Exploração de petróleo em terras indígenas: à procura de um marco legal

AutorJulianne Holder
CargoMestranda em Direito Constitucional da UFRN
Páginas157-178
EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO EM TERRAS INDÍGENAS: À PROCURA
DE UM MARCO LEGAL
OIL EXPLORATION IN INDIGENOUS LANDS: LOOKING FOR A LEGAL
MARK
Julianne Holder1
Resumo: Reconhecendo a necessidade de preservar uma minoria étnica nacional, a Constituição
Federal estipulou uma série de direitos e garantia s em prol da conservação da singulari dade cultural
indígena, p erfilhando em seu artigo 231 o direito dos índio s em manter sua organização social, seus
costumes, línguas, crenças e tradições, além de r esguardar os direitos ori ginários sobre as terra s que
tradicionalmente o cupam e o usufruto exclusivo das riquezas nelas existentes, premissa inafastável da
garantia de sua continuidade física e cultural. Entretanto, apesar da política indige nista de preservação
cultural, a própria Carta possibilitou a exploração de min érios em territ ório aborígene, aqui incluída à
exploração de hidr ocarbonetos, observadas algumas exigências, ficando a cargo do legislador ordi nário
a disciplina da matéria. No entanto, esta lei ainda não foi editada, restando inviabilizada a exploração
mineral em subsolo indígena até a promulgação da legisla ção competente. Neste ínterim, o presente
trabalho realiza uma a nálise integrada entre as disposições constitucionais de tutela à singularidade
étnica e cultural indígena, a Convenção n° 169 da OIT, a Agenda 2 1 da ONU e o projeto de lei n°
1610/96, na t entativa de compatibilizar a necessidade energética nacional com a preservaçã o da
organização sociocultural de uma minoria fra gilizada por cinco séculos de dominação.
Palavras-chave: Terras indígenas; explora ção e produção de petróleo; convenção 169/OIT.
Abstract: Recognizing the need to preserve a national ethnic minority, the Federal Con stitution
stipulated a series of rights a nd warranties i n favor of the conservation of the indigenous cultural
singularity, establish in its article 231 the right of the indians in maintaining the social organization,
their habits, lan guages, faiths and traditions, besides protecting t he original rights on the lan ds that
traditionally occupy and the exclusive use of the w ealth they exi st, premise of ensuring their physical
and cultural continuity. However, despite the indigenous cultural preservation, th e Constitutional
Charter allowed the exploitation of minerals i n aboriginal territor y, this included the hydrocarbons
exploitation, where they meet certain require ments, leaving it to the l egislature the discipline of
ordinary matter. However, this law ha s not been edited yet, leaving therefore makes th e mineral
exploration on indigenous subsurface until the enactment of the legislation concerned. In the meantime,
the present study conducts an integrated analysis of members of the constitutional protection of the
indigenous culture uniqu eness, Convention 169 of the OIT, the UN A genda 21 and the bill n° 1610/96,
the attempt to r econcile the national energy need s with the preservation socia l and cultural organization
of minority so weakened over five centuri es of domination.
Key-words: Indigenous lands; oil producti on and exploitation; Convention 169/OIT
INTRODUÇÃO
Recentemente os holofotes da comunidade internacional concentraram-se
no Equador e no seu Presidente Rafael Corr ea, que, em uma atitude inovadora,
ousada e vanguardista, fechou uma parceria com o Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD), cujo objetivo central consiste em deixar debaixo
da terra cerca de 846 milhões de barris de petróleo, 20% das reservas do país,
localizados nos campos Ishpingo, Tambococha e Tiputine situados em uma área de
alta sensibilidade socioambiental, o Parque Nacional do Yasuní2.
1 Mestranda em Direito Constitucional da UFRN. Bolsista do Programa de formação de recur sos
humanos em direitos do petróleo e gás - PRH 36 ANP. E-mail: juholder@gmail.com
2 Em contrapartida pela não exploração do Yasuní, o Equador exi ge uma indeni zação de cerca de 3,6
bilhões de dólare s, 50% do que o país lucraria caso a exploração fosse engendrada. Países como a
Alemanha, Bélgica, Espanha, França, Itália, H olanda e Noruega já comunicaram seu apoio ao projeto. O
acordo fora assinado em 3 de agosto deste ano no Mi nistério das Relações Exteriores do Equa dor e visa
à criação do fundo Yasuní-ITT a ser investido na conservação do próprio Parque, e m projetos sociais e
energéticos.
158 Direitos Culturais, Santo Ângelo, v.5, n.9 , p. 157-178, jul./dez. 2010
A iniciativa inovadora do país latino fora festejada e recebida com
entusiasmo pelos organismos ambientais de todo o Planeta, posto que não só
evitará a emissão de 400 milhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera,
como impedirá a presença de um empreendimento altamente impactante e
ambientalmente degradante em uma área de riquíssima biodiversidade, marcada
pela presença de comunidades indígenas que vivem em estado de isolamento3.
A boa n ova da Nação equatoriana criou uma ação sem precedentes na
história do desenvolvimento sustentável do Plan eta e trouxe à baila as
preocupações dos organismos internacionais de proteção aos direitos humanos com
as m azelas oriundas da exploração de hidrocarbonetos em terras indígenas,
principalmente quanto ao histórico dos paí ses latino-americanos que se lançaram
neste perigoso empreendimento, as consequências foram desastrosas e os impactos
irreversíveis, r esultando muitas vezes na dizimação de tribos inteiras. O próprio
Equador sentiu na pele os efeitos ruinosos da exploração petr olífera em áreas de
vulnerabilidade socioambiental, observando o total desaparecimento da tribo
amazonense Teteté e a drástica redução da população pertencente à tribo Cofane de
15.000 para 300 indivíduos.
No caso brasileiro, a questão da presença da Indústria do Petróleo e Gás
Natural (IPGN) em terras índias é um problema iminente dado que a maior parcela
das comunidades indígenas se concentra portanto hoje nas Regiões Norte e Centro-
Oeste do País, principalmente na Amazônia legal4, onde grandes bacias
sedimentares compõem a sua geologia, sendo, por tanto, propensa à formação de
jazidas petrolíferas em seu subsolo. O potencia produtor da Amazônia, evidenciado
pela grande quantidade de países latinos que nela prospectam petróleo há décadas,
culminou em diversos certames licitatórios promovidos pela Agência Nacional do
Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) com a finalidade de conceder suas
terras para pesquisa e lavra de hidrocarbonetos.
Muito embora a ANP nunca tenha ofertado blocos inseridos em terras
indígenas, na 10ª r odada licitatória os campos concedidos delas se a vizinharam de
forma preocupante. O fato é que os blocos PRC-T-121, PRC-T-122 e PRC-T-123,
situados no alto do Xingu, Mato Grosso, arrematados pela Petrobrás, se encontram
nos limites das terras indígenas de Santana e Bakairi. Não obstante os blocos se
situem externamente aos territórios indígenas, tendo o órgão ambiental competente
3 As comunidades Huaorani, T agaeri e Taromenane já foram afetadas pela presença da indústria
petrolífera no Parque, a intensificação da produção conduziria a o colapso seu modo de vida selvagem
baseado em uma economia d e subsistência em uma perfeita interação com o meio ambiente. A presença
de algumas petrolí feras no Yasuní, como a espanhola Repsol-YPF e a norte-americana Marxus Energy,
acarretaram a dependência econômica e assistencial das tribos, causando o desmatamento da região e
facilitando a extração ile gal da ma deira e de outros r ecursos naturais do Parque. Mais detalhe s, vide:
LEYEN Bia nca de Castro. Eco-efici ência na exploração e produção de petróleo e gás em regiõ es de
florestas tropicais úmidas: o caso da Petrobrás na Amazônia. 2 008, 202 f. Dissertação de Mestrado –
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Ri o de Ja neiro, 2 008. p. 57. Disponível em:
http://www.ppe.ufrj.br/ppe/production/tesis /bianca_castro.pdf. Acesso em 19 ago. 2010.
4 A Amazônia legal é uma área que engloba nove Estados brasileiros pertencentes à Bacia Amazônica e,
conseqüentemente, possuem em seu território trechos da Floresta Amazônica. A atual área de
abrangência da Amazônia legal corr esponde à totalidade dos Estados do Acre, Amapá, A mazonas, Mato
Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parte do estado do Maranhão. N a Amazônia legal
residem 55 ,9% da população indígena brasileira, ou seja, cerca de 250 mil índios distribuídos em 80
etnias diferentes.

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