A tese da posição preferencial da liberdade de expressão frent aos direitos da personalidade: análise crítica à luz da legalidade constitucional

AutorFelipe Ramos Ribas Soares e Rafael Mansur
Páginas29-53
A TESE DA POSIÇÃO PREFERENCIAL
DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO FRENTE
AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE:
ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DA
LEGALIDADE CONSTITUCIONAL
Felipe Ramos Ribas Soares
Doutorando e Mestre em Direito Civil pela UERJ. Professor Substituto de Direito Civil
da UFRJ. Advogado.
Rafael Mansur
Mestre em Direito Civil pela UERJ. Pós-graduado pela EMERJ. Advogado.
1. INTRODUÇÃO: DIREITOS DA PERSONALIDADE VERSUS LIBERDADE DE
EXPRESSÃO
Em 2016, o então governador da Paraíba viu-se diante de notícias espalhadas
por sua ex-esposa em redes sociais sobre seu suposto envolvimento no assassinato de
um jovem que havia prometido levar ao público informações sobre esquemas ilícitos
que envolveriam o político. Após a justiça estadual conceder tutela provisória para
determinar a retirada do conteúdo do ar, o Ministro Luís Roberto Barroso suspendeu
a liminar, af‌irmando que a “liberdade de expressão desfruta de uma posição prefe-
rencial no Estado democrático brasileiro, por ser uma pré-condição para o exercício
esclarecido dos demais direitos e liberdades”, aduzindo, ainda, que “eventual uso
abusivo da liberdade de expressão deve ser reparado, preferencialmente, por meio de
retif‌icação, direito de resposta ou indenização. Ao determinar a retirada de matéria de
sítio eletrônico de meio de comunicação, a decisão reclamada violou essa orientação.”1
Este é apenas um dos numerosos casos que poderiam ser lembrados como
exemplo de colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade. Tais
colisões não são particularidades do direito brasileiro e possuem, em cada experiên-
cia, diferentes respostas dadas pelos ordenamentos jurídicos,2 a revelar, de antemão,
grande dif‌iculdade de se alcançar algum consenso nesta matéria.
1. STF, Rcl 24.760 MC, rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. 26.10.2016. A cautelar foi posteriormente conf‌irmada
por decisão proferida em 26.4.2018.
2. “O modo de enfrentamento e de solução acerca do problema central do presente texto, qual seja a solução
de colisões (conf‌litos) entre a liberdade de expressão e outros direitos fundamentais e/ou bens constitu-
cionalmente protegidos é de fato bastante diversif‌icada, o que também diz com a posição, função e alcance
outorgada à liberdade de expressão em cada ordem jurídico-constitucional, seja por força do direito consti-
tucional positivado nos textos constitucionais, seja pela obra do legislador infraconstitucional, mas também
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A colisão entre direitos fundamentais envolve, de um lado, a chamada liberdade
de expressão, noção que se exprime por meio de diversas nomenclaturas, adotando-se
no presente artigo uma noção ampla, de modo a contemplar o direito fundamental
de todo cidadão a “manifestar livremente o próprio pensamento, ideias e opiniões
através da palavra, escrito, imagem ou qualquer outro meio de difusão, bem como
no direito de comunicar ou receber informação verdadeira, sem impedimentos
nem discriminações.”3 Desse modo, a liberdade de expressão funciona como uma
espécie de “direito mãe”,4 abarcando também as ideias de liberdade de informação5
e liberdade de imprensa.6 Este grupo de direitos é por vezes referido também pela
expressão “liberdades comunicativas”.7
e especialmente pela jurisprudência e, em especial, pelos Tribunais que exercem a guarda da constituição.”
(SARLET, Ingo; ROBL FILHO, Ilton. Estado Democrático de Direito e os Limites da Liberdade de Expressão na
Constituição Federal de 1988, Com Destaque para o Problema da sua Colisão com Outros Direitos Fundamen-
tais, em Especial, com os Direitos de Personalidade. In: Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da
Academia Brasileira de Direito Constitucional. vol. 8, n. 14, Curitiba, 2016, pp. 117-118).
3. FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos: Honra, Intimidade, Vida Privada e Imagem versus s Liberdade
de Expressão e Informação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1996, p. 131.
4. SARLET; ROBL FILHO, cit., p. 118, na esteira da lição de Jónatas Machado.
5. “A liberdade de informação, por sua vez, engloba, a um só tempo, o direito individual de comunicar fatos
de forma objetiva (direito de informar), quanto o direito subjetivo de receber informações verdadeiras. Os
indivíduos têm não só a liberdade como o direito de ser informados a respeitos dos fatos da vida, para que
possam deliberar no espaço público.” (KOATZ, Rafael Lorenzo-Fernandez. As Liberdades de Expressão e
Imprensa na Jurisprudência do STF. In: SARMENTO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang (coords.). Direitos
Fundamentais no Supremo Tribunal Federal: Balanço e Crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 398).
Luís Roberto Barroso reconhece que a doutrina brasileira comumente distingue liberdade de informação
e de expressão, mas destaca que a liberdade de informação se insere num conceito amplo da liberdade de
expressão: “A doutrina brasileira distingue as liberdades de informação e de expressão, registrando que a
primeira diz respeito ao direito fundamental de comunicar livremente fatos e ao direito difuso de ser deles
informado; a liberdade de expressão, por seu turno, destina-se a tutelar o direito de externar ideias, opini-
ões, juízos de valor, em suma, qualquer manifestação do pensamento humano. (…) É fora de dúvida que a
liberdade de informação se insere na liberdade de expressão em sentido amplo” (Colisão Entre Liberdade de
Expressão e Direitos da Personalidade. Critérios de Ponderação. Interpretação Constitucionalmente Adequada
do Código Civil e da Lei de Imprensa. In: Revista de Direito Administrativo, vol. 235, Rio de Janeiro, 2004, p.
19).
6. “Por sua vez, a liberdade de imprensa consiste numa das formas de exteriorização das liberdades de expressão
e de informação conferidas aos meios de comunicação em geral, abrangendo tanto a liberdade de informa-
ção (fatos) quanto a liberdade de expressão em sentido estrito (ideias, pensamentos, etc.)” (CHEQUER,
Cláudio. A liberdade de expressão como direito fundamental preferencial prima facie (análise crítica e proposta
de revisão ao padrão jurisprudencial brasileiro). 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, pp. 16-17).
7. Esta abordagem, em que pese amplamente majoritária, foi objeto de pertinente crítica de SCHREIBER,
Anderson, Manual de Direito Civil Contemporâneo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, pp. 147-148: “A liberda-
de de informação – indevidamente chamada de ‘liberdade de imprensa’, pois não se trata de uma prerrogativa
exclusiva de jornalistas ou entidades jornalísticas – caracteriza-se como direito de receber, acessar ou difundir
informações. A liberdade de informação consiste em um direito fundamental na ordem jurídica brasileira.
Sua importância, reconhecida pelo Constituinte, não diz respeito apenas ao campo das liberdades indivi-
duais, mas também ao interesse da sociedade como um todo. A liberdade de informação é indispensável,
por exemplo, para a preservação da democracia. Isso não signif‌ica dizer que a liberdade de informação seja
uma liberdade absoluta ou ilimitada. A liberdade de informação subordina-se, em primeiro
lugar, a um controle de legitimidade do seu exercício, fundado na veracidade da informação. Quem produz
uma notícia falsa não exerce legitimamente a liberdade de informação. Incorre, ao contrário, em abuso do
direito, que, como tal, não merece proteção. Essa é uma das razões pelas quais considero tecnicamente imprecisa
a reunião da liberdade de expressão e da liberdade de informação sob o rótulo das ‘liberdades comunicativas’. A

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