Theory polemics in the Marxian analysis of labor in social work/Polemicas teoricas na analise marciana do trabalho no Servico Social.

AutorDegenszajn, Raquel Raichelis
CargoTexto en portugues

Introducao: os termos do debate

Analisar o Servico Social na divisao social e tecnica do trabalho, bem como as polemicas em torno do trabalho, requer apreende-lo na dinamica socio-historica que configura o campo em que se desenvolve o trabalho profissional, no marco das relacoes entre o Estado e a sociedade capitalista. Esses marcos, longe de serem lineares, expressam mutuas implicacoes e contradicoes resultantes das lutas de classe e dos projetos politicos em disputa pela hegemonia.

O pressuposto e de que a construcao de projetos profissionais nao se autonomiza das forcas sociais e politicas que protagonizam distintos projetos societarios, o que abre a possibilidade a categoria profissional de assistentes sociais de estabelecer estrategias politicas que se aliem aos interesses das classes e grupos subalternos, sujeitos da intervencao profissional.

Nesses termos, o projeto profissional, que denominamos projeto etico-politico, e expressao da construcao coletiva do Servico Social brasileiro nas ultimas tres decadas, forjado nas lutas dos movimentos sociais contra a ditadura no Brasil e articulado a um projeto societario anticapitalista. Esse se associa a luta mais geral da classe trabalhadora por uma nova ordem societaria, igualitaria e emancipada.

A partir desse contexto, o Servico Social brasileiro elaborou um modo de interpretacao da profissao na sociedade de classes, na esteira das contribuicoes de seus mais destacados intelectuais, entre os quais Iamamoto (1982, 2007) e Netto (1992). O ponto de partida dessa analise situa o Servico Social na divisao social e tecnica do trabalho na sociedade capitalista em seu estagio monopolista, participe dos processos de producao e reproducao social por meio das respostas que o Estado e as classes dominantes constroem frente a "questao social", como expressao das lutas de classes contra a exploracao do trabalho e pela apropriacao de bens e servicos frutos do trabalho coletivo. Estabelecendo uma ruptura com as atividades voluntarias precedentes e nao exercendo sua atividade como profissionais liberais, os trabalhadores assistentes sociais (1) se inserem numa relacao de compra e venda de sua forca de trabalho em troca de um salario, cujo valor e estabelecido como qualquer outra mercadoria no reino mercantil, na dupla dimensao de valor de uso e valor de troca.

Foi intenso o impacto dessa contribuicao para a ruptura do Servico Social com o legado conservador de sua origem, a partir da qual a analise do significado social da profissao ganha novos patamares, por meio da ampla interlocucao com a teoria social marxiana e marxista. As contribuicoes que decorrem desta aproximacao abrem novas e fecundas perspectivas, que passam a direcionar seus valores eticos, as diretrizes curriculares da formacao academica, o trabalho profissional, a organizacao politica, bem como fundamentar a pesquisa e a producao teorica, impulsionadas pela expansao dos programas de pos-graduacao no pais e pelo reconhecimento do Servico Social como area de conhecimento. As implicacoes desse processo sao profundas e incidem na (relativa) autonomia tecnica e politica deste profissional, subordinado as requisicoes institucionais para o desenvolvimento do trabalho socialmente necessario (2), combinado e cooperado com os demais trabalhadores sociais nos diferentes espacos ocupacionais que demandam essa capacidade de trabalho especializada.

Trata-se de uma interpretacao da profissao que pretende desvendar suas particularidades como parte do trabalho social coletivo, o que supoe a analise articulada do trabalho de assistentes sociais em sua dupla dimensao: de um lado, como trabalho concreto, e expressao do valor de uso (3) dotado de qualidade especifica que atende a necessidades sociais a partir de suportes intelectuais e materiais para sua realizacao, cujo exercicio profissional passa a ser mediado pelo mercado, dentro de uma crescente divisao do trabalho social. De outro lado, como trabalho abstrato--expressao do valor de troca abstraido de sua qualidade -, representa uma fracao do trabalho social total pensado em sua quantidade, como dispendio de forca humana de trabalho. Nesses processos, quantidade e qualidade aparecem como determinacoes indissociaveis da mercantilizacao dessa forca de trabalho.

Tal concepcao de Servico Social foi objeto de ampla acolhida do meio profissional desde a publicacao, em 1982, do livro de lamamoto e Carvalho, Relacoes sociais e Servico Social no Brasil, sendo incorporada nas diretrizes curriculares da formacao academica e referencia do projeto profissional brasileiro. Contudo, precisa ser objeto de continuo aprofundamento critico face a dinamica da reproducao ampliada do capital e das respostas que constroi frente as suas crises ciclicas e estruturais.

Iamamoto (2007), em sua ultima obra de grande envergadura, Servico Social em tempo de capital fetiche, enfrenta este enorme desafio retomando as premissas centrais da analise de 1982, de modo a avancar nas reflexoes da profissao sob os influxos do desenvolvimento capitalista nos marcos da financeirizacao do capital. Porem, a autora nos adverte que, apesar da ampla disseminacao dessa tese na formacao academica, na pesquisa e no trabalho profissional, os fundamentos teorico-metodologicos que lhe servem de base nao foram apreendidos em toda sua complexidade pelo coletivo profissional.

Alem disso, cabe destacar que Cardoso et al. (1997), em texto publicado no Caderno Abess n. 7, sistematizaram o rico debate dos consultores da entidade com a apresentacao de novos subsidios teoricos para a implementacao das diretrizes curriculares aprovadas em 1996. Ademais, eles ja alertavam para o fato de que a consideracao do trabalho do assistente social articulado ao processo de valorizacao nao se encontra suficientemente analisada na literatura profissional. Logo um conjunto de questoes abre-se ao debate e a investigacao sobre as particularidades e mediacoes necessarias para o trato da relacao entre trabalho produtivo e improdutivo, no Servico Social. (CARDOSO et al., 1997, p. 34).

No caso da literatura e do debate no Servico Social, observa-se com frequencia a enfase na qualidade e na diferencialidade do trabalho exercido por assistentes sociais em relacao a outras profissoes. Entretanto, ha omissao sobre sua unidade enquanto parte do trabalho social medio comum ao conjunto de trabalhadores assalariados que participam do circuito da producao ou distribuicao do valor e/ou da mais-valia.

Na esteira da elaboracao de lamamoto (2007), considero que problematizar o trabalho de assistentes sociais na sociedade capitalista contemporanea supoe pensa-lo como parte do trabalho coletivo submetido, portanto, as determinacoes e constrangimentos semelhantes aqueles que subordinam o conjunto dos trabalhadores assalariados. Isso supoe ultrapassar a visao que reduz a pratica de assistentes sociais a uma relacao dual e face a face entre profissionais e sujeitos a quem presta servicos (RAICHELIS, 2011).

A ausencia de problematizacao sobre a dupla dimensao do trabalho --como trabalho concreto e abstrato " levou a que a reflexao sobre o trabalho do assistente social, no processo de producao e reproducao social, nao tenha sido objeto dos desdobramentos teoricos relacionados as especificas condicoes em que se da a mercantilizacao desta forca de trabalho, pelo seu assalariamento e pelas formas atraves das quais ingressa (ou nao) no reino do valor e da valorizacao do capital.

Contrariando essa tendencia, no texto de Cardoso et al. (1997) encontra-se uma densa analise do estatuto profissional do Servico Social como uma especializacao do trabalho, bem como do assistente social como trabalhador assalariado, dotado de forca de trabalho especializada, que, como qualquer outra mercadoria, dispoe de um valor de uso e um valor de troca. Com base nas categorias centrais da teoria do valor trabalho de Marx, os autores contribuiram para o aprofundamento das mediacoes teoricas fundantes do novo curriculo, priorizando o nucleo de fundamentacao do trabalho profissional e suas articulacoes com os demais nucleos que compoem o novo projeto de formacao academico-profissional.

Porem, permaneceu no debate do Servico Social uma visao reducionista do trabalho como valor de uso, "esvaziado da sua dimensao de trabalho abstrato, marca do carater social do trabalho nessa sociedade" (IAMAMOTO, 2007, p. 31). Alem disso, e preciso considerar que a pers pectiva que apreende o trabalho como fundante da atividade profissional na sociedade capitalista madura, apesar de hegemonica no Servico Social, esta longe de ser consensual (4). A meu juizo, isso remete a propria concepcao de trabalho e seus desdobramentos na analise das metamorfoses do trabalho no capitalismo contemporaneo e seus rebatimentos no Servico Social.

Nesse aspecto, ha outras mediacoes a serem construidas, como as novas formas de extracao do valor nas diferentes modalidades de trabalho, em sua morfologia atual, e a natureza do trabalho no "setor" de servicos. Assim tambem analisa Antunes (1999), chamando atencao para a interpenetracao entre producao de mercadorias e...

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