A terceirização no setor da mineração: um estudo à luz da tragédia de Bento Rodrigues

AutorMaria Cecília Máximo Teodoro/Márcio Túlio Viana/Cleber Lúcio De Almeida/Sabrina Colares Nogueira
Páginas194-199

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Apresentação

No dia 6 de novembro de 2015, o Brasil presenciou uma das maiores tragédias ambientais de sua história. Uma das barragens de rejeitos da mineradora SAMARCO, localizada na região de Mariana/MG, rompeu-se, ocasionando, além de uma destruição ambiental imensurável, a morte de 19 pessoas. Dentre os mortos, cinco moradores de Bento Rodrigues (um distrito de Mariana), um trabalhador da SAMARCO e treze trabalhadores terceirizados (contratados para prestar serviço para a SAMARCO). No dia 26 de abril de 2016, a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Minas Gerais (SRTE/MG), divulgou relatório de ação fiscal do trabalho, relacionada ao rompimento da barragem, que concluiu pela emissão de 23 autos de infração contra a mineradora. Dentre as principais violações apontadas pelo relatório está a prática da terceirização ilícita, uma vez que o alteamento da barragem (atividade-fim da mineradora) era realizado por trabalhadores terceirizados, o que é vedado pela Súmula n. 331 do TST. Tomando como ponto de partida a tragédia de Bento Rodrigues e analisando outros casos recentes, o presente trabalho pretende discorrer sobre a habitualidade da terceirização ilícita no setor da mineração e sobre o que pode ser feito para impedir a ocorrência de tal prática, especialmente, pela interdição do estabelecimento e o embargo de obra.

1. Introdução

Assim como no ciclo do ouro, quando escravos eram tratados como mercadoria e reduzidos a mero instrumento da ganância de bandeirantes e portugueses, agora, na indústria da extração do minério de ferro, vemos a história se repetir1. Porém, hoje, os algozes são as grandes corporações mineradoras e as vítimas dessa desumanização as populações dos pequenos lugarejos (como o povo de Bento Rodrigues), os trabalhadores com baixa instrução profissional (discriminatoriamente chamados de “peões” da mineração), e, dentre estes, os trabalhadores terceirizados.

Conforme ficará evidenciado ao longo desse artigo, o trabalhador terceirizado tem a sua dignidade habitualmente vilipendiada. A partir da desconexão entre seu trabalho e seu real empregador (o tomador de serviços) ele é coisificado, passando a ser vendido como simples objeto. Não obstante, suas condições laborais ainda restam amplamente prejudicadas, o que fica evidenciado por remunerações inferiores as dos empregados diretamente contratados, pela não vinculação aos mesmos sindicatos dos empregados diretos e por uma maior exposição a acidentes de trabalho.

Cabe ressaltar que a precarização dos direitos trabalhistas não é um fenômeno isolado. Dentro de um contexto mais amplo de ataque aos direitos humanos, o que se observa é que o avanço das práticas neoliberais impõe uma lógica em que, em detrimento do lucro rápido e fácil, todo o resto passa a ser descartável. Mas o preço por essa exploração desenfreada é alto e, cedo ou tarde, é chegada a hora da cobrança dessa conta que, contraditoriamente, é cobrada justamente dos mais explorados nessa relação.

Dessa forma, tomando como ponto de partida a tragédia de Bento Rodrigues, o presente artigo discorrerá sobre o avanço e a habitualidade da terceirização na mineração brasileira. Ainda, como forma de se evitar a frequente ocorrência dessa prática, este trabalho versará sobre uma nova forma de combate, qual seja, a interdição de estabelecimento e o embargo de obra.

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2. A tragédia de bento rodrigues

No dia 6 de novembro de 2015, o Brasil presenciou uma das maiores tragédias socioambientais de sua história. Uma das barragens de rejeitos da mineradora SAMARCO, localizada na região de Mariana/MG, se rompeu ocasionando, além de uma destruição ambiental imensurável, a morte de dezenove pessoas. Dentre os mortos, cinco moradores do distrito de Bento Rodrigues (no município de Mariana), um trabalhador da SAMARCO e nada menos que treze trabalhadores terceirizados.

No dia 26 de abril de 2016, a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Minas Gerais (SRTE/MG), após seis meses de apuração no local, proferiu relatório de ação fiscal sobre o acidente do trabalho provocado pelo rompimento da barragem (SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO TRABALHO E EMPREGO EM MINAS GERAIS, 2016), que culminou na emissão de 23 autos de infração contra a mineradora. Dentre as infrações apuradas pela fiscalização ficou constatada a terceirização ilícita, que restou fundamentada pelo fato dos trabalhadores terceirizados terem sido responsáveis pelo alteamento da barragem, o que caracteriza atividade-fim da mineradora SAMARCO e é vedado pela Súmula n. 331 do TST. Restaram verificadas ainda irregularidades referentes a normas de saúde e segurança do trabalho e referentes à jornada de trabalho (horas--extras em excesso, falta de intervalo entre as jornadas e redução de intervalo de repouso e refeição).

2.1. A terceirização e as tragédias socioambientais como efeitos do neoliberalismo

De acordo com Robert Brenner (1999 apud ANTUNES, 2009), no começo da década de 70, a indústria manufatureira, em decorrência de uma acirrada competição internacional, sofreu uma intensa redução da taxa de lucro. Esse fator, associado a outros, levou à transferência de parte significativa do capital produtivo para o capital especulativo (financeiro), o que, de acordo com Antunes (2009), resultou na crise estrutural do capitalismo. Dentro desse contexto, como forma de retornar aos parâmetros de lucro anteriores à crise, o capitalismo passou a adotar medidas que implicavam ao mesmo tempo em um aumento da produtividade e na desregulamentação de direitos sociais (as chamadas práticas neoliberais). Para demonstrar como a terceirização, as tragédias socioambientais e as práticas neoliberais estão intrinsecamente conectadas, torna-se importante diferenciar os modelos de produção adotados antes da crise capitalista de 70 (modelo taylorista/fordista) e após a crise (modelo toyotista).

Segundo Gabriela Neves Delgado (2006), o modelo taylorista/fordista tinha como base a sistematização da produção (por meio da criação de linhas de montagem) e a manutenção de direitos sociais (por meio do Estado de bem-estar social). Aparentemente, esse modelo garantiria o melhor dos mundos, conjugando uma alta taxa de lucro para o empresariado e a garantia de direitos ao proletariado. Mas, por trás dessa aparente perfeição, escondia-se uma lógica perversa. É que a real intenção do empresariado ao permitir a concessão de direitos sociais era a de evitar movimentos reivindicatórios por parte do proletariado. Assim, ainda que as benesses concedidas fossem parcas, os trabalhadores se sentiriam menos afeitos a paralisações, greves e a lutar por novos direitos. Outro problema do modelo taylorista/fordista apontado por Delgado (2006) é que a sistematização da produção (e a formação de linhas de montagem) acabava por despersonificar o trabalhador (que passava a ser tratado como mero segmento das máquinas).

No entanto, apesar das merecidas críticas ao modelo...

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