A ética do cuidado no contrato de seguro

AutorAndr? Jacques Luciano Uch?a Costa
Páginas453-469
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51 .
A ÉT IC A D O C UI DA DO NO
CO NT RA TO DE SE GU RO
André Jacques Luciano Uchôa Costa
INTRODUÇÃO
Parte relevante da vida em comunidade é - ou deveria ser – estruturada a partir
do sentimento legítimo de cuidado1 com o próximo. O contrato de seguro, por sua
vez, é – ou deveria ser – instrumento de cuidado e proteção daqueles que tiveram
seus legítimos interesses atingidos pelos infortúnios da vida; operação de inques-
tionável relevância social que visa “garantir, com o auxílio de muitos, que a desor-
ganização que atingiu a uns poucos possa ser superada”.2
1 “O homem, como se sabe, é um único animal a ter a clara visão de sua própria morte, como uma das pou-
cas fatalidades absolutas de sua existência. A noção de morte inevitável – associada à capacidade que o ser
humano tem de prever a ocorrência de certos acontecimentos, determina a formação de incontáveis insti-
tuições sociais e jurídicas organizadas com o fim de minorar ou, se possível, evitar as consequências dano-
sas que certos infortúnios causam a sua existência ou à existência e segurança de sua espécie. Na medida
em que prevê para prover, o homem, mesmo não podendo evitar as calamidades individuais e coletivas
que frequentemente acontecem pode, ao menos, reduzir-lhes os efeitos pela adoção de medidas preven-
tivas adequadas” (SILVA, Ovídio Araújo Batista da. O seguro e as sociedades cooperativas: relações jurídicas
comunitárias, p. 43 Rio Grande do Sul: Livraria do Advogado, 2008.).
2 TZIRULNIK, Ernesto; OCTAVIANI, Alessandro. Estudos de direito do seguro: regulação de sinistro
(ensaio jurídico). São Paulo: Max Limonad. 2001, p. 161.
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AN D R É J A C Q U E S L U C I A N O U C H Ô A C O S T A
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A fraternidade, a comunidade, a comutatividade,3 a mutualidade,4 a previ-
dência5 e outros inúmeros bons sentimentos e princípios alicerçam o contrato de
seguro que concretiza a importância da solidariedade, como fator de superação
das dificuldades”,6 opondo-se frontalmente a um modelo crescente de sociedade
cada vez mais individualista, utilitarista e egoísta.
Esse conjunto de bons sentimentos e princípios, de igual modo, alicerça a tra-
jetória do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro – IBDS. Todos aqueles que
têm a oportunidade de fazer parte do IBDS, de seus fóruns, simpósios, discussões
e inúmeros encontros certamente se sentem privilegiados pelos conhecimentos
cedidos, experiências trocadas, amizades construídas e sensação constante de aco-
lhimento e segurança oriunda da relação sempre próxima com a sua estrela maior.
A você, Dr. Ernesto, todo o meu carinho, agradecimento e a certeza de que tem
sido uma grande alegria viver, aprender e enfrentar grandes batalhas, pessoais e
profissionais, ao seu lado.
E, passados vinte anos da criação do IBDS, não há honra maior que receber
o convite para contribuir com esta obra coletiva.
Curiosamente o convite foi feito em um momento em que a humanidade –
de maneira quase uniforme, se sente extremamente insegura. Ameaçados pela
3 A doutrina contemporânea já precisou a natureza peculiar do contrato de seguro. Ele é um contrato
comutativo, em verdade, um negócio jurídico coletivo, integrado pelos muitos atos individuais que apor-
tam para o fundo comum os recursos tecnicamente exigidos para a segurança de todos em relação às incer-
tezas do futuro. A massa comum dos recursos a ninguém pertence, em termos de propriedade individual,
sendo algo em aberto e permanentemente disponível para atender às necessidades que surjam e para cuja
satisfação foi constituída. Deve ser permanentemente reconstituída a cada utilização que se efetive, como
deve estar ao alcance de quem precisa respirar, revestindo-se da boa qualidade que assegura a vida saudável,
o ar que nos cerca. Assim como ele se recompõe a cada ato respiratório, assim também os recursos dire-
cionados para a segurança de todos os segurados a todos pertence e para todos devem estar disponíveis no
momento de necessidade.” (CALMON DE PASSOS, José Joaquim. O risco na sociedade moderna e seus
reflexos na teoria da responsabilidade civil e na natureza jurídica do contrato de seguro. In: FÓRUM DE
DIREITO DE SEGURO JOSÉ SOLLERO FILHO, 1. anais. São Paulo: Max Limonad, 2000, p.17).
4 “Foi a mutualidade que serviu de suporte a todos os sistemas de prevenção ou de reparação de danos,
oriundos de riscos que interferem na atividade humana. Durante muitos séculos, esses sistemas tiveram
organizações simples, pois se limitavam a providências de socorro imediato àqueles que fossem atingidos
por eventos danosos. Todo o grupo, por força da solidariedade, contribuía com a participação em espécie
ou em dinheiro para reparar as condições do companheiro, lesado em seus interesses materiais ou em sua
saúde” (ALVIM, Pedro. O contrato de seguro, p. 2. Rio de Janeiro: Forense. 1983).
5 “De fato, o desconhecimento que temos da duração da vida humana, a incerteza daquilo que o futuro nos
reserva, a impossibilidade de destruição dos bens que possuímos, tudo isso foi que conduziu o homem à
idéia de seguro. O seguro nasceu, assim, de uma necessidade econômica, provocada pela instabilidade das
coisas humanas. Surge daí o objetivo primordial do seguro, sua feição mais característica: a previdência”
(SANTOS, Amilcar. Seguro: doutrina e legislação, p. 7).
6 ALVIM, Pedro. O contrato de seguro, p. 1.
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