Time in Agnes Heller: a contribution to reflections on the world of work/ O tempo em Agnes Heller: contribuicoes para a reflexao sobre o mundo do trabalho.

AutorGuimaraes, Gleny Terezinha Duro

Introducao

Trabalho e tempo (1) fazem parte da vida do Ser Social e estao tao impregnados na condicao humana que nem percebemos sua vinculacao ontologica. Esse vinculo nao e tao obvio quanto parece; por isso, refletir detidamente sobre esta relacao podera trazer novas compreensoes sobre o mundo do trabalho numa sociedade marcada pela desigual condicao economica e social.

O tempo se manifesta na vida cotidiana e esta tao incorporado nas relacoes do mundo do trabalho que acaba desempenhando uma funcao estruturante na organizacao economica, politica e cultural da complexa realidade contemporanea. Um dos aspectos que assombra todos os que sofrem os maleficios do capitalismo se refere a falta de tempo, e esta associado ao trabalho abstrato. Este e um aspecto fundamental que indica o quanto a divisao sociotecnica do trabalho, legitimada pelo hodierno processo de reestruturacao produtiva, esta associada ao padrao de flexibilizacao, precarizacao e desregulamentacao dos direitos sociais do trabalhador.

Trabalho e uma categoria ontologica e varias sao as concepcoes que norteiam sua compreensao. Na perspectiva do materialismo historico dialetico, ele e fundante da ontologia do Ser Social em Marx e Lukacs, compreendendo toda acao que o homem realiza para satisfazer as necessidades da existencia humana, sejam biologica, economica, cultural ou politica. Portanto, trabalho diz respeito a constituicao do Ser Social e da humanidade, encontrando-se em qualquer esfera da vida cotidiana; de modo que Wilde (2013, p. 25) diz entende-lo "[...] simplesmente como atividade de qualquer especie". Alem disso, toda esta acao esta indissociavelmente imbricada com a dimensao do tempo que governa os mecanismos de reproducao da sociedade. Isso nos mostra o quanto tempo e trabalho estao inter-relacionados na esfera da vida cotidiana, considerando que estes estao associados a crescente desigualdade social e economica vivenciada pela classe trabalhadora.

A desigualdade social, na contemporaneidade, tem se acirrado cada vez mais, e e visivelmente detectada na vida cotidiana do trabalhador excluido do mercado formal ou informal de trabalho. Para a filosofa Heller (1999, p. 27), a desigualdade social continua a cindir a sociedade em duas classes: "[...] uma minoria que fara um trabalho altamente qualificado em campos sofisticados aprendera muito, sabera muito, ganhara muito e trabalhara por periodos mais longos", enquanto que com a outra classe acontece o inverso: "[...] havera uma maioria fazendo trabalho inferior em poucas horas ou mesmo nao fazendo nenhum trabalho, ganhando pouco, aprendendo pouco [...]".

Na vida cotidiana, a desigualdade social esta presente em varias dimensoes; no que se refere a desigualdade de classe, esta e gerada pelo modo de producao capitalista: "[...] e uma desigualdade que tem as suas raizes na estrutura e no desenvolvimento normal da vida economica" (MANDEL, 1982, p. 11). Estas raizes tem como cerne a questao social, que historicamente foi sendo gestada pela dominacao de uma classe sobre a outra. Devemos lembrar que as multiplas expressoes da questao social tem sido o escopo da intervencao cotidiana dos assistentes sociais, sendo compreendida como o "conjunto das expressoes das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz em comum: a producao social e cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriacao dos seus frutos mantem-se privada" (IAMAMOTO, 2005, p. 27).

O monopolio da riqueza socialmente produzida tem sido historicamente constituido sob o dominio de uma classe sobre a outra. Segundo Mandel (1982), a luta entre as classes, de acordo com o periodo historico, pode ser classificada da seguinte maneira: no periodo do Imperio, as classes se dividiam entre camponeses, de um lado, e sacerdotes e senhores, do outro; na Antiguidade greco-romana, dividiam-se entre escravos e senhores dos escravos; na Alta Idade Media, as classes eram constituidas pelos servos e pelos senhores feudais; e, no capitalismo, entre trabalhadores assalariados e os donos dos meios de producao, a burguesia. "Mas, fosse qual fosse a forma assumida, a exploracao de uma parte da sociedade pela outra e um fato comum a todos os seculos passados" (MARX; ENGELS, 1998, p. 29).

As multiplas expressoes da questao social, que denunciam a desigualdade social, estao relacionadas as configuracoes do mundo do trabalho; alem disso, estao atreladas ao modo de producao e a um tempo a ele associado. Assim, sociedade, trabalho e tempo (2) coexistem e formam a estrutura da vida cotidiana, merecendo ser objeto de reflexao, pois nem sempre sao visivelmente relacionados ao tipo de sociedade em que nos inserimos. Dessa maneira, a invisibilidade e um mecanismo ideologico para a dominacao.

Neste artigo, fazemos uma interpretacao do que a filosofa hungara propoe sobre o tempo na teoria da vida cotidiana (3). O tempo influencia a vida cotidiana de forma singular, mas nem sempre nos debrucamos sobre este tema para refletir acerca das determinacoes do tempo na vida cotidiana dos trabalhadores. Estes que, contra a corrente do desenvolvimento capitalista, procuram formas de sobrevivencia e superacao da exploracao dominante.

Numa perspectiva ontologica, de que forma o tempo se relaciona com as atuais configuracoes do mundo do trabalho? Esta e a pergunta que norteia as reflexoes neste artigo.

Tempo na teoria do cotidiano

A existencia do Ser Social esta vinculada a existencia da vida cotidiana, e nenhum individuo (4), em qualquer periodo historico, deixou de vivencia-la. Isso significa dizer que o cotidiano e inerente a vida do ser humano, e e no cotidiano que tudo ocorre como primeira instancia de sua existencia. Parece um tema obvio, mas nao e. A categoria do cotidiano de Heller (1989; 1991) apresenta fundamental contribuicao ao Servico Social, pois nos proporciona elementos para refletir ontologicamente sobre o ser humano e sua existencia na sociedade.

Assim, Heller (1989, p. 20) nos diz: "a vida cotidiana nao esta fora da historia, mas no centro do acontecer historico: e a verdadeira essencia da substancia social". Lefebvre (1991, p. 44) compartilha a importancia de uma teoria sobre a vida cotidiana enquanto espaco criador da humanidade:

Revelar a riqueza escondida sob a aparente pobreza do cotidiano, descobrir a profundeza sob a trivialidade, atingir o extraordinario do ordinario, so era claro e talvez verdadeiro, quando feito com base na vida dos trabalhadores, distinguindo-se, para exalta-la, a sua capacidade criadora. Outros autores (5) que teorizam sobre a vida cotidiana exibem um consenso ao considerar que o cotidiano contem uma relacao dialetica entre o extraordinario e o ordinario, entre o comum e o excepcional, entre o particular e o generico.

O cotidiano e a dimensao do senso comum, com todo o sofrimento, prazer, alegria, tristeza, destruicao e construcao que somente o ser humano e capaz de viver. A dimensao da cotidianidade estaria no circuito de tensao permanente conectado com a possibilidade de sermos seres humanos melhores, a possibilidade da grande transformacao que somente o proprio homem podera realizar. (GUIMARAES, 2002b, p. 34).

Na relacao entre vida cotidiana e trabalho, a dimensao do tempo esta imbricada e e determinante nas relacoes sociais, na constituicao historica do ser humano e das relacoes entre as classes. Na concepcao de Heller (1991), o tempo possui algumas peculiaridades que incidem diretamente tanto no trabalho concreto quanto no trabalho abstrato. Uma das peculiaridades do tempo, na esfera do cotidiano, e o antropocentrismo, considerando que a centralidade da vida cotidiana e o individuo. Tudo converge para satisfazer a suas necessidades, isto e, propaga-se do centro de si mesmo para os outros e para o mundo externo. A esfera correspondente ao antropocentrismo do tempo e a particularidade, na qual a objetivacao em-si (6) se concretiza.

Um dos aspectos a ser considerado em relacao ao tempo e que este "se refere a sua hora" (7) (HELLER, 1991, p. 385). Esta definicao diz respeito ao agora do particular, porque cada um vivencia o tempo de uma forma propria. O tempo acontece atraves de uma experiencia vivida, centrada na particularidade, e ninguem podera viver aquele tempo pelo outro. Neste sentido, o tempo e uma condicao inalienavel do ser humano, tal como respirar, alimentar-se e trabalhar. O trabalho, enquanto categoria central do materialismo historico, e determinante para a constituicao do modo de producao, porque atraves dele o ser humano transforma a natureza e desenvolve todas as atividades necessarias para sua producao e reproducao. Vale lembrar que o ser humano so se desenvolveu historicamente na sociedade em funcao da categoria trabalho; sem esta, a sociedade nao se constituiria, permanecendo apenas a existencia da natureza. Portanto, tempo e trabalho, na vida cotidiana, sao indissociaveis. O tempo e o trabalho eclodem nas sutilezas da vida cotidiana e nao nos damos conta do quanto estao entrelacados, do quanto um determina o outro.

A partir da decada de 1970, o mundo e invadido pelo receituario neoliberal, sob os fortes impactos do novo modelo de organizacao e producao capitalista toyotista, que propaga as diretrizes da acumulacao flexivel. Este modelo tem afetado diretamente a vida dos trabalhadores assalariados; como diria Meszaros (2011, p. 69), "todas as categorias de trabalhadores qualificados e nao qualificados: ou seja, obviamente, a totalidade da forca de trabalho da sociedade".

Na base desta nova reconfiguracao do capital, os determinantes politicos, economicos e sociais implicam o tempo e a intensificacao do trabalho via novas formas de gestao da forca de trabalho (flexibilizacao das relacoes de trabalho, priorizacao do trabalho morto em detrimento do trabalho vivo, precarizacao das condicoes de trabalho, entre outros aspectos). Neste sentido, podemos constatar que o tempo dedicado ao trabalho produtivo, que afeta a totalidade dos trabalhadores, tem se...

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