The production of family care and policies for aging/ A producao de cuidados na familia e as politicas para o envelhecimento.

AutorBernardo, Maria Helena de Jesus
CargoTexto en portugues - Ensayo

Introducao

O texto ora apresentado e resultante de pesquisa, em andamento, realizada no doutorado. Visa tracar um panorama sobre a tematica dos cuidados familiares na sua interface com o envelhecimento populacional, analisando o cenario social, politico e economico que aciona a familia como arcabouco central na provisao de cuidados. Discorreremos sobre a inclinacao familista na politica social voltada ao segmento idoso, os cuidados domiciliares na divisao sexual do trabalho, a perspectiva do care e um painel sobre as proposicoes na area.

O estudo circunscreve o debate no ambito das producoes elaboradas pelo campo geriatrico/gerontologico (1), identificando suas premissas e os determinantes que conformam o envelhecimento como uma questao da esfera privada. Partimos de um de nossos pressupostos de pesquisa, de que o referido campo, apesar da intencao interdisciplinar, mantem a primazia do referencial biomedico (BARBIERI, 2014). O enunciado produzido sobre a velhice, a despeito de sua maior evidencia social e politica, secundariza a dimensao de classe social, reforcando a individualizacao dos cuidados e a banalizacao dos encargos familiares (BERNARDO, 2017).

Destacamos a ideia de velhice bem-sucedida, saudavel e ativa que predomina nos tratados internacionais, influencia as legislacoes e ingressa nos paises perifericos como um modelo a ser alcancado, encobrindo a velhice da classe trabalhadora, dependente, doente e invisivel. Teorias e praticas se multiplicam, adotando duas grandes diretivas: transferencia para a sociedade das responsabilidades pelas mazelas sociais, por meio do convite a solidariedade; e particularizacao de tais responsabilidades, compreendendo-as como decorrencias danosas de uma sociedade desigual, as quais devem ser enfrentadas pela valorizacao dos atributos pessoais.

Enfatizamos o quanto as desigualdades de classe social sao elementos centrais para a devida apreciacao das condicoes atuais dos cuidados domiciliares, em uma sociedade que impoe constrangimentos ao exercicio da democracia plena, instituindo obstaculos a promocao das liberdades humanas. Tal sociabilidade certamente afeta a constituicao dos sujeitos em processo de envelhecimento e a formulacao de discursos sobre a velhice, refletindo, por sua vez, as contradicoes sociais estruturadoras da sociedade capitalista (BEAUVOIR, 1990; HADDAD, 2017; TEIXEIRA, 2008).

Depreendemos que o esmaecimento de classe incluso nas formulacoes geriatricas/gerontologicas se transforma em potente recurso para mascarar as vicissitudes das experiencias do velho trabalhador, em particular da velhice dependente, com graves repercussoes no universo da protecao social (TEIXEIRA, 2008).

No Brasil, o tripe da seguridade social conquistado na Constituicao Federal (CF) de 1988 reafirma os direitos sociais e desloca a concepcao das politicas sociais do vies assistencialista para a otica da cidadania. Nao obstante os avancos previstos na Constituicao, os anos de 1990 foram marcados pelo advento do neoliberalismo, redimensionando os direitos ja consagrados. As "reformas" neoliberais preconizam, dentre outras acoes, a reducao dos gastos sociais por parte do Estado na oferta de politicas publicas, redirecionando suas acoes para setores vulneraveis. O reordenamento do capital e a assuncao dos encargos sociais por parte dos individuos estabelecem um novo modelo de regulacao social com favorecimento dos setores financeiros e restricao das acoes estatais junto a reproducao social. Os direitos previstos na seguridade social passam a ser orientados pela focalizacao, aderindo as recomendacoes dos organismos internacionais com crescente privatizacao e incisiva intimacao a sociedade civil e as familias (BEHRING, 2008).

Na sequencia, Debert (2014) alerta que o tema dos cuidados ganha proeminencia pelo atravessamento de duas mensagens. A primeira e a qualificacao da velhice como um problema devido ao seu crescimento demografico--que pleiteia investimentos em acoes publicas e, simultaneamente, corrobora argumentos para as contrarreformas do Estado, particularmente da Previdencia Social. A segunda se refere as dificuldades provenientes das mudancas familiares--quando nao conseguem mais absorver tao prontamente a funcao de cuidados. De acordo com a autora, a legislacao propaga um "intrincado paradoxo" (DEBERT, 2014, p. 45): nao assegura plenamente os direitos e realca o papel tradicional da familia.

  1. Familia e politicas sociais

    1.1 A centralidade da familia na legislacao

    O panorama da legislacao direcionada aos idosos propoe acoes intersetoriais e em diferentes niveis de atencao. Especialmente apos a promulgacao da Politica Nacional do Idoso (PNI), em 1994, e do decreto de 1996, constatam-se avancos em termos assistenciais com maior notabilidade para a questao do idoso na sociedade (BRASIL, 1994). A desconstrucao da velhice associada a incapacidade e outra caracteristica presente nas regulamentacoes seguintes, como o Estatuto do Idoso, em 2003, e a Politica de Saude do Idoso (1999) (BRASIL, 2004, 1999), revisada em 2006 pela Politica Nacional de Saude da Pessoa Idosa (PNSPI) (BRASIL, 2006).

    Para Groisman (2015), a PNI e o Estatuto apontam intencoes protetivas, principalmente quando se referem aos cuidados domiciliares, em detrimento do institucional, e ao fenomeno da violencia como passivel de prevencao, punicao e controle. Ja as politicas de saude (BRASIL, 1999, 2006) explicitam preocupacoes com a assistencia ampliada aos idosos ativos e dependentes. Para esse ultimo grupo, a PNSPI projeta acoes de reabilitacao, cuidados paliativos e atencao domiciliar.

    Em que pese a relevancia da atencao da sociedade as necessidades dos mais velhos, a critica que aqui se impoe, alem do ocultamento das contradicoes da velhice do trabalhador, e quanto a enfase na responsabilidade familiar, em contexto de significativa debilidade das politicas publicas e de mudancas estruturais nas condicoes de vida e de trabalho da populacao.

    Com efeito, o conjunto de leis delineia um ambiente de disputas por garantia de direitos, como, da mesma forma, exprime as lutas em torno de projetos societarios distintos. Como lembra Behring (2008), e apropriado levar em conta tambem a antecipacao da politica as questoes emergentes e latentes. No caso da velhice, o desenlace aos alarmantes indicadores demograficos coloca-a como ameaca aos sistemas de seguridade social, exibindose como artimanha historica de nossas politicas sociais de antecipacao e cooptacao de uma demanda, transformando-a em possiveis solucoes as necessidades da populacao (2).

    Como e possivel verificar, a legislacao atual da area do envelhecimento, seguindo o texto da propria carta constitucional em seus artigos 229 e 230, atribui proeminencia a familia, acionando-a como primeira instancia para salvaguardar os direitos basicos do idoso (BRASIL, 1988). Podemos inferir que se evidencia, nesse caso, uma estrategia de privilegiar os espacos familiares e comunitarios, em oposicao a institucionalizacao tao predominante e criticada na assistencia para os idosos no Brasil. Outrossim, diversos estudos atestam a importancia dos lacos familiares e vinculos afetivos para a saude em seu sentido mais amplo. Ao priorizar o meio comunitario, buscase preservar relacoes, historias e, obviamente, promover saude e prevenir riscos de hospitalizacao, asilamento e outros tipos de isolamento social.

    Nao devemos, entretanto, desconsiderar os interesses politicos e economicos que permeiam tais discussoes, muito menos as ambiguidades presentes na legislacao. Se, por um lado, a defesa da convivencia familiar indica a tentativa de fortalecimento das redes protetivas primarias; por outro, impoe uma armadilha as familias diante das lacunas institucionais das politicas brasileiras e das diferentes composicoes familiares. Em concordancia com Alencar (2009, p. 64), a familia tem potencial para a protecao de seus membros, pois reiteradamente assumiu esse lugar de "anteparo social". Contudo, nao e pertinente trata-la como uma orbita exclusivamente privada, despolitizando o quadro das determinacoes macrossocietarias.

    Segundo Pereira (2009), a chamada centralidade familiar remonta a crise do Estado de Bem-Estar Social no final nos anos 1970 nos paises...

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