Território indígena do massacará: urbanidade rural, ruralidade urbana

AutorAlfons Heinrich Altmicks
CargoMestre em Ciências da Educação (USCar). Mestre em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social (UCSal). Doutorando em Educação e Contemporaneidade (PPGEDuc-UNEB). Docente integrante dos quadros da Universidade Católica do Salvador. E-mail: alfons.altmicks@pro.ucsal.br
Páginas14-34
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, v. 45, n. 251, p. 546-566, set./dez., 2020 | ISSN 2447-861X
TERRITÓRIO INDÍGENA DO MASSACARÁ: URBANIDADE RURAL,
RURALIDADE URBANA
The indigenous territory of Massacará: urban rurality, rural urbanity
Alfons Heinrich Altmicks
(PPGEDuc-UNEB).
Informações do artigo
Recebido em 22/08/2020
Aceito em 04/09/2020
doi>: https://doi.org/10.25247/2447-861X.2020.n251.p546-566
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons
Atribuição 4.0 Internacional.
Como ser citado (modelo ABNT)
ALTMICKS, Alfons Heinrich. Território indígena do
Massacará: urbanidade rural, ruralidade urbana.
Cadernos do CEAS: Revista Crítica de Humanidades.
Salvador/Recife, v. 45, n. 251, p. 546-566, set./dez.,
2020. DOI: https://doi.org/10.25247/2447-
861X.2020.n251.p546-566
Resumo
Este artigo tem o escopo de evidenciar as relações entre
territorialidade e identidade étnica, no Território
Indígena do Massacará, pertencente à etnia Kaimbé,
partindo da dicotomia entre os elementos de urbanidade
rural e de ruralidade urbana, elaborados pela população
local. Contando com cinco séculos de con tato com a
sociedade de entorno, os Kaimbé tiveram que aprender a
lidar com modelos culturais e institucionais, que não os
seus próprios. Desse aprendizado, brotou uma maneira,
muito particular, de relacionamento com o universo não-
indígena. Este estudo traduz um esforço teórico, cujo
resultado deverá subsidiar uma investigação etnográfica
mais ampla, sobre a importância do território para a
consubstanciação da identidade indígena Kaimbé.
Outrossim, constitui uma pesquisa de prospecção,
fundamentada na experiência dos autores, na localidade,
bem como na literatura contemporânea disponível sobre
o tema.
Palavras-Chave: Território. Territorialidade. Id entidade
étnica. Etnodesenvolvimento. Indígenas Kaimbé.
Abstract
This paper aims to show the relationship between
territoriality a nd ethnic identity in the Indigenous
Territory of Massacará, formed by the Kaimbé ethny,
through the dichotomy between the rural urbanity an d
the urban rurality, created by locals. Throughout five
years of relationship with the society around them, the
Kaimbé have had to deal with different cultural and
institutional models. From this learning relationship, a
very peculiar way of relating to the non-indigenous
universe was born. This study is a theoretical effort,
whose result shall base a wider ethnographic
investigation on the role of the territory to the
consubstantiation of the Kaimbés indigenous identity.
Furthermore, it is a prospective research, based on the
authors local experience as well as in the available
contemporary literature on the subject.
Keywords: Territory. Territoriality. Ethic identity.
Etnodevelopment. Kaimbé's indians.
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, v. 45, n. 251, p. 546-566, set./dez., 2020
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Território indígena do Massacará: urbanidade rural, ruralidade urbana | Alfons Heinrich Altmicks
Introdução
Não raramente, a heterogenia cultural indígena provoca equívocos sobre o processo
de integração das populações indígenas à sociedade de entorno1, porquanto há uma miríade
de nuances culturais, a ser realçada, quando se toma, para análise, o tema da cultura indígena
e suas relações com a construção da identidade brasileira. Com efeito, ca da povo indígena é
constituído de idiossincrasias e especificidades, que o tornam único, eleito na beleza e na
riqueza do seu manancial cultural. No Brasil, conquanto o desconhecimento sobre o universo
indígena seja acintoso e sistemático, constituindo um projeto de negação de um a matriz
étnica (CANTON, 2018), a diversidade de culturas indígenas termina posta sob a égide de um
indianismo genérico, no qual é ressaltado o estereótipo do silvícola, seminu, ingênuo,
ignorante.
Esse reducionismo é subscrito, inclusive, às conc epções sobre a maneira como as
populações indígenas se apropriam das instituições não-indígenas, ressignificando-as. A
despeito de, flagrantemente, mal acomodadas às dinâmicas da sociedade de entorno, as
etnias indígenas se relacionam com instituições não-indígenas, como a escola, a
universidade, o modelo de família, a estrutura de saúde pública etc. Obviamente, esse
convívio requer o desenvolvimento de estratégias de adaptação, em relação a essas
instituições. Aos olhos dos não-indígenas, essas estratégias ratificam a imagem reducionista
do indígena2 como um ser inferior (MEADER, 1976; OLIVEIRA, 1998;1999; 2011; BATISTA,
2011; CANTON, 2018).
Todas estas acusações não passam despercebidas pela população Kaimbé,
sobretudo, porquanto padeçam, igualmente, das acusações supracitadas, velada ou
abertamente (REESINK, 1983; 1984; 2017; REESINK, MCCALLUM; RESTREPO, 2017).
Vivendo no Sertão do Massacará município de Euclides da Cunha Bahia os Kaimbé
convivem com conflitos e desconfianças sobre o seu estatuto de indianeidade3 , que
1 Sociedade do entorno expressão cunhada pelos antropólogos brasileiros ao se referirem aos agrupamentos
urbanos e rurais que circundam as aldeias ou os territórios indígenas (LINDOSO, 2008).
2 Para este estudo, sob a orientação de Canton (2018), optou-se pelo uso do vocábulo )ndígena qualificativo
no lugar de Índio denotador de naturalidade étnica
3 Por indianeidade entende-se a assunção de uma cosmovisão legitimamente indígena, tradutora da sua
identidade étnica, do seu pertencimento e da sua territorialização. O termo, assim, ganha similaridade, por
exemplo com o termo negritude que denota no Brasil a identidade cultural comum aos descendentes dos
povos colonizadores de matriz africana (GONÇALVES, 2015).

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