Territórios quilombolas e mineração: reflexões críticas sobre o direito à consulta e ao consentimento prévio das comunidades quilombolas nos processos de licenciamento ambiental / Maroons' territories and mining: critical reflections on the right to consultation and prior consent of maroons communities in environmental licensing processes

AutorMatheus de Mendonça Gonçalves Leite
CargoDoutor em Teoria do Direito (2014) pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor Adjunto IV da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Coordenador de Extensão do Curso de Direito da PUC-Minas, unidade Betim. Coordenador do Projeto de Extensão 'A luta por reconhecimento dos direitos fundamentais das comunidades...
Páginas2106-2142
Revista de Direito da Cidade vol. 10, nº 4. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2018.30093
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Revista de Direito da Cidade, vol. 10, nº 4. ISSN 2317-7721 pp. 2106-2142 2106
A
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Este artigo expõe o resultado das pesquisas realizadas pelo Projeto de Extensão “A luta pelo
reconhecimento dos direitos fundamentais das comunidades remanescentes de quilombo”, na
prestação de assistência jurídica às comunidades quilombolas existentes no município do Serro,
para a defesa de seus direitos étnicos e territoriais, no procedimento administrativo de
declaração de conformidade do empreendimento minerário denominado “Projeto Serro” às leis
de uso e ocupação do solo. No curso do procedimento administrativo, constatou-se que a área
de influência direta do empreendimento minerário se sobrepõe ao território da comunidade
quilombola de Queimadas. Realizou-se pesquisa com a finalidade de construir um discurso que
justifique a indispensabilidade da realização da consulta livre, prévia e informada e da obtenção
do consentimento dos órgãos representativos da comunidade quilombola, como condição de
validade da decisão estatal de autorização de empreendimentos minerários em territórios
quilombolas. Utilizou-se a metodologia da pesquisa-ação, por meio da qual o discurso jurídico
foi construído em conjunto com as lideranças quilombolas e apresentado ao Conselho de
Desenvolvimento do Meio Ambiente do Município do Serro, que declarou a desconformidade
do empreendimento minerário até a realização de consulta livre, prévia e informada à
comunidade quilombola de Queimadas, com obtenção de consentimento dos órgãos
representativos da comunidade.
1 Doutor em Teoria do Direito (2014) pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor
Adjunto IV da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Coordenador de Extensão do Curso de
Direito da PUC-Minas, unidade Betim. Coordenador do Projeto de Extensão "A luta por reconhecimento
dos direitos fundamentais das comunidades remanescentes de quilombo". Idealizador e Colaborador do
Projeto de Extensão "A inserção dos agricultores familiares e camponeses do Estado de Minas Gerais na
rede de proteção social do Regime Geral de Previdência Social. E-mail: matheusleite@pucminas.br
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-: Comunidades quilombolas; Direitos étnicos e territoriais; Direito à consulta;
Direito ao consentimento; Empreendimentos minerários.
This article presents the results of the research-action promoted by the expansion project
entitled “The fight for the recognition of the maroons remaining community’s fundamental
rights”, in the provision of legal assistance to the maroons communities existing in the Serro
municipality, for the defense of their ethnic and territorial rights, in the administrative
procedure of declaration of compliance of the mining enterprise denominated “Project Serro”
to the laws of use and occupation of the ground. During the administrative procedure, it was
verified that the area of direct influence of the mining enterprise overlaps with the territory of
the maroon community of Queimadas. The research was promoted with the purpose of
constructing a speech that justifies the indispensability of carrying out the free, prior and
informed consultation and obtaining of the consent of the representative institutions of the
maroon community as a condition for the validity of the State decision to authorize mining
projects in maroons’ territories. The methodology used was the action-research, whereby the
legal discourse was constructed in conjunction with the maroons’ leaderships and presented to
the Council for the Development of the Environment of the Municipality of Serro, which
declared the mining project to be non-conforming until the free, prior and informed
consultation to the maroon community of Queimadas, with obtaining consent from the
representative bodies of the community.
: Maroons communities; Ethnic and territorial rights; Consultation Right; Consent
Right; Mining enterprises.
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DOI: 10.12957/rdc.2018.30093
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O Projeto de Extensão “A luta pelo reconhecimento dos direitos fundamentais das
comunidades remanescentes de quilombo”, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
(PUC-Minas), presta, desde o ano de 2009, assistência jurídica às comunidades quilombolas
existentes no Estado de Minas Gerais, na luta pelo reconhecimento e respeito aos seus direitos
étnicos e territoriais.
No ano de 2015, o projeto de extensão prestou assistência jurídica à comunidade
quilombola de Queimadas2, localizada no município do Serro3, Estado de Minas Gerais, em
2 A comunidade quilombola de Queimadas está localizada na divisa dos municípios de Serro e Santo
Antônio do Itambé, ficando a uma distância de, aproximadamente, 5 km da sede do município do Serro. A
comunidade de Queimadas subdivide em cinco regiões: Cabeceira de Mumbuca, Córrego Cavalcante,
Arraial de São José das Maravilhas e Córrego do Criminoso. Atualmente, a comunidade é composta por,
aproximadamente, 54 famílias e 245 pessoas. A maioria dos moradores de Queimadas se dedica à
exploração de atividade agropecuária, em regime de economia familiar, adotando uma forma de vida
tipicamente camponesa. Esta comunidade foi reconhecida como remanescente de quilombo, por meio
por meio da Portaria n.º 177, de 31 de agosto de 2012, emitida pela Fundação Cultural Palmares e
publicada no Diário Oficial da União em 3 de setembro de 2012.
3 O Município do Serro está localizado na região do Alto Jequitinhonha do Estado de Minas Gerais e
possui uma população estimada em 21.435 pessoas, de acordo com os dados disponibilizados pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2017, disponível em http://cod.ibge.gov.br/2VVP1). A
região foi colonizada no início do século XVIII, por bandeirantes (paulistas), na busca por ouro e pedras
preciosas. O senador Joaquim Felício dos Santos constrói uma narrativa sobre o processo de colonização,
que, por óbvio, retrata a visão dos colonizadores. Afirma o autor (1868, p. 7) que: “a fama das riquezas
auríferas do Serro Frio, descobertas nos ultimas annos do seculo XVII, attrahia grande numero de
aventureiros de todos os pontos da capitania de Minas e de outros lugares, que corrião em busca do
ouro. Vinhão em corpos separados, ou companhias armadas que se chamavão bandeiras. Pretende-se
que o nome que derão á vasta extensão de terreno, que depois constituio uma das mais importantes
comarcas da capitania, é a traducção da palavra Ivituruy, que na língua indigena quer dizer montanhas
frias, em razão do aspecto montanhoso do paiz e da frialdade do clima. Logo se fundou um pequeno
arraial debaixo da invocação de Nossa Senhora da Conceição do Serro Frio, que depois se elevou a villa do
Principe, e é hoje a cidade do Serro”. A organização das atividades econômicas de mineração de ouro e
diamante, cujo auge ocorreu em meados do século XVIII, foi baseada no modo de produção escravista. A
mão-de-obra escrava era realizada, primordialmente, por negros escravizados trazidos da África para as
Américas. Nesse contexto, um grande contingente de negros escravizados foi trazido para a região do
Serro, para trabalharem nos leitos dos rios na extração de ouro e diamante. Os negros escravizados
reproduziram seus modos de ser, nas artes, no trabalho, na culinária, na música, na língua, dentre outras
manifestações culturais, adaptando-as à realidade encontrada nas Américas, por meio da constituição de
inúmeras comunidades negras e quilombolas que existem ao longo de vastas regiões do município do
Serro. Nesse sentido, o Relatório Antropológico de Caracterização Histórica, Econômica, Ambiental e
Sociocultural da Comunidade Quilombola do Baú Serro MG (2015, p. 70), elaborada por equipe
interdisciplinar de professores e alunos da PUC-Minas, com o objetivo de identificar o território da
comunidade quilombola do Baú, descreve a presença africada na região do Serro, nos seguintes termos:
“[...] Os escravos, no documento já citado de 1738, eram, tanto em Milho Verde, como na Comarca do
Serro, em sua esmagadora maioria (94%) nascidos na África, como pode ser visto na tabela a seguir,
configurando-se como resultado do tráfico transcontinental de cativos, acima discutido. Esse contingente
humano provinha, do ponto de vista cultural e lingüístico, de dois grandes grupos: os sudaneses, oriundos

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