O time dos refugiados não invisíveis: o legado humanitário da Rio 2016

AutorPaula Wojcikiewicz Almeida e Maria Fernanda de Oliveira Dyma Martins
Páginas17-18
17
ORGANIZADORA
PAULA WOJCIKIEWICZ ALMEIDA
A. A.
ANÁLISES DE ATUALIDADES INTERNACIONAIS
O TIME DOS REFUGIADOS NÃO INVISÍVEIS:
O LEGADO HUMANITÁRIO DA RIO 2016
A abertura das
Olimpíadas Rio 2016 fez todos
os olhos e câmeras do mundo
voltarem-se para o Maracanã.
Em meio a fogos, danças e Gisele,
um sinal de esperança. Dentre
os mais de doze mil atletas, de
207 diferentes delegações, é
anunciado o grupo dos refugiados,
pela primeira vez, na história
olímpica.
O grupo, que conta com dez
participantes, não se encontra
unido por dividir cultura ou
idioma. Nacionalidade também
não é fator comum entre seus
integrantes, visto que são
provenientes de quatro países
distintos. O que eles apresentam
em comum é apenas a triste
realidade de se encontrarem
fora do país de nacionalidade ou
residência habitual em razão do
risco de perseguições dos mais
diversos tipos. Seus participantes
dividem a classificação como
refugiados com cerca de 65,3
milhões de pessoas pelo mundo,
que urgem por recepção e
acolhimento. É notório o fato de
que a classificação em categorias
jurídicas – “refugiados” – permite
extrair consequências jurídicas
aplicáveis unicamente aos
indivíduos que a compõem. Não
se trata de uma escolha neutra,
uma vez que costuma ser guiada,
seja por uma realidade objetiva,
seja por valores do momento
histórico.
Tal dualidade coloca em evidência
tanto os aspectos positivos quanto
os negativos da categorização.
Se, por um lado, é possível
conferir um reconhecimento
oficial e, consequentemente, um
mínimo de direitos a um grupo de
pessoas, por outro lado, permite-
se a criação de exceções à regra
geral, de modo a justificar um
tratamento diferenciado e/ou, em
última análise, discriminatório.
Do ponto de vista positivo, a
nova medida pode ser vista como
um sinal de apoio; uma forma
de trazer visibilidade para essa
realidade. Visibilidade para um
grupo que até então poderia
ser considerado invisível aos
olhos da sociedade. Contudo, a
Por Paula Wojcikiewicz Almeida* e Maria Fernanda de Oliveira Dyma Martins**
característica da invisibilidade,
como pretende ser toda categoria
ou subcategoria jurídica, traria
em si uma conotação negativa.
Trata-se, portanto, de gerar um
novo olhar sobre o grupo, fazendo
com que o mundo enxergue além
dos estereótipos e da xenofobia.
Passa-se uma nova imagem,
a de indivíduos que, apesar
do sofrimento, mostram-se
vencedores, não só em razão
da sobrevivência e fuga de
perseguições por motivos de raça,
religião, nacionalidade, grupo
social ou opiniões políticas, mas
da superação de si mesmos.
A delegação dos refugiados não
deve ser um modo de agrupar tais
pessoas de forma semelhante a
um Estado-nação. A classificação
de refugiados não deve ser
uma forma generalizada de
categorização com o objetivo
de fomentar um tratamento
diferenciado ou discriminatório.
Os refugiados de hoje, tanto os
da delegação olímpica quanto os
mais de 65 milhões espalhados
pelo mundo, não podem carregar
indefinidamente tal status.
Isso para que não se sintam
segregados da sociedade em que
se inserem, nem mesmo para que
se crie uma visão generalizada
e homogênea de algo que não
é geral, tampouco homogêneo.
Sentindo-se estrangeiros na
sociedade, os refugiados que
vivem objetivamente fora de
seus Estados de origem, e não
pertencendo à coletividade,
carregam permanentemente
um sentimento de estraneidade,
isolamento e, sobretudo, de
vulnerabilidade.
Se antes a participação nos jogos
olímpicos era restrita aos Estados,
a delegação dos refugiados abre
caminho para as indagações
de uma nova realidade. Qual
seria a consequência para as
relações internacionais, nas
quais um indivíduo representa
um Estado e vice-versa? Seria
possível que um grupo de
indivíduos representasse uma
condição perante a comunidade
internacional e pudesse ter voz
ativa num cenário antes dominado
pelo caráter interestatal? Seria tal
realidade um reflexo da crescente
e necessária humanização do
direito internacional, na qual o
indivíduo se destacaria do Estado
todo poderoso, sujeito onipotente
do Direito Internacional? A
Rio 2016 não deixa apenas
questionamentos, mas muita
esperança.
Em meio ao clima olímpico, de
união e respeito, deixa-se um
novo legado humanitário, maior
do que as milhares de árvores
plantadas por cada atleta. Deixa-
se o legado de tolerância e de
reconhecimento, para que se
combata o preconceito e se cultive
a diversidade. E, principalmente,
para que a invisibilidade de que
sempre padeceram os refugiados
ceda lugar aos holofotes, capazes
de projetar luz à realidade de
um mundo cada vez mais plural,
heterogêneo e, sobretudo,
humanizado.
* Professora de Direito Internacional
com dedicação em tempo integral da
Escola de Direito do Rio de Janeiro
da Fundação Getulio Vargas (FGV
DIREITO RIO). Professora titular da
Cátedra Jean Monnet, nanciada pela
Comissão Europeia e pesquisadora
do Centro de Justiça e Sociedade da
FGV DIREITO RIO. Pesquisadora
Associada do Institut de recherche en
droit international et européen de la
Sorbonne (IREDIES).
** Graduanda em Direito pela
Faculdade de Direito da Fundação
Getulio Vargas (FGV DIREITO RIO).
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