The thought of Antonio Gramsci in the struggle for Health Worker/O pensamento de Antonio Gramsci na luta pela Saude do Trabalhador.

Autorde Franca, Maria Julia Paiva
CargoDossie Trabalho, Saude e Ambiente

Introducao

O debate desenvolvido no Brasil e em diversos paises sobre o campo das relacoes saude-trabalho, entre as decadas de 1960 a 1980, teve grande influencia do Modelo Operario Italiano (MOI) de saude do trabalhador. Discutia-se a necessidade de se buscar novas alternativas de enfrentamento da nocividade dos ambientes de trabalho, com a criacao de novas metodologias de intervencao. Um dos enfoques relevantes no debate era a participacao do trabalhador como protagonista imprescindivel na luta. E, nesse contexto, o MOI foi emblematico no encaminhamento de propostas concretas de mudanca, acabando por servir de modelo de saude do trabalhador.

Embora o Brasil tenha tracado novos rumos da institucionalidade das relacoes saude-trabalho, inclusive com a sua inscricao na Constituicao Federal de 1988, por influencia desse modelo e a despeito da saude do trabalhador brasileira ter sido fortemente influenciada pelo modelo, os textos academicos de base nacional fazem mencao a essa influencia com escassa vinculacao historica a sua origem e, principalmente, com o pensamento de Antonio Gramsci. Nesse sentido, o resgate historico permite a tomada de novas postulacoes teorico-conceituais que possam, eventualmente, ser consideradas na construcao da saude do trabalhador no Brasil.

A literatura existente sobre o modelo operario reportava-se as lutas operarias na Italia nos primeiros anos do seculo XX, em que Antonio Gramsci, com sua militancia e formulacoes politico-filosoficas, havia participado intensamente e influenciado na criacao de metodologias de acao e cotejamento teorico com os acontecimentos. Decadas depois, os textos do e sobre o MOI deixaram patente essa influencia. Contudo, como ja exposto, eram e continuam sendo escassas as correlacoes entre Gramsci e os metodos de acao e luta do operariado italiano na busca por uma saude nas fabricas daqueles anos.

Este artigo se propoe realizar uma avaliacao desse processo historico, buscando resgatar as postulacoes teorico-conceituais relevantes que surgiram, correlacionando-as com a filosofia gramsciana. A partir da literatura nacional e internacional que trata do tema, observamos que o pensamento de Gramsci estava profundamente arraigado na empiria desencadeada pelo MOI e na sua traducao teorico-metodologica, inclusive a relacao de Gramsci com o Partido Comunista Italiano (PCI), que permeou sua militancia passo a passo com o seu pensamento filosofico, guarda uma semelhanca com a construcao do MOI e sua vinculacao ao PCI.

O Modelo Operario Italiano (MOI)

No final do seculo XIX e inicio do seculo XX a riqueza dos movimentos dos trabalhadores, em suas lutas por mais direitos, fortaleceu a classe trabalhadora e suas organizacoes. Entretanto, as duas guerras mundiais (1914-1918; 1939-1945) com o surgimento do fascismo em varios paises, especialmente na Italia, enfraqueceram a luta operaria nesse periodo.

A Italia, nos anos de 1950 e 1960, exibia altissimos indices de acidentes de trabalho. Dados do anuario estatistico italiano de 1954 mostravam que os acidentes de trabalho superavam um milhao de casos anuais. De 1953 a 1962, o aumento dos acidentes de trabalho na industria italiana foi de 80%. Em 1964, reportava-se "um acidente de trabalho a cada 20 segundos, uma invalidez permanente a cada dez minutos e 15 mortes por acidentes de trabalho todos os dias". (BELLI, 2001, p.67).

Por esse motivo a reconstrucao do pais se confrontou com a reconstrucao da sua classe operaria, sua organizacao e sua luta, no periodo em que se consolidava a divisao do mundo pos-guerra nos dois blocos ideologicos da Guerra Fria. Igualmente a epoca da militancia de Gramsci, 40 anos antes, o sindicalismo operario italiano apos a Segunda Guerra Mundial era fortemente vinculado ao Partido Comunista Italiano (PCI) que, no periodo da Guerra Fria, chegou a ser o maior partido comunista do Ocidente fora do bloco sovietico. Pelo fato de ostentar uma forca politico-partidaria no contexto italiano, o PCI contribuiu para o fortalecimento da luta operaria, cujo foco foi muito marcado sobre a "saude nas fabricas", especialmente em virtude da gravidade dos indicadores de acidentes de trabalho (PAIVA; VASCONCELLOS, 2011). Sindicatos e partidos politicos debatiam sobre as relacoes capital-trabalho na decada de 1950 e a saude nas fabricas era um tema recorrente. No ano de 1954, a Confederazione Generale Italiana del Lavoro (CGIL) introduziu o tema "Retorno a fabrica", para que seus sindicatos afiliados envidassem negociacoes com os patroes sobre as relacoes de trabalho. (ALONSO, 2007).

Naquele momento vivia-se o dilema de escolher entre emprego ou a luta pela saude. Sindicatos e trabalhadores aceitavam passivamente os riscos a saude, por obterem compensacoes salariais de horas extras, indenizacoes e adicionais de risco no trabalho. Ainda nao havia nascido uma identidade da classe trabalhadora italiana que reconhecesse sua forca de luta, na qual sobressairia a questao da saude que, tempos depois, viria a servir como paradigma de mudancas na forma de intervir sobre os problemas de saude no trabalho.

Na decada de 1960, o amadurecimento e a consciencia culminam com a mobilizacao da classe trabalhadora vinculada ao tema "exploracao = doenca e acao coletiva = mais saude". Nesse contexto, com o direcionamento que o sindicalismo operario assumia tornou-se imperioso conhecer a realidade do processo produtivo em seus meandros, a organizacao do trabalho e a diversidade de variaveis envolvidas, assim como, desenvolver investigacoes e criar estrategias de protecao fisica e psiquica para os trabalhadores. A prevalente cultura proletaria e patronal de monetarizacao do risco--exposicao ao risco em troca de dinheiro--interpunha-se um movimento que precisaria superar a cultura do operariado de receber um pagamento para continuar se expondo aos riscos, adoecendo e morrendo no trabalho (ALONSO, 2007; BERLINGUER, 1983, p. 17).

O movimento se estruturava e, entre os inumeros trabalhadores, sindicalistas, estudantes, tecnicos, politicos e militantes partidarios que participaram, alguns personagens se destacaram por seu empenho e lideranca, como Gastone Marri (sindicalista e mentor do modelo), Ivar Oddone (medico e mentor do modelo), Giovanni Berlinguer (medico do trabalho e parlamentar do PCI), alem do proprio PCI que cumpriu um papel fundamental nessa luta, influenciando profundamente na politica do pais (VACCA, 2006).

Dentro da CGIL, em torno de 1961, nascia um modelo de controle da nocividade do ambiente de trabalho, cuja face marcante foi o reconhecimento, por parte dos proprios trabalhadores, do poder do seu saber e o potencial transformador a partir desse saber. "O modelo operario italiano nasceu com a proposta de modificar conceitos e romper com o paradigma no qual a defesa da saude deveria ficar a cargo das instituicoes oficiais" (PAIVA; VASCONCELLOS, 2011, p.385). Os proprios trabalhadores eram os protagonistas da conducao das lutas, auxiliados pelos sindicalistas e tecnicos, pois a experiencia operaria tinha informacoes e impressoes da realidade vivida que ninguem mais detinha (ALONSO, 2007).

Atraves de debates e entrevistas na Farmitalia (1) feita por trabalhadores, sindicalistas e tecnicos, as causas da nocividade ambiental e as caracteristicas do seu processo produtivo foram identificadas progressivamente. Outras experiencias sucederam-se na Fiat Mirafiori (2) e, mesmo que questoes sobre insalubridade e periculosidade tenham ficado aquem do desejado, tornou-se visivel a possibilidade real de alianca entre tecnicos e operarios na direcao da mudanca e, ainda em 1961, um dos convenios realizados entre patroes e o sindicato adotou reivindicacoes revolucionarias como a utilizacao de substancias menos nocivas; medidas preventivas; criacao de comissao ambiental; rodizio e pausas nos trabalhos de risco; direito do sindicato intervir com peritos externos (ALONSO, 2007; ODDONE et al, 1986). Em 1963 ja havia material teorico suficiente para iniciar um debate mais qualificado do sindicato e trabalhadores em relacao a alguns temas: adaptacao e eficacia do controle interno das condicoes de trabalho; indenizacao versus prevencao; maquinario; legislacao sobre doencas do trabalho; relacao homem-maquina; exigencias psicossomaticas dos trabalhadores. (BELLI, 2001).

Em Turim, em 1964, foi criado por operarios, sindicalistas, estudantes e tecnicos o primeiro centro de luta contra a nocividade no trabalho. Em Milao, foi criado o segundo e mais quatorze foram criados em seguida. O objetivo era o de construir um centro de memoria da luta, que se propunha estudar o controle da nocividade do ambiente, as doencas, os efeitos da fadiga, os agentes quimicos e a silicose, entre outros estudos importantes (ALONSO, 2007). Os centros nos reportam as palavras de Gramsci em um de seus artigos no L'Ordine Nuovo: "Somente de um trabalho comum e solidario de esclarecimento, de persuasao e de educacao reciproca e que nascera a acao concreta de construcao" (GRAMSCI, 2004, p.245). Aliada aos debates, a experiencia e colaboracao de Ivar Oddone contribuiu de forma decisiva, situando a saude nao como reivindicacao, mas como algo a ser construido pelos trabalhadores, com sua participacao direta, conscientizacao e resignificacao da saude no ambiente de trabalho (BELLI, 2001).

Com o objetivo de conhecer as condicoes de trabalho, a partir da percepcao dos operarios, o PCI, em 1967, iniciou um inquerito nas fabricas. Com entrevistas e aplicacao de questionarios, foi feito um amplo levantamento das reais condicoes de trabalho no interior das fabricas. As observacoes dos operarios retrataram a realidade da exploracao e sua repercussao sobre a saude, demonstrando claramente a conivencia dos orgaos do aparelho de Estado responsaveis pela protecao do trabalhador (BERLINGUER, 1983).

A participacao ativa do trabalhador, o conhecimento e a sua autonomia possibilitaram, pouco a pouco, a construcao do conceito de nao delegacao, cujo significado implica em nao delegar a...

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