The genesis of harassment: a historical-social analysis/A genese do assedio: uma analise historico-social.

AutorSouza, Terezinha Martins dos Santos
CargoDossie Trabalho, Saude e Ambiente

Introducao

As ciencias sociais e humanas, que tratam do tema assedio moral no trabalho, tem abordado essa categoria de modo empirico, assim como, segundo Laurell apud Garcia (1989), a medicina tratou a relacao entre trabalho e saude, nao permitindo uma analise da essencia da relacao trabalhosaude, nem a identificacao do que determina o aparecimento do fenomeno, seu desenvolvimento, as mudancas ou o desaparecimento de conceitos a ele relacionados (GARCIA, 1989),

Individuos determinados, que como produtores atuam de um modo tambem determinado, estabelecem entre si relacoes sociais e politicas determinadas. E preciso que, em cada caso particular, a observacao empirica coloque necessariamente em relevo--empiricamente e sem qualquer especulacao ou mistificacao--a conexao entre a estrutura social e politica e a producao" (MARX, 1986, p. 35).

A analise do assedio moral no trabalho como se fora sempre existente tem como pressuposto a ideia de que a violencia que emerge neste fenomeno e parte imanente dos seres humanos, apenas se manifestando diferentemente em cada epoca historica. Neste artigo utilizamos o pressuposto de que os sentimentos sao "aprendidos", internalizados no decorrer da historia (LANE).

Combatem-se as teorias psicologicas que propugnam um sujeito a-historico, com uma estrutura interna fixa, em que a historia apenas atualiza o modo de apresentar-se, mas cujas caracteristicas nela nao sao construidas. Opomo-nos tanto as teorias construtivistas, que propugnam um sujeito completamente construido, como as teorias essencialistas, que defendem uma essencia humana atualizando-se na historia--com pequenas variacoes entre si. Propugna-se que o desenvolvimento do ser social--o processo da historia (NETTO, 2006) se apresenta como o processo de humanizacao dos seres humanos, no qual as determinacoes naturais sofrem um recuo, que cada vez mais distanciam estes seres humanos da natureza, sem, no entanto, suprimir esta relacao. O desenvolvimento historico se realiza enquanto desenvolvimento do ser social, processo de producao da humanidade por meio de sua autoatividade: o trabalho. (NETTO, 2006).

E na historia do desenvolvimento do ser social que foi se constituindo de diferentes formas conforme a epoca historica o exigiu e possibilitou, que se buscam a genese e a necessidade historica do surgimento do assedio moral no trabalho.

Afirmar a eternidade dos fenomenos foi, e e sempre sera uma estrategia utilizada frequentemente pelo pensamento conservador. Disfarcar o movimento e esconder o processo da mudanca, a inexorabilidade da historia sao movimentos necessarios para o pensamento que tenta manter e eternizar as sociedades de classe. O pensamento que se pretende pro gressista busca na historia as permanencias e as mudancas, tentando apreender em cada processo quais os elementos que auxiliam na manutencao ou na transformacao do status quo. Analisemos sucintamente entao como se da na historia o surgimento das diversas formas de organizar a producao e como nelas se apresentam o trabalho humano e as relacoes sociais entre as classes, especialmente entre os dominados e os dominadores.

Formas de trabalho anteriores ao capitalismo

A primeira forma de sociedade de classes foi o escravismo, que emerge com o surgimento do excedente economico--ou seja, a comunidade produz mais do que o necessario para o proprio consumo. No escravismo o trabalho era realizado com os senhores exercendo a coercao aberta, sendo que o excedente que o produtor direto (escravo (1)) produzia lhe era retirado mediante o uso da violencia, real e potencial (NETTO, 2006). O escravo era propriedade de outro ser humano, geralmente um homem; sua vontade esta subordinada a autoridade de seu dono e seu trabalho e obtido mediante coacao (CARDOSO, 1984). Os seres humanos aprisionados nas guerras travadas nas comunidades primitivas eram mortos ou devorados, porque nao havia como explora-los (NETTO, 2006). As relacoes sociais mudam radicalmente com o surgimento do excedente economico, pois passa a valer a pena escravizar e explorar seres humanos, uma vez que estes podem tornar-se instrumentos de produzir excedentes. Em suma, nao ha escravidao se nao houver propriedade privada da terra; se nao houver desenvolvimento suficiente (que produza excedentes) para a producao mercantil e de mercados; bem como a inexistencia de um suprimento interno adequado de forca de trabalho dependente, levando a necessidade de ir buscar fora (CARDOSO, 1984, p. 40).

A forca e a violencia sao abertamente empregadas para organizar uma piramide social composta de uma minoria de proprietarios de terras e de escravos e uma massa de seres humanos que nao dispoem sequer da propria vida, sendo que entre estes polos opostos circulam os artesaos livres e os camponeses. Na sociedade escravista o antagonismo entre escravos e seus proprietarios era a tonica dominante, mas entre os poucos segmentos livres (como artesaos e camponeses) existia tambem subgrupos que executavam as funcoes administrativas e burocraticas ou repressoras. No modo de producao escravista, o trabalho era realizado por meio da coercao aberta e a violencia, tanto real como potencial, era utilizada para extrair o excedente produzido pelo seu produtor direto, o escravo. Aqui nao ha necessidade historica de escamotear-se o uso da violencia, de esconde-la ou disfarca-la, porque ela era exercida e aceita, como legal e legitima.

A crise do Imperio Romano poe fim a era do escravismo, que, apos um periodo de transicao, foi substituida pelo modo de producao feudal. Se no periodo do escravismo vigia a centralizacao imperial, no feudalismo passar a vigorar a atomizacao dos feudos, unidades economico-sociais desse modo de producao. A economia era fundada no trato da terra e o feudo pertencia a um nobre, que era o senhor e sujeitava os produtores diretos (servos). Havia uma enorme distincao entre a condicao servil dos camponeses e dos escravos: aqueles dispunham de instrumentos de trabalhos e retiravam seu sustento das glebas e terras comunais em que produziam. A relacao entre o servo e o senhor feudal implicava uma serie de compromissos mutuos: o senhor protegia a vida do servo e este lhe prestava servicos, o que era significativamente diferente da relacao que o escravo mantinha com o seu proprietario. Permanecia igual o monopolio da violencia, real e potencial, que os senhores exerciam no limite dos seus feudos, para se apropriar do excedente produzido pelos seus servos. Estes devotavam odio a seus senhores, pela vida miseravel a que eram obrigados, mas tinham com eles o compromisso de nao se afastar dos feudos, embora rebelioes entre servos tenham sido fartamente documentadas pela historia.

As relacoes sociais de producao gestadas no feudalismo terminam por impulsionar um imenso desenvolvimento do comercio, fomentando a atividade comercial em regioes afastadas, estimulando o surgimento das cidades. No seio dessas relacoes o grupo social dos comerciantes/mercadores comeca a ganhar importancia, movidos por um unico objetivo: o lucro. A forma de riqueza, que ate aqui fora a propriedade da terra, e substituida pela acumulacao de dinheiro, gestando-se ai o surgimento de uma nova classe: a burguesia.

A derrocada do modo de producao feudal e sua substituicao pelo capitalismo tem entre seus elementos constituintes a luta de classes que se estabelece na crise feudal. No seculo XIV a producao que se fundamentava no cultivo e na pecuaria viu-se comprometida, pois as terras ja cultivadas estavam esgotadas e nao havia recursos tecnicos para recupera-las. Alem disso,

A luta entre as classes fundamentais do modo de producao feudal, senhores e servos (proprietarios fundiarios e camponeses), agudizamse dramaticamente a partir de entao, ja que os primeiros, para compensar a reducao do excedente economico de que se apropriavam, trataram de acentuar a exploracao dos produtores diretos (NETTO, 2006, p. 71).

Os servos foram derrotados pela forca, pelo uso da violencia explicita, nao havendo aqui sinais de que o uso da violencia era implicita, escamoteada. Inclusive tambem entre os senhores instalaram-se conflitos que se transformaram em verdadeiro banditismo, com o seculo XVI se tornando palco de confrontos sociais brutais. Entretanto, mesmo derrotados os produtores diretos (servos), essa luta conduziu a importantes alteracoes no regime feudal. Entre essas alteracoes, vale notar que do ponto de vista politico ocorre uma centralizacao de poder, que no surgimento do Estado absolutista encontra sua mais perfeita traducao. Para Netto, que vai ao encontro de analises de Elias (1999), "O Estado absolutista representou a resposta dos senhores a rebeldia dos servos: seu carater de classe mostrou-se obvio--foi um notavel reforco para combater as mobilizacoes camponesas". (NETTO, 2006, p. 72).

E no que se refere ao tema em tela, o assedio moral no trabalho definido como "atos vexatorios e humilhantes ligados a situacao de trabalho", analisemos que relacoes de trabalho vigiam no ano de 1789, para verificar se ha ai sinais de sua existencia ou de sinais de sua necessidade historica. Hobsbawm, ao analisar as relacoes sociais do periodo, afirma:

Do ponto de vista das relacoes de propriedade agraria, podemos dividir a Europa em tres grandes segmentos. [...] O lavrador tipico era o indio que trabalhava a forca ou se encontrava virtualmente escravizado, ou o negro que trabalhava como escravo; um pouco mais raramente, um campones arrendatario, um meeiro ou algo semelhante. (Nas colonias das indias Orientais, onde o cultivo direto por plantadores europeus era mais raro, a forma tipica de compulsao usada pelos controladores da terra era a entrega obrigatoria de cotas de safra, como por exemplo especiarias ou cafe na ilhas holandesas). Em outras palavras, o cultivador tipico nao tinha liberdade ou entao trabalhava sob coercao politica. O proprietario tipico era o dono de uma propriedade enorme, quase feudal (hacienda, finca, estancia), ou de uma plantacao com escravos...

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