias aos fins do seu empreendimento, por meio de seus próprios empregados, cujo trabalho era por ela dirigido e fiscalizado diretamente. A “velha empresa” correspondia à relação de emprego clássica, como assinalam os doutos.

A “nova empresa” descentraliza o seu processo produtivo transferindo

[...] para o exterior da empresa certos segmentos da produção ou certas atividades anexas à principal, a fim de poderem ser geridas ou produzidas em condições de custos e contabilidade tanto mais vantajosas quanto permitam uma redução dos encargos fixos e dos riscos conjunturais. O arranjo técnico por que se rege esta transferência é multíplice, por vezes sofisticado, por vezes disfarçado, mas acolhe distintamente dois instrumentos preferenciais: subcontratação e o recurso sistemático à prestação de serviços” (cf. REDINHA, Maria Regina Gomes. A relação laboral fragmentada. Coimbra: Coimbra Editora, 1995. p. 48-59. Citação feita por Cléber Lúcio de Almeida, nos comentários à Súmula n. 331/TST“Súmulas do TST Comentadas” – ROCHA, Andrea Presas; ALVES NETO, João (Orgs.). Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. p. 395).

Lembra Augusto Cesar Ferreira de Baraúna1, ao discorrer sobre a História do Direito do Trabalho:

“A Idade da Pedra

Nos primórdios, o homem trabalhava para se alimentar. Sua principal preocupação com o trabalho diário era no desenvolvimento de técnicas de caça que pudessem ajudar na manutenção da vida humana.

Em seguida, o homem passou a desenvolver armas de proteção, objetivando se defender de animais e de outros homens, mediante o trabalho artesanal em ossos de animais putrefatos. O desenvolvimento de técnicas de caça e utensílios utilizados em sua manutenção permite uma melhor compreensão da evolução da condição humana, pois o trabalho em instrumentos de caça demonstra um aprimoramento na defesa de grupos humanos de seus predadores (grandes animais e o próprio homem).

Data desse período, outro grande passo na evolução da raça humana, estamos nos referindo ao trabalho humano e o aperfeiçoamento da técnica de manipulação do fogo. Passo significativo na evolução da raça humana constituiu o domínio do fogo e sua utilização na vida diária das tribos.

O domínio do fogo pelo homem permitiu melhora na alimentação e a submissão de determinados grupos por outros. Ou seja, as tribos que passaram a dominar o fogo invadiram as terras das demais tribos e capturaram as suas fêmeas, melhorando e aperfeiçoando a raça humana”.

Em seguida, Augusto Cezar Ferreira de Baraúna2 discorre sobre as demais fases da evolução do trabalho humano, na Idade Antiga, inclusive a escravidão, na Idade Média (servidão e feudalismo), na Idade Moderna (corporações de ofício) e na Idade Contemporânea (globalização da economia, surgimento da máquina a vapor, sindicatos).

O homem primitivo realizava o trabalho autônomo, por conta própria, nas atividades de caça, pesca, preparo da habitação, do vestuário e da alimentação, para seu próprio sustento e consumo, como também de sua família.

Com a evolução da civilização humana, o homem passou a explorar o trabalho alheio, de outro homem, o que provocou, algum tempo depois, a intervenção do Estado nesse domínio econômico (capital/trabalho).

O certo é que a terceirização abrangia, no início, a atividade-meio do processo produtivo da empresa. Mas, atualmente, a terceirização avança, a passos largos, para a atividade-fim.

Nem sempre é fácil distinguir a atividade-meio da atividade-fim de uma empresa.

Por exemplo, o serviço de informática nos Bancos – considerado atividade-meio – pode ser terceirizado, conforme a doutrina e a jurisprudência, embora se trate de atividade necessária e essencial ao empreendimento. O mesmo ocorre, por exemplo, nas atividades das companhias de transporte aéreo. Todavia, se o serviço

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de informática (Internet, verbi gratia) paralisar, as atividades da empresa ficam comprometidas.

Sem dúvida, quem transfere a outrem a sua atividade-fim não pode abrir mão do controle dessa atividade ou do poder de tomar as decisões vitais a ela relacionadas, sob pena de colocar em risco a sobrevivência do seu empreendimento, segundo alertam os estudiosos da matéria, que se reportam ao termo “subordinação estrutural”, como espécie de tornar mais flexível as relações laborais.

Na verdade, o Direito do Trabalho consagrou algumas premissas, já estabelecidas na legislação, no sentido de atribuir a responsabilidade pelos encargos sociais a terceiros, ainda que não figurem diretamente na relação de emprego. São exemplos, os casos de empresas que integram o grupo econômico (art. 2º, § 2º, da CLT); as hipóteses de sucessão e/ou alteração na estrutura jurídica da empresa (arts. 10 e 448, da CLT); na subempreitada (art. 455, da CLT); e de responsabilidade solidária da empresa tomadora ou cliente em caso de falência da empresa de trabalho temporário (art. 16, da Lei n. 6.019/1974), entre outros.

Adverte Augusto Cezar Ferreira de Baraúna3:

“A definição de atividade-fim ou atividade-meio é difícil em um processo produtivo moderno. Uma regra jurídica sente dificuldade em definir níveis estratégicos de atividades empresariais intimamente ligadas ou não à atividade produtiva da empresa tomadora de serviço.

Contudo, existem três tipos de prestação de serviço. Os níveis de estágios com intercâmbio empresarial podem ser: inicial, intermediário e avançado:

1) inicial, quando a empresa repassa a terceiros a prestação de serviços das áreas de apoio administrativo e social (ex.: serviços de restaurantes e creches, manutenção geral, limpeza e conservação, segurança e transporte); 2) intermediário, são terceirizadas atividades ligadas mais diretamente à função da empresa tomadora (ex.: assistência técnica de maquinário, usinagem de certas peças); 3) o avançado ocorre com o repasse da atividade-chave da empresa (ex.: implantação da qualidade total, pesquisa e desenvolvimento, ou até mesmo a gestão de outros fornecedores).

Pela própria implementação da terceirização no parque produtivo brasileiro, os estágios admitidos de atividade-meio limitam-se aos níveis inicial e intermediário. O estágio avançado não está contemplado pela Súmula n. 331 do TST, pois não se relaciona ao conceito de atividade-fim, ou seja, aquele ligado à distribuição comercial de...

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