The intersections of feminist struggles for women's suffrage and education in the 1920s/ Os entrecruzamentos das lutas feministas pelo voto feminino e por educacao na decada de 1920.

AutorGalvao, Laila Maia

Introducao

O periodo final da Primeira Republica ja demonstrava fortes sinais de esgotamento do modelo juridico-politico que havia sido instalado ate entao. Das mobilizacoes de diversos movimentos durante a decada de 19201, normalmente e destacado, com razao, o papel da luta das feministas pelo direito ao voto. Afinal, a mobilizacao dessas mulheres ao longo de toda a decada de 1920 culminou na garantia desse direito no Codigo Eleitoral de 24 de fevereiro de 1932, data recentemente transformada em dia comemorativo da conquista do voto feminino no Brasil (2).

Assim, por mais que a decada de 1920 seja normalmente retratada como uma fase de passagem do paradigma dos direitos civis e politicos para o paradigma dos direitos sociais, nao e possivel afirmar que as reivindicacoes pelo direito ao voto e por participacao politica nao tenham desempenhado papel fundamental nesse periodo (3).

Por obvio, essa divisao em "geracoes de direitos" ou mesmo em "dimensoes de direitos" se mostra util para uma analise didatica de periodos consideravelmente longos (4), mas e tambem tarefa da historia do direito embacar as linhas que separam esses ciclos e flexibilizar algumas dessas fronteiras que as vezes se mostram por demais rigidas nos esquemas explicativos do direito constitucional.

A reivindicacao pelo voto feminino se deu de forma muito intensa durante toda a decada de 1920, inserindo a discussao dos direitos civis e politicos das mulheres na ordem do dia (5). Por outro lado, essa nao foi a unica ou a principal pauta das feministas. Interligadas a outros movimentos da epoca, as demandas feministas eram amplas, abarcando tambem, por exemplo, questoes referentes a direitos trabalhistas (6).

Nesse rol de reivindicacoes feministas, impossivel nao dar destaque a demanda por educacao. Em um momento em que o debate sobre educacao no pais se alargava consideravelmente, as mulheres ingressavam nessa discussao com afinco, introduzindo pontos significativos referentes a educacao da mulher, desde a alfabetizacao ate o ensino superior.

O intuito da presente pesquisa e justamente demonstrar como as demandas pelo voto feminino e pelo acesso a educacao estavam imbricadas na decada de 1920. Busca-se evidenciar, assim, que a intensificacao da demanda por garantias sociais nao invalidou ou obscureceu as demandas por direitos civis e politicos, mas as requalificaram diante de um novo contexto politico e social.

Para evitar uma generalizacao da "mulher" ou da "feminista" dos anos 1920, a presente pesquisa optou por rastrear a trajetoria de algumas mulheres desse periodo, a fim de identificar de que forma elas articularam as lutas pelo direito ao voto e por educacao. Essa opcao metodologica implica, no entanto, na impossibilidade de se tracar aqui um quadro completo e exaustivo da atuacao das feministas na ultima decada da Primeira Republica.

A investigacao dessas trajetorias particulares esta dividida em duas partes: a primeira dedicada primordialmente a questao do sufragio feminino e a segunda ao engajamento de mulheres na educacao, como estudantes ou docentes. Por fim, sera brevemente analisada a forma pela qual a Federacao Brasileira pelo Progresso Feminino, instituicao feminista de maior repercussao a epoca, manejou a articulacao desses dois temas.

  1. A luta pelo voto feminino e a interpretacao da Constituicao de 1891

    Discussoes sobre a ampliacao de direitos as mulheres e, especificamente, sobre a possibilidade das mulheres participarem das eleicoes como eleitoras ou candidatas ja haviam ocorrido no decorrer na Constituinte de 1890/1891 (Anais da Assembleia Nacional Constituinte, 1891). O artigo 70 da Constituicao de 1891 dispunha: "Sao eleitores os cidadaos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei" (7). Nao obstante a inexistencia de proibicao ao voto feminino no texto constitucional, o entendimento firmado ja durante os debates constituintes era de que a expressao "cidadaos" nao abarcaria as mulheres.

    A indignacao perante tal interpretacao sempre esteve presente, porem foi ganhando forca ao longo dos anos. Houve, no decorrer da Primeira Republica, um processo crescente de mobilizacao de mulheres que passavam a ocupar espacos na esfera publica como estudantes, professoras e trabalhadoras e que, assim, se viam no direito de votar.

    Diva Nolf Nazario, por exemplo, foi aluna da Faculdade de Direito de Sao Paulo e ativista do voto feminino na decada de 1920, publicando artigos em jornais e pleiteando seu direito ao voto em juizo. Em 1922, se disse convencida pelos estudos da Constituicao na Faculdade de Direito de que o texto constitucional nao lhe proibia o exercicio do voto. Percebe-se, aqui, que o fato de Diva ter cursado Direito lhe dava maior legitimidade, ao menos do ponto de vista do publico externo masculino, para adentrar na discussao juridica do assunto.

    Ingressou, entao, com pedido de alistamento eleitoral. O juiz indeferiu o pedido alegando que a expressao "cidadao brasileiro" se referia a cidadao do sexo masculino e que a correta concepcao da vida social estabelecia uma divisao entre mulheres, responsaveis pela ordem domestica, e homens, responsaveis por prover a subsistencia da familia (8).

    Inconformada com a decisao, Diva Nazario ingressou com o recurso eleitoral. Alegou, para tanto, que a decisao se baseava em argumentos morais, sem aprofundar a dimensao juridica da questao. Mais uma vez, reforcou a ideia de que a expressao "cidadao" abarcava brasileiros e brasileiras (9) e de que a propria Constituicao lhe garantia o voto: "A mulher brasileira tem direito de ser eleitora quando ela o quiser, sem lei especial, mas pela propria forca da Constituicao Federal" (NAZARIO, 2009: 44).

    A resposta ao pedido de reconsideracao elaborada pelo mesmo juiz inicia-se com o seguinte trecho:

    Nao vejo em meu despacho da fls. 8 a sentimentalidade descoberta pela recorrente. Penso, pelo contrario, que tudo ali e positivo, quer quando aludo as fragilidades do sexo a que pertence a recorrente e quer quando aponto o Direito Consuetudinario a repelir, no Brasil, a intervencao do elemento feminino na vida politica. Os principios que definem a capacidade em relacao ao sexo possuem um cunho especial que nao se confunde com o dos demais principios reguladores da extensao da faculdade e exercicio de direitos. A razao e que a natureza ai intervem de modo mais ostensivo marcando e delimitando os papeis na cena juridica. (10) A referencia principal da decisao nao foi o direito constitucional, fundamento principal da entao recorrente Diva Nazario (11). A decisao do recurso se baseou em um "Direito Consuetudinario", naturalizando os papeis sociais exercidos ate entao por homens e mulheres. A Junta de Recursos Eleitorais do Estado de Sao Paulo negou provimento ao recurso e confirmou os fundamentos do juiz Affonso de Carvalho.

    Mesmo com o recurso indeferido, Diva Nazario continuou a publicar textos em jornais paulistas (12). Em um de seus artigos, com o titulo de "Na Faculdade de Direito", Diva relata uma votacao ocorrida para a direcao do Centro Academico XI de Agosto em que seu voto nao foi colocado na urna, e o envelope constando seus votos foi colocado em separado com seu nome escrito. Ao perguntar sobre o procedimento, os mesarios responderam que era de praxe agir daquela forma.

    Sentindo-se humilhada, buscou nos estatutos da instituicao alguma previsao que fizesse distincao entre o voto de alunos e alunas e nada encontrou. Nao obstante, os mesarios exigiram que Diva fizesse um requerimento para desfazerem o procedimento "de praxe". So assim, Diva pode votar como os demais alunos (NAZARIO, 2009: 94-96).

    O caso relatado acima revela as incoerencias vislumbradas na sociedade brasileira no inicio do seculo XX, quando mulheres galgavam maior destaque no espaco publico, mais ainda eram tolhidas em seus direitos. Se, por um lado, Diva podia votar no centro academico de seu curso, como seus colegas, por outro estava privada de exercer semelhante direito nas eleicoes estadual e federal.

    O descompasso entre o texto constitucional e realidade social se tornava cada vez mais evidente. Em 1926, foi aprovada pelo Congresso uma revisao constitucional encabecada pelo entao Presidente da Republica Arthur Bernardes, sem que houvesse modificacao dos artigos que tratavam do rol de pessoas que podiam pleitear o alistamento eleitoral (13).

    Por mais que a Emenda que alterou a Constituicao de 1926 nao tenha inserido a possibilidade do voto feminino, ela abriu uma brecha para que no Rio Grande do Norte fosse aprovada uma nova legislacao eleitoral estadual que se adequasse a revisao constitucional de 1926. Juvenal Lamartine (14) propos a emenda que foi posteriormente aceita, que previa que no Rio Grande do Norte poderiam votar e ser votados, sem distincao de sexos, todos os cidadaos que reunissem as condicoes exigidas pela lei (15). Portanto, foi no Rio Grande do Norte que houve o primeiro alistamento eleitoral de uma mulher no Brasil e a primeira mulher a se alistar eleitoralmente foi Celina Guimaraes Viana, de Mossoro, professora da Escola Normal da cidade (16).

    Apesar de vinte eleitoras terem se alistado no Rio Grande do Norte ate 1928, a comissao de verificacao de poderes do Senado nao considerou os votos das mulheres eleitoras por considera-los "inapuraveis". O parecer da comissao afirmava existir uma longa tradicao nos costumes e na doutrina que compreendia que o texto constitucional nao havia outorgado esse poder as mulheres (PORTO, 2000: 429-432).

    Mesmo sabendo do bloqueio aprovado pela comissao de verificacao de poderes, a Federacao Brasileira pelo Progresso Feminino quis divulgar os argumentos dos juizes que decidiram pelo alistamento, com a esperanca de que esses argumentos fossem encampados por outros magistrados. Assim, a Federacao lancou em 1929 um panfleto com o titulo O voto feminino perante a Justica, compilando alguns dos julgados que deferiram o alistamento eleitoral. O panfleto ressaltava que todas as decisoes ali compiladas fizeram mencao a...

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