Testes genéticos no âmbito laboral

AutorRoberto Camilo Leles Viana
Ocupação do AutorAdvogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Viçosa. Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Gama Filho
Páginas25-36

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3.1. Testes genéticos no âmbito laboral

No âmbito do contrato de trabalho, os testes genéticos podem ocorrer de duas maneiras distintas: monitorização genética (genetic monitoring) e seleção genética (genetic screening)69.

A monitorização genética ou verificação genética" refere se aos exames pe riódicos com o objetivo de verificar se o material genético do trabalhador sofreu alguma alteração ao longo do tempo devido à exposição a substâncias perigosas no local de trabalho. Tem como finalidade evitar ou reduzir o risco de doenças causadas por mutações genéticas relacionadas com o ambiente laboral70.

Já a seleção genética diz respeito à análise de forma ampla das característi cas hereditárias dos trabalhadores ou candidatos a emprego, não se restringe a verificar as modificações ocasionadas pelo ambiente de trabalho, pelo contrário, examina toda a estrutura genética da pessoa na busca de qualquer sinal que pos sa sinalizar propensão à manifestação de uma afecção. A seleção pode ser usada

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com dois propósitos distintos: primeiro, detectar a presença de traços genéticos que rendem ao indivíduo predisposição a uma doença quando exposto a determi nado fator presente no local de trabalho segundo, revelar condições hereditárias que não estão associadas à exposição no ambiente laboral, mas que podem vir a influenciar na execução da prestação de trabalho. Isto é, pode dar se a seleção genética tanto para a verificação de predisposições associadas ao ambiente laboral quanto para a investigação de características hereditárias não associadas à atmos à atmosfera de trabalho.

Deste modo, se reconhecem três tipos de análises genéticas dos trabalhadores ou candidatos a emprego: primeira, a investigação das causas de enfermida des produzidas em qualquer trabalhador por uma substância concreta que está presente no ambiente laboral segunda, os testes para identificar uma possível predisposição genética que pode determinar uma hipersensibilidade à exposição a substâncias específicas que estão presentes no ambiente laboral terceira, os tes tes de detecção para identificar a predisposição genética para uma patologia que pode surgir no futuro71.

3.1.1. Monitorização genética dos trabalhadores

A monitorização genética é a avaliação periódica de um ou mais trabalha dores com intuito de verificar se o material genético foi alterado no decorrer da atividade laboral devido à exposição a agentes genotóxicos72 ou a outros fatores no local de trabalho, e fornecer, assim, um aviso antecipado de possíveis danos à saúde73. As vantagens de um programa de monitorização incluem: identificar risco de exposição a substâncias potencialmente perigosas para um ou vários indi víduos, delimitar áreas para avaliação de práticas de segurança e saúde no local de trabalho e detectar previamente perigos desconhecidos.

No entanto, a monitorização apresenta certas limitações, nomeadamente quan to à irrelevância do procedimento, quando os danos causados pela exposição não sejam genéticos. Além disso, agentes externos, não relacionados à exposição no local de trabalho, podem afetar os resultados, tornando os testes inconclusivos74.

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Neste caso, a monitorização genética detecta nos trabalhadores alterações que surgiram a partir de exposições fora do ambiente laboral, ou seja, não ocu pacionais. Hábitos pessoais, idade e decisões de estilo de vida, como o uso do tabaco, podem induzir alterações no material genético do indivíduo e influenciar no momento da realização dos exames. Assim, um programa de monitorização necessita do estudo detalhado de vários aspectos para a correta avaliação da saú de ocupacional.

O uso da monitorização genética é defendido como uma forma de fornecer aos indivíduos expostos um acompanhamento médico mais completo. Todavia, surge a preocupação de que a ação resultante incida apenas sobre o trabalhador, ao invés de priorizar a minimização ou eliminação dos fatores responsáveis por tornar o ambiente perigoso à saúde. A hierarquia dos controles de um programa de segurança e saúde no local de trabalho exige ênfase na mudança da atmosfera de trabalho para o controle das exposições ocupacionais.

A prevenção primária deve focar na eliminação da exposição, ou, caso isso não seja possível, na sua minimização, seja por meio dos controles de engenharia, do treinamento de pessoal, de controle administrativo ou de equipamentos de proteção coletiva ou individual. Já a prevenção secundária deve visar a redução dos efeitos biológicos da exposição por meio do acompanhamento médico do indi víduo, na tentativa de detectar o problema cedo o suficiente para fazer a diferença no desenvolvimento da doença, e pode ser justificada nos casos em que existem exposições não identificadas ou que não podem ser adequadamente controladas. Por sua vez, a prevenção terciária deve buscar a correção dos efeitos da doença por meio de medidas de remoção médica ou recolocação no emprego. Tratam se dos casos nos quais se faz necessária a transferência do trabalhador para outro local de trabalho onde a exposição é menor ou ausente75.

Luís Archer salienta que, no caso de a monitorização genética apresentar resultado positivo generalizado, mostrando efeitos nocivos do ambiente sobre a saúde dos trabalhadores, o empregador tem a obrigação ética de melhorar as condições de saúde e segurança no trabalho. Destaca, ainda, que se apenas uma fração dos trabalhadores foi afetada pela exposição, é necessário proceder se a uma análise genética mais detalhada, para determinar se se trata de uma predis posição genética específica de certos indivíduos76.

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A monitorização genética pode ser vislumbrada como a concretização de medidas de medicina do trabalho ou meios de acompanhamento do estado de saúde dos trabalhadores e das condições de trabalho77. Isto é, um reforço aos tradicionais métodos de prevenção e controle de doenças profissionais, contribuin do para o progresso científico no campo da eliminação das doenças ocupacionais. Pois conhecer a informação genética dos trabalhadores pode tornar mais fácil a construção de um ambiente de trabalho que não agrida a saúde e não acarrete doenças àqueles que nele laboram. A análise interessa, então, à saúde do trabalha dor, ao dever do empregador de proporcionar segurança no trabalho e ao dever da sociedade de promover o bem estar dos cidadãos.

Assim, em circunstâncias ideais, a monitorização genética pode favorecer tra balhadores, empregadores e sociedade, por meio da melhoria da saúde da força de trabalho. Os trabalhadores ganham máxima informação sobre os riscos de mu tação genética e são atendidos com medidas de proteção ou, em último caso, com alteração dos postos de trabalho quando os resultados dos testes indiquem que tal ação é necessária. Os empregadores se beneficiam com a redução dos custos com doenças profissionais e com o aumento da produtividade. E a sociedade, por sua vez, garante a melhoria da qualidade de vida e saúde das pessoas.

No entanto, não há garantias de que tal análise será realmente empregada para reduzir a doença ocupacional ou que se realizará de forma ética. Para prote ger de modo eficaz os interesses de todas as partes são necessários dois fatores: primeiro, um mecanismo para decidir quando é apropriada a utilização da monito rização genética no local de trabalho segundo, a definição das diretrizes de como os resultados obtidos devem ser aplicados.

É preciso garantir a privacidade e a confidencialidade dos dados, defender a igualdade de oportunidades no emprego e proibir qualquer forma de estigmatização ou discriminação dos trabalhadores. Faz se indispensável que certos critérios sejam estabelecidos para minimizar os possíveis efeitos deletérios da aplicação da análise genética no âmbito do contrato de trabalho e maximizar os benefícios para todas as partes.

Primeiro, os empregadores deverão sempre demonstrar a necessidade do programa de monitorização genética e comprovar o perigo de exposição ao am biente laboral. A entidade patronal deve ser capaz de provar uma alta prevalência de doença genética entre a força de trabalho e o aumento do risco de morbidade devido à existência de fatores de risco no local de trabalho78.

Segundo, os propósitos da realização da monitorização genética no local de trabalho devem ser alcançáveis e claramente articulados antes da implementação.

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Nos objetivos do programa devem figurar a proteção da saúde do empregado e a redução dos encargos de doença profissional para trabalhadores, empregadores e sociedade. A capacidade da análise genética para satisfazer a esses fins deve ser determinada antes da implementação do programa e tudo isso deve ser comuni cado aos trabalhadores, de modo a evitar mal entendidos e elevadas expectativas com algo que pode não vir a ser concebido ou viável. Acrescenta se que apenas testes cientificamente validados devem ser utilizados. Os exames escolhidos de vem estar sujeitos ao mínimo possível de erros de interpretação e fornecer o maior número de informações clinicamente relevantes para a proteção da saú de do empregado79.

Terceiro, a participação dos trabalhadores, de maneira individual ou geral, deve ser voluntária. Por razões éticas, bem como para fins de eficácia, o máximo envolvimento da força de trabalho na concepção e implementação do programa de monitorização genética no local de trabalho é desejável. A participação volun tária requer que os trabalhadores que optem por não se submeterem aos exames não comprometam as suas oportunidades no emprego. Se possível, medidas al ternativas de proteção devem ser fornecidas aos trabalhadores que não desejam participar do programa. Além disso, os trabalhadores devem ter a liberdade de in terromper, a qualquer momento, a participação nos testes. Trata se de reconhecer a autonomia dos trabalhadores e de lhes...

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