O texto como medida de contenção: ctn e os cânones da interpretação. O porquê da estagnação no passado e a sacralidade das normas tributárias 91

AutorFernanda Mara de Oliveira Macedo Carneiro Pacobahyba
Páginas113-176
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CAPÍTULO 5
O TEXTO COMO MEDIDA DE CONTENÇÃO: CTN E
OS CÂNONES DA INTERPRETAÇÃO. O PORQUÊ DA
ESTAGNAÇÃO NO PASSADO E A SACRALIDADE DAS
NORMAS TRIBUTÁRIAS
Um dos caracteres que mais chamam a atenção ao se
deparar o intérprete com os dispositivos normativos do CTN
repousa, especificamente, na maneira hiperbólica como foi
tratada a interpretação da legislação tributária. Isso porque,
no Livro Segundo (“Normas gerais de Direito Tributário”),
Título I (Legislação tributária), Capítulo I (Disposições Ge-
rais), Seção III (Normas complementares), os Capítulos III e
IV referem-se, respectivamente, à aplicação da legislação tri-
butária e à interpretação e integração da legislação tributária.
O caractere de “exagerado” ora atribuído faz-se por com-
paração: ao se percorrer os textos dos demais códigos vigentes
no Brasil, não se identifica, em qualquer deles, a criação de
capítulos específicos para tratar dessa matéria, a qual repre-
senta um movimento de “trilhar previamente” o(s) caminho(s)
pelo(s) qual(is) deve passar o intérprete. Dentre os diplomas
vigentes no Brasil, pode-se dizer que o que mais se aproxima
do modelo tributário seria o Código de Processo Penal Mili-
apesar de não criar capítulos específicos, elenca disposições
cujo título já aponta para regras de interpretação113:
Interpretação literal
Art. 2º A lei de processo penal militar deve ser interpretada no
sentido literal de suas expressões. Os têrmos técnicos hão de ser
113. Não se pode interpretar o vocábulo “regras” aqui utilizado no sentido de possibilidade de
ofertar escolhas. Isso porque, a literalidade, no CPPM, é fatal, o que se coaduna com um diplo-
ma de um período de exceção neste País e, mais ainda, regente de um processo com níveis de
especificidade extremos, como é o caso do processo penal militar.
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FERNANDA MARA DE OLIVEIRA MACEDO CARNEIRO PACOBAHYBA
entendidos em sua acepção especial, salvo se evidentemente em-
pregados com outra significação.
Interpretação extensiva ou restritiva
§ 1º Admitir-se-á a interpretação extensiva ou a interpretação
restritiva, quando fôr manifesto, no primeiro caso, que a
expressão da lei é mais estrita e, no segundo, que é mais ampla,
do que sua intenção.
Casos de inadmissibilidade de interpretação não literal
§ 2º Não é, porém, admissível qualquer dessas interpretações,
quando:
a) cercear a defesa pessoal do acusado;
b) prejudicar ou alterar o curso normal do processo, ou lhe desvir-
tuar a natureza;
c) desfigurar de plano os fundamentos da acusação que deram ori-
gem ao processo.
Suprimento dos casos omissos
Art. 3º Os casos omissos neste Código serão supridos:
a) pela legislação de processo penal comum, quando aplicável ao
caso concreto e sem prejuízo da índole do processo penal militar;
b) pela jurisprudência;
c) pelos usos e costumes militares;
d) pelos princípios gerais de Direito;
e) pela analogia.
Aqui no CPPM, diferentemente do CTN, que privilegia
alguns casos em que será empregada a interpretação literal,
aquele código determina que toda a lei de processo penal militar
deve ser interpretada literalmente. Quanto aos demais códigos
vigentes no Brasil114, vê-se a utilização do signo “interpretação”
114. Em consulta ao texto dos Códigos vigentes no Brasil, disponíveis no Portal da Legislação,
no Planalto, com exceção do CTN e do CPPM, chega-se ao seguinte resultado quanto à utiliza-
ção da palavra “interpretação” com o sentido de orientação do processo hermenêutico:
1) Código Civil (Lei 10.406, de 2002): arts. 113, 114, 423, 819, 843 e 1899. Em nenhum deles há
qualquer apontamento para o emprego de métodos específicos;
2) Código de Processo Civil (Lei 13.105, de 2015): arts. 1º, 322 e 489. Vale ressaltar que, no to-
cante ao art. 1º, este inaugura dispositivo absolutamente harmonizado com o patamar reco-
nhecido à CF/88, ao assim dispor: “Art. 1o O processo civil será ordenado, disciplinado e inter-
pretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na
Constituição da
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CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO,
ENTRE O PASSADO E O FUTURO
em situações esparsas e especialmente conectadas a aponta-
mentos específicos, nos quais resta a necessidade de se indicar
o modo como devem ser interpretados os institutos.
Esse movimento de conter a interpretação da legislação
tributária, que aqui se defende como um verdadeiro movi-
mento de sacralização das normas postas, parece se afinar
com uma dupla dinâmica que ainda se percebe na interpre-
tação das normas tributárias. Sob o viés de interpretar, nem
o Estado nem os contribuintes poderiam ampliar ou reduzir
a base imponível, o que enseja movimentos igualmente inten-
sos mas de sentidos diversos, cobrando tributos além do de-
vido ou deixando de recolher aqueles que sejam devidos. Não
se pode pretender com isso afirmar que, pragmaticamente,
há segurança jurídica nas relações tributárias na atualidade.
Aqui fica evidente a utilização de técnicas de interpre-
tação que são próprias ainda da Escola da Exegese, as quais
permitem “[...] práticas contemporâneas de interpretação
restritiva, como acontece especialmente no campo do direito
tributário e do direito penal.” (SIMIONI, 2014, p. 42). Não se
esquecendo de que esse “passado que ainda se faz presente”,
que muito traz daquela escola, “[...] não é apenas inconve-
niente para uma pretensão de compreensão mais sofisticada
e abrangente do direito, mas sobretudo impossível de ser rea-
lizada.” (SIMIONI, 2014, p. 42).
Associado a isso, que representa a expressão do cam-
po legislativo, some-se uma doutrina que, no plano desse
República Federativa do Brasil
, observando-se as disposições deste Código” (destacado);
3) Código Penal (Lei 2.848, de 1940): não há qualquer dispositivo;
dispositivo;
8) Código Eleitoral (Lei 4.737, de 1965): não há qualquer dispositivo;
9) Código Florestal (Lei 12.651, de 2012): não há qualquer dispositivo;
10) Código das Águas (Decreto 24.643, de 1934): não há qualquer dispositivo;
11) Código de Minas (Decreto-lei 227, de 1967): não há qualquer dispositivo;
12) Código Penal Militar (Decreto-Lei 1.001, de 1969): não há qualquer dispositivo;
13) Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565, de 1986): não há qualquer dispositivo;
14) Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117, de 1962): art. 4º;

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