Término do contrato por ato lícito das partes: dispensa sem justa causa e dispensa motivada, mas sem culpa obreira. Pedido de demissão pelo empregado. O instituto do aviso-prévio

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas1368-1409

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I Introdução

Uma das tipologias importantes acerca das modalidades de término do contrato de trabalho, referida no capítulo anterior deste Curso, é aquela que faz distinção entre resilição contratual, resolução contratual e rescisão contratual, reservando para um quarto grupo inominado os demais tipos existentes de ruptura do pacto laborativo1.

No presente capítulo, serão estudados os tipos rescisórios considerados resilição do contrato de trabalho. Esta corresponderia, conforme já visto, a todas as modalidades de ruptura contratual por exercício lícito da vontade das partes.

Neste campo, englobar-se-iam três tipos de extinção contratual: em primeiro lugar, a resilição unilateral por ato do empregador. Esta envolve a dispensa ou despedida sem justa causa, também chamada dispensa desmotivada ou dispensa arbitrária. Ao seu lado existe — embora seja incomum no Direito brasileiro — a dispensa motivada mas sem justa causa obreira. Tratase de modalidade de ruptura contratual decidida pelo empregador, porém com motivação tipificada e socialmente consistente, que não se esgota na simples denúncia vazia do contrato, ou seja, na dispensa arbitrária: seria seu exemplo a dispensa motivada por fatores técnicos, econômicos ou financeiros.

O Brasil, conforme já exposto no precedente capítulo, perdeu a oportunidade de substituir a simples dispensa sem justa causa (denúncia vazia do contrato) pela mais consistente, do ponto de vista sociojurídico, dispensa motivada mas sem justa causa celetista, caso houvesse incorporado em seu sistema jurídico as regras da Convenção 158 da OIT. O ato de despedida manter-se-ia como decisão empresarial, porém submetido ao atendimento a motivações razoáveis, mesmo que sem cometimento de infração pelo trabalhador (motivos tecnológicos ou econômicos efetivamente consistentes e comprovados, por exemplo). Não obstante, a decisão da Corte Suprema, em setembro de 1997, considerando inassimilável a referida Convenção ao

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disposto no art. 7º, I, da Constituição, além da própria denúncia do diploma internacional, feita pelo Presidente da República (Decreto declaratório 2.100, de 25.12.1996), tudo inviabilizou semelhante avanço sociojurídico no Direito do País.2

O segundo tipo de término contratual a ser estudado no presente capítulo é a resilição unilateral por ato do empregado, usualmente denominada pedido de demissão.

O terceiro tipo de término do contrato a ser aqui examinado corresponde à resilição bilateral do pacto empregatício, isto é, o distrato.

O capítulo encerra-se com o estudo do aviso-prévio, instituto original-mente (hoje, nem sempre) vinculado à resilição contratual por ato de qualquer das partes contratuais.

II Término contratual por ato lícito das partes — resilição unilateral: natureza jurídica

A resilição unilateral do contrato de trabalho resulta de uma declaração de vontade da respectiva parte, com poderes para colocar fim ao pacto empregatício.

De maneira geral, em ordens jurídicas mais desenvolvidas (como grande parte das integrantes do continente europeu ocidental), a resilição unilateral do contrato empregatício por ato do empregador deve ser lastreada em motivo considerado consistente3. Ainda que esse motivo não consubstancie infração cometida pelo trabalhador (a qual ensejaria a resolução contratual por justa causa obreira), ele deveria ser razoável, sério e socialmente aceitável. Ilustrativamente, a resilição contratual por ato do empregador deveria ser fundada em comprovados fatores econômico-financeiros, tecnológicos ou resultantes de objetiva mutação do mercado capitalista, os quais afetassem, de modo relevante, o empreendimento. Nesse quadro, não se poderia falar na mera denúncia vazia do contrato, ou seja, na dispensa meramente arbitrária.

Entretanto, no Brasil, conforme já reiteradamente exposto, tem prevalecido, há décadas, a ampla possibilidade jurídica da simples ruptura do contrato por ato estritamente arbitrário do empregador; em síntese, a denúncia vazia do contrato de emprego, a dispensa sem justa causa e sem qualquer outro fator que seja tido como relevante, do ponto de vista socioeconômico.

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Qual a natureza jurídica dessa declaração de vontade empresarial que, por si somente, tem a aptidão de colocar término ao contrato de emprego?

Nos moldes prevalecentes no Direito do País, tal declaração de vontade tem natureza potestativa, receptícia e constitutiva, com efeitos imediatos, tão logo recebida pela parte adversa (efeitos ex nunc). Como aponta Délio Maranhão, referindo-se também a Orlando Gomes, “trata-se de direito potestativo”, o qual corresponde àquele cujo exercício visa à “modificação ou extinção” de certa relação jurídica, limitando-se a contraparte “a sofrer as consequências do exercício do direito pelo seu titular”4.

Orlando Gomes, analisando a teoria geral dos contratos, no Direito Civil, expõe que o “poder de resilir é exercido mediante declaração de vontade da parte a quem o contrato não mais interessa. Para valer, a declaração deve ser notificada à outra parte, produzindo efeitos a partir do momento em que chega a seu conhecimento. É, portanto, declaração receptícia de vontade5.

Direito potestativo é o ponto máximo de afirmação da centralidade do indivíduo na ordem jurídica. Efetivamente, ele constitui aquela prerrogativa ou vantagem que se exerce e se afirma independentemente da vontade dos que hão de suportar suas consequências jurídicas.

É claro que a denúncia do contrato, conforme lembra Orlando Gomes, “deve ser acompanhada de aviso expedido com certa antecedência, a que se dá o nome de aviso-prévio ou pré-aviso. O fim da exigência é prevenir as consequências da ruptura brusca do contrato, mas o aviso-prévio não é requisito necessário à validade da resilição que será eficaz ainda que não tenha sido dado”6. A falta do aviso formalizado gera, evidentemente, a obrigação de indenizá-lo7.

Embora a resilição unilateral seja inerente, regra geral, aos contratos de duração indeterminada, no plano do Direito Civil8, há peculiaridades a esses pactos, no plano do Direito do Trabalho. Afinal, a ordem constitucional valoriza, acentuadamente, o trabalho, o bem-estar, a segurança e a justiça social na vida socioeconômica (Preâmbulo; art. 1º, IV; art. 3º, I, III e IV; art. 7º, I; art. 170, caput e incisos VII e VIII; art. 193, todos da Constituição de 1988). É claro que a mesma Constituição reconhece, como notável, a importância da livre-iniciativa (Preâmbulo; art. 1º, IV; art. 3º, I; art. 5º, XXII; art. 170, caput e incisos II, IV e IX, também todos da Lei Magna). Porém, a todo instante, o Texto Máximo compatibiliza as duas dimensões, exigindo que o exercício da

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propriedade privada e, portanto, da livre-iniciativa, seja sempre realizado em harmonia à sua função social (art. 5º, XXIII; art. 170, caput e inciso III, VII e VIII; art. 193, também todos da Constituição).

Ora, como efetivar tais compatibilização e respeito determinados pela Constituição, se se mantém, na ordem infraconstitucional, a resilição unilateral do contrato como mero direito potestativo do empregador? Ou seja, se se preserva, em tema de tamanhas dimensão e projeção sociais, a prerrogativa meramente potestativa de extinção do contrato, como ponto máximo de afirmação da centralidade do indivíduo no Direito e na sociedade? Há, sem dúvida, neste aspecto examinado, um claro desajuste da ordem justrabalhista infraconstitucional com princípios e regras inseridos, de modo reiterado e enfático, na Constituição da República.

1. O Contraponto da Convenção 158 da OIT

O contraponto à dispensa meramente arbitrária (denúncia vazia do contrato) reside na dispensa motivada, na denúncia cheia do contrato empregatício. Isto é, denúncia lastreada em motivo consistente e relevante.

A Convenção 158 da OIT oferta sistemática de ruptura contratual com suporte na denúncia cheia do contrato de trabalho, fundada em motivo relevante e consistente; algo que no Brasil — se prevalecente a Convenção 158 — corresponderia à despedida motivada mas sem justa causa celetista.

Dispõe o diploma normativo internacional que não poderá ocorrer, por iniciativa do empregador, “término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço” (art. 4º da Convenção 158). O mesmo diploma jurídico também menciona, como causas justificadoras da dispensa motivada mas sem justa causa, o seguinte rol identificador das necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou do serviço: trata-se dos “motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos” (art. 13, Convenção 158 da OIT).

Ratificada pelo Brasil, por meio do Decreto Legislativo n. 68, publicado em 29.8.1992, com depósito do instrumento ratificado...

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