The Law as an instrument against women's oppression/O Direito como instrumento contra a opressao feminina.

AutorPalar, Juliana Vargas

Introducao (1)

As reivindicacoes no ambito legal tornaram-se uma das principais pautas dos movimentos feministas contemporaneos. Assim, esses visam transformar a situacao das mulheres, na ordem social vigente, com respaldo no ordenamento juridico. Suas atuacoes podem ser observadas, principalmente, atraves de pressoes no Poder Legislativo, para que avance na elaboracao de normas juridicas que reconhecam o direito das mulheres e assegurem uma igualdade material entre homens e mulheres.

O problema e que a forma juridica possui uma relacao intrinseca com a sociedade de classes, mais precisamente com o modo de producao capitalista. Assim, embora o Direito contribua para alterar as relacoes sociais, a sua dinamica, em ultimo plano, obedece a dinamica do capitalismo. Portanto, insta o questionamento se ha limites na utilizacao do Direito como instrumento contra a opressao feminina em uma sociedade de classes.

Nessa perspectiva, objetiva-se investigar a existencia de restricoes no uso da via juridica para combater a opressao as mulheres em uma sociedade de classes. Para alcancar tal objetivo, torna-se necessario averiguar se ha vinculo entre a opressao feminina e a sociedade de classes; descobrir como o ordenamento juridico brasileiro influenciou, historicamente, a situacao das mulheres, assim como verificar a relacao entre a forma juridica e o modo de producao capitalista.

A abordagem dessas questoes, por sua vez, tera como base o referencial teorico de matriz marxista. Entre as justificativas para a escolha dessa matriz esta o fato de o marxismo ter contribuido para a desnaturalizacao da subordinacao das mulheres ao situar a sua opressao nas relacoes sociais e no desenvolvimento socioeconomico.

Em que pesem alguns entendimentos de que o marxismo simplifica a opressao feminina, colocando-a como uma questao secundaria a luta de classes, ou que apresenta um carater economicista, pois apenas analisaria a situacao das mulheres no ambito economico, entende-se que o referencial teorico legado por Marx e fundamental para uma analise critica da realidade das mulheres tanto no passado como no presente. Isso porque ele parte de uma perspectiva material e nao fragmentada, em que o economico relaciona-se com o politico e o ideologico, determinando-o e sendo determinado. Alem disso, por apresentar bases materiais concretas, essa abordagem e capaz de indicar medidas para o alcance da igualdade substancial entre homens e mulheres.

Ademais, o referencial teorico de matriz marxista e fundamental para compreender a relacao entre a forma juridica e o modo de producao capitalista. Com o assentamento das relacoes de producao no trabalho assalariado, foi preciso estabelecer meios para garantir a exploracao dos trabalhadores. Dessa forma, para o marxismo, o Direito apresenta-se como uma ferramenta essencial para sustentar o discurso de liberdade, autonomia da vontade e igualdade no mercado de trabalho, possibilitando a exploracao do trabalhador atraves de uma ilusao juridica. Assim, o Direito obedece a dinamica do capitalismo, por isso a necessidade de questionar se ele e capaz de extinguir a opressao as mulheres nessa ordem social.

Para responder a essa questao, emprega-se o metodo de abordagem dialetico, a fim de compreender o funcionamento contraditorio do Direito no capitalismo, na medida em que ele pode contribuir para alterar as relacoes sociais, ao mesmo tempo em que esta subordinado a dinamica da ordem social vigente. Ja o metodo de procedimento consiste no historico, a fim de analisar como o ordenamento juridico brasileiro influenciou a situacao das mulheres em diferentes epocas e, como tecnica de pesquisa, usa-se a pesquisa bibliografica.

Esse artigo estrutura-se em tres partes. Na primeira, estuda-se a relacao entre a opressao feminina e a sociedade de classes. Na segunda parte, dedica-se a analise da evolucao de normas juridicas brasileiras acerca da situacao das mulheres. E, por fim, debruca-se sobre o vinculo entre a forma juridica e o modo de producao capitalista.

  1. A origem da opressao feminina e sua relacao com a sociedade de classes

    Em 1884, foi publicada a obra A origem da familia, da propriedade privada e do Estado, de Friedrich Engels. O autor fundamenta seus estudos, principalmente, nos escritos do antropologo Lewis Henri Morgan, que conviveu com indios iroqueses nos Estados Unidos e analisou as suas relacoes sociais, de modo a indicar tres estagios de formacao da humanidade: estado selvagem; estado da barbarie e civilizacao.

    A partir desse referencial, Engels observou as caracteristicas de cada estado quanto ao modo de organizacao dos individuos. Nos primeiros estagios, o sistema de parentesco diferia de modo notorio do atual, pois cada filho possuia varios pais e maes, assim como cada mulher relacionava-se com inumeros homens, tanto quanto os homens relacionavam-se com inumeras mulheres. Em decorrencia disso, vigorava o direito materno (2) na linhagem sucessiva, uma vez que nao era possivel definir quem era o pai da crianca. Ademais, Engels tambem afirma que a economia domestica comunista consistia na base da organizacao dos grupos e era liderada majoritariamente por mulheres (ENGELS, 1974).

    Todavia, a medida que o homem desenvolveu a capacidade da agricultura e da domesticacao de animais, sua atividade tornou-se mais apreciada pelo grupo social em detrimento da atuacao feminina. Dessa forma, o trabalho domestico da mulher perdeu sua importancia comparado com o trabalho produtivo do homem, "este trabalho passou a ser tudo; aquele, uma insignificante contribuicao (3)" (ENGELS, 1974, p. 182).

    O trabalho produtivo do homem, por sua vez, possibilitou a formacao de excedentes, de modo que tornou-se importante a permanencia dos bens na linhagem paterna, provocando o fim do direito materno. Essa mudanca tambem impos o relacionamento monogamico para as mulheres. Conforme Lessa (2012), a familia monogamica (4) surge como uma forma peculiar da organizacao da sociedade de classes, sendo a expressao da propriedade privada nas relacoes familiares.

    Embora Engels apresente uma abordagem fundada no evolucionismo social classico (5), ou seja, baseada na ideia de que o desenvolvimento da sociedade humana seguiu estagios continuos e obrigatorios, como em uma trajetoria unilinear e ascendente (CASTRO, 2005), indubitavelmente, o marxismo contribuiu para a "desnaturalizacao da subordinacao da mulher, situando sua genese num processo gerado nas e pelas relacoes sociais, em contextos socioeconomicos determinados" (ARAUJO, 2000, p. 64).

    Diante do exposto, para a teoria marxista, defender o fim da opressao feminina implica, inevitavelmente, apoiar o fim da sociedade de classes. Nesse sentido, Engels (1974) afirma que com a revolucao socialista, havera a transformacao dos meios de producao em propriedade comum, a extincao da familia individual monogamica como unidade economica da sociedade e a transferencia da educacao das criancas e do cuidado do lar para a esfera publica. Contudo, cabe indagar se essas mudancas implicam na igualdade material entre homens e mulheres. Para resolver essa questao, e possivel buscar a reposta nas experiencias socialistas que existiram.

    Com a Revolucao Russa de 1917, os bolcheviques tiveram a oportunidade de tentar, na pratica, resolver a contradicao entre trabalho e familia. De acordo com Wendy Goldman (2014), eles visavam transferir o trabalho domestico para a esfera publica, de modo que esse trabalho fosse realizado por trabalhadores assalariados em creches, lares comunitarios e refeitorios. Essa alteracao permitiria que a mulher ingressasse na vida publica em condicoes de igualdade com os homens.

    No campo legislativo, a autora comenta que, embora eles alegassem que a lei por si propria nao poderia libertar as mulheres, os bolcheviques realizaram amplas mudancas na legislacao, de modo a eliminar as leis familiares antiquadas e garantir um novo marco legal para as relacoes sociais. Alexandra Kolontai (2011), lider revolucionaria russa e comissaria do Povo do Bem-estar Social, afirmava que as reformas sociais eram condicoes indispensaveis para constituir novas relacoes entre homens e mulheres.

    Assim, o casamento religioso foi substituido pelo civil, permitiu-se o divorcio unilateral e extrajudicial, reconheceu-se que todos os filhos, nascidos dentro ou fora do casamento, possuiam direitos iguais, proibiu-se a adocao, pois se entendia que o cuidado dos orfaos era tarefa do Estado e tambem a Russia tornou-se o primeiro pais do mundo a permitir legalmente e garantir gratuitamente o aborto (GOLDMAN, 2014).

    Embora as alteracoes legais tenham sido notaveis, na realidade concreta, nao ocorreu a total supressao da opressao feminina atraves da revolucao. Goldman (2014) relata que, principalmente, devido a Primeira Guerra Mundial, milhoes de criancas tornaram-se orfaos e encontraram nas ruas o seu lar. O numero de creches, lares comunitarios e refeitorios nao foram suficientes para recepciona-las. Ademais, as mudancas legislativas nao romperam com a dependencia feminina dos homens na area rural. Dessa forma, e possivel apontar que apenas a revolucao socialista nao e capaz de extinguir a opressao das mulheres.

    Nessa perspectiva, Branca Moreira Alves (1980, p. 36) afirma que: "o eliminacao da sociedade de classes e condicao necessario, mas nao suficiente, poro o eliminacao do sexismo [...]". Para essa autora, a exploracao do homem pelo homem gerou antagonismos de sexo e de raca, os quais nao ocorrem somente no nivel economico, mas tambem no nivel politico e ideologico, de modo a atingir mulheres de todas as classes de diferentes formas. Por isso Alves afirma que, mesmo apos a transformacao das relacoes de producao e a superacao da sociedade de classes, e imprescindivel um trabalho especifico para uma ruptura com as relacoes ideologicas arraigadas na cultura.

    A existencia de uma forma de opressao que nao atinge apenas individuos de uma classe social especifica, mas abrange sujeitos determinados...

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