O termo de ajuste de conduta à luz da análise comportamental do direito

AutorIlan Fonseca de Souza, Júlio César de Aguiar
Páginas95-112

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Introdução

A meta social do Ministério Público do Trabalho (MPT) é o bem-estar dos trabalhadores em um ambiente de livre-iniciativa e leal concorrência idealizado pela Constituição Federal. Sua atuação consiste em promover a defesa de interesses coletivos quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos, efetivando as normas que regem a relação de emprego. Para tanto, o Parquet Trabalhista pode tomar compromissos ou coagir os investigados a se adequarem às normas legais, por meio de instrumentos administrativos ou judiciais. A sua atuação visa ainda estimular ex ante uma conformidade à legislação trabalhista por parte do empresariado em geral, por meio de sanções a condutas juridicamente proibidas.

Este modus operandi pode ser analisado sob a ótica da análise comportamental do Direito: as sanções que o MPT busca impor podem ser vistas como estímulos aversivos em um comportamento operante (AGUIAR; CHINELATO, 2014, p. 113). O foco deste artigo é avaliaras contingências, enquanto regras de controle comportamental, que interferem na dinâmica do TAC, permitindo o efetivo ajuste da conduta do compromissário à legislação.

Partiremos da premissa de que a punição e o reforço podem servir para o atingimento da missão social do MPT, bem como possibilitam alterar comportamentos sociais dos infratores da lei trabalhista.

O MPT interfere numa relação de emprego formada por dois sujeitos: um empregador-seu potencial investigado - e o coletivo de trabalhadores. Trata-se de uma intervenção estatal que tem por finalidade regular uma relação entre patrão e empregados. Esta relação jurídica trabalhista é complexa e repercute em outros agentes sociais: quando descumpridas as regras da relação de emprego, haverá consequências ou externai idades

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para o Estado enquanto fiscalizador e credor3, e para os demais empregadores cujos interesses económicos serão preteridos por uma concorrência desleal.

O cumprimento da lei trabalhista parece ser uma linha segura a ser observada pelos empregadores, porque permite a observância dos interesses jurídicos e económicos de todos estes atores sociais. Esta intrincada rede comportamental deve ser analisada pelo MPT quando firma um termo de ajuste de conduta ou ajuíza uma ação coletiva.

Este tema é relevante porque o MPT firma termos de ajuste de conduta em muito maior proporção do que promove ações civis. Em 2013, por exemplo, firmou mais de 12 mil TACs ao passo que ajuizou 2.936 ACPs [proporção de 4/1 (CNMP, 2014, p. 326)].4 O MPF, no mesmo ano, firmou apenas 233 termos de ajuste de conduta. Trataremos de analisar esta diretriz institucional que privilegia a assinatura de TACs, revelando a contingência jurídica:5 SE [descumpre legislação trabalhista], ENTÃO [TAC], a qual, então, na prática, substitui aquela instituída na lei trabalhista, qual seja SE [descumpre legislação trabalhista], ENTÃO [punição civil/administrativa/ criminal, conforme o caso].

Assim, a contingência jurídica que se extrai desta interação entre o Ministério Público e o infrator consiste na assinatura de um TAC como suposta punição com a finalidade de desestimular o comportamento ilícito de um empregador.

O que pesquisas empíricas têm evidenciado, entretanto, é que os TACs vêm sendo descumpridos. Souza (2013, 2014) e Filgueiras (2012) constataram o largo descumprimento dos TACs no Amazonas, na Bahia e em outros Estados da Federação.

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Buscando identificar que fatores poderiam estar levando ao descumprimento dos TACs, constatamos que a análise comportamental do Direito poderia sugerir, a priorie teoricamente, esta baixa efetividade pelas contingências inerentes a esta relação MPT versus infrator.

1. Entendendo o contexto: a dinâmica dos TACS

O conjunto de estratégias adotadas pelo MPT para atingir a máxima efetividade de sua atuação materializam um contexto que, no modelo de Skinner, funciona como indicador da maior ou menor probabilidade de que um determinado comportamento será reforçado ou punido (MICHAEL, 1982, apudAGUIAR, 2012, p. 185).

A atuação do MPT se dá por meio de procedimentos de investigação: quando uma denúncia é apresentada, promovem-se medidas para a constatação da sua veracidade e, se flagrado o ilícito e sendo ele relevante (violador do interesse público), o TAC pode ser proposto à empresa investigada como forma de pôr fim à investigação.

O TAC constitui um instrumento formal assinado entre o MPT e o investigado (empregador flagrado descumprindo a legislação) contendo cláusulas com obrigações que devem ser respeitadas, sob pena de multas pecuniárias que incidirão no caso de novo descumprimento das normas legais. É possível a imposição de indenização pelas macrolesões trabalhistas verificadas - e que deram origem à investigação -, no entanto, pelas pesquisas anteriores, esta é muito rara. Ao prever que os órgãos públicos poderão tomar dos interessados compromisso de ajuste de conduta às exigências legais mediante sanções, a Lei n. 7.347/85 contemplou a possibilidade dos infratores adequarem futuramente o seu comportamento.6 O TAC assemelha-se, portanto, a um contrato7 porque representa uma

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ferramenta de controle utilizada mediante consenso dos investigados como forma de moldar-lhes o comportamento, engendrando incentivos para a cooperação desejada pelo Estado (AGUIAR; GOBBO, 2014, p. 107-108).

O TAC é habitualmente apresentado como elemento de barganha (PIMENTA, 1999, p. 119-152) porque oferece ao investigado uma alternativa ao ajuizamento de uma ação civil pública com pedido indenizatório. Ao infrator é possibilitada a adequação da sua conduta futura sem sanções imediatas, sublimando a possibilidade de responsabilização judicial. Poderíamos chamar esta modalidade de compromisso de TAC convencional, uma vez que, usualmente, pelas pesquisas empreendidas, não estabelece uma punição instantânea, como indenização por danos morais coletivos ou reparação do ilícito, funcionando como uma advertência preliminar para o empregador.

Existe, portanto, uma dicotomia entre TAC e ACP: onde um é proposto, a outra é suprimida. Com efeito, enquanto moeda de troca, o índice de formalização dos TACs depende da frequência de ajuizamento de ações civis públicas, de forma que, num ambiente onde a quantidade de ações civis públicas é mínima ou nula, a taxa de assinatura de compromissos será tendencialmente muito baixa.8

A conduta dos membros do MPT, ao proporem a celebração de TACs - e dos empregadores, antes e depois de serem flagrados cometendo ilícitos trabalhistas - podem ser conceituadas como um comportamento operante,9 passíveis, portanto, de serem analisadas com base no modelo da análise comportamental, o que será feito a seguir.

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2. Como a análise comportamental do direito pode prever a inefetividade do TAC?

Vimos acima que a estratégia adotada pelo MPT - supressão da possibilidade de punição em caso de compromisso do infrator - está sempre lastreada na virtualidade da ação civil pública. A despeito de não se apresentar como a situação mais favorável à instituição, porque não contempla sanções de cunho indenizatório para a sociedade ou de retorno ao status quo ante para os trabalhadores, o TAC seria ao menos uma alternativa positiva no que tange ao prometido cumprimento futuro da norma.

Dentre as alternativas de cumprir ou não cumprir o ajuste, o que poderia levar o empregador a optar justamente pelo seu desrespeito? Como algo que ocorre depois - como a cobrança ou não de multas significativas - pode ter efeito sobre o comportamento pregresso do agente de ajustar ou não sua conduta?

Para esta análise, serão relevantes os seguintes postulados: i) o descumprimento da legislação trabalhista tende a ser historicamente alto no Brasil, dados vários fatores, dentre os quais a observação de que quem descumpre a lei tem maiores margens de lucro; ii) a punição de determinadas condutas empresariais ilícitas (excesso de horas extras, condição análoga à de escravo, não concessão de férias etc.) é um meio eficaz de promover o bem-estar dos trabalhadores; iii) a imposição de TACs adequados tenderia a tornar menos provável o descumprimento da legislação trabalhista.

Na sequência, a contingência jurídica após a constatação dos ilícitos no curso do inquérito, ou seja, o par formado por uma ou mais condutas (comissiva ou omissiva) e a respectiva sanção seria analiticamente descrito assim: SE [obrigações do TAC forem desrespeitadas], ENTÃO [multas serão exigidas], de forma que o condicionamento do comportamento do investigado é uma contingência punitiva entre a violação do ajuste e o que se dá depois, in casu, a cobrança das penalidades.

Destarte, se os empregadores tiverem uma expectativa de que o descumprimento do TAC não irá engendrar a execução das suas multas estes optarão, tendencialmente, pela violação do ajuste. Esta é a primeira explicação, que será melhor desenvolvida adiante.

2.1. Os TACs serão descumpridos se os compromissários tiverem expectativa razoável de que as multas não serão cobradas

O comportamento10 empresarial, em um dado contexto, será o resultado das consequências (reforçadoras ou punitivas) contingentes à ocorrência

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deste comportamento (GUERIN, 1994, apud por AGUIAR, 2012, p. 184). Quando uma empresa viola a lei, ela obtém um reforço positivo (aumento da margem de lucro) gerando uma tendência desse...

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