Titanomachia - oposições epistemológicas entre Kelsen e Schmitt

AutorDaniel Nunes Pereira
Ocupação do AutorBacharel em Direito e Mestre em Ciência Política, ambos pela Universidade Federal Fluminense (UFF)
Páginas203-241
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Φ
TITANOMACHIA
– OPOSIÇÕES
EPISTEMOLÓGICAS ENTRE KELSEN
E SCHMITT
Daniel Nunes Pereira1
INTRODUÇÃO
Não parece ser possível precisar um início necessário e denitivo
para uma história da polêmica travada entre Kelsen e Schmitt, há, contudo,
‘inícios’ possíveis2. A sociedade Moderna (ainda que em recorte agudi-
zado) alicerçada em contingências epistêmicas, indica ceticismo quanto a
cosmogonias absolutas, mesmo em (meta)narrativas losóco-cientícas.
Dentre os ‘inícios possíveis’, parte o presente estudo de uma ver-
tente inter e transdiciplinar, de forma a abarcar epistêmica e epistemo-
logicamente3 os constructos de Kelsen e Schmitt. Ora, se o objetivo é
1 Bacharel em Direito e Mestre em Ciência Política, ambos pela Universidade Federal
Fluminense (UFF). Especialista em História Européia pela Universiteit Utrecht (Reino
dos Países Baixos). Mestre e Doutorando em Sociologia e Direito (PPGSD) pela Uni-
versidade Federal Fluminense. Professor de Direito na Universidade Veiga (UVA) de
Almeida, no Centro de Ensino Superior de Valença (CESVA).
2 Cf. Paulo Sávio Maia (2007: 12).
3 Na chave epistêmica, o estudo tenta desvelar as relações de gnose e os mecanismos
de processamento entre os sujeitos e deteminado conhecimento (saber paradigmático).
No que concerne ao entendimento epistemológico, o trabalho analisa o grau de conhe-
cimento e inexão de determinadas categorias dadas aos sujeitos em questão.
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ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS DE FILOSOFIA DO DIREITO
esmiuçar o embate concernente à Jurisdição Constitucional, bem como
suas aporias e limitações, buscam-se, aprioristicamente, as ferramentas,
conhecimentos e categorias mobilizadas pelos autores em comento.
Tal estratégia parte de um entendimento especíco quanto ao pa-
pel de Kelsen e Schmitt na Ideengeschichte4, qual seja, ambos são como
divindades num simulacro de Teogonia Jurídica5. O seu embate épico
quanto ao “Guardião da Constituição” é a Titanomachia da Juslosoa.
Desse Teísmo intelectual, subjaz a ideia de que aos mortais não é facul-
tado conhecer a natureza última ou a substância de suas divindades,
mas meramente vislumbrar e reverenciar em temor seus prodígios, id
est, não podemos realmente ver e compreender a totalidade do pen-
samento de Kelsen tampouco de Schmitt, mas talvez possamos tar as
partes mobilizadas para a “Guerra no Céu”.
Este entendimento não se sustenta meramente pela opção apren-
temente teísta de reverência aos referidos intelectuais, mas também
em uma chave existencialista, na qual a complexidade de determinada
abstração imagética (verbi gratia, Jurisdição Constitucional) é inversa-
mente proporcional à sua contraparte existente no mundo da empiria.
Assim, nesta seara epistemológica que se identica com uma realidade
opaca (ZIZEK, 2001: 82-83), haverá, inexoravelmente, alguma lacuna
entre o que emerge da empiria e os constructos metafísico-lógicos de
proveniência psíquico-reexiva (SARTRE, 2011: 136). As estruturas en-
gendradas pela consciência do intelecto, ao serem transpostas para o
mundo da experiência, não desaparecem, embora pareçam aprisiona-
das às contingências mundanas. O que ocorre é um distanciamento, em
maior ou menor medida, do que foi inicialmente elaborado pela men-
te humana (SARTRE, 2011: 119). Outrossim, a realidade sensível dos
constructos teóricos de Kelsen e Schmitt ao ser cotejada às suas respec-
tivas ideias primevas, depende em sua própria consistência de um certo
4 Conceito ou disciplina da Filosoa Continental, podendo ser traduzido como
“História Intelectual” ou “História de Ideias”.
5 Diferentemente do comentado por Paulo Sávio Maia (2007: 12), para quem os alu-
didos autores são meros homens, e sua desavença deve ser encarada em sua mundani-
dade evidente.
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TiTanomachia
– oposições episTemológicas enTre Kelsen e schmiTT
desconhecimento dos hodiernos concernidos da discussão (ŽIŽEK, 1999:
21). Ao desvelar essa relação epistêmica, voltamos aos próprios elementos
estruturantes que virão a opor as teorias do referidos pensadores.
O desvelo pelo qual seguimos na investigação das partes estrutu-
rantes das Teorias de Kelsen e Schmitt, no que contribuem para o tema
da Jurisdição Constitucional, segue a lógica das seguintes assertivas,
porquanto, pressupostos condicionais à presente argumentação: a) não
há neutralidade em trabalhos intelectuais, sendo isto mera retórica cien-
ticista (GINZBURG, 2002: 55); b) a compreensão de determinado mo-
mento histórico é condição necessária para crítica cética à imanência do
objeto intelectual a ser estudado (ADORNO, 1988: 207); c) a obra não
remete apenas à identidade do autor, cuja evidência epistêmica limita a
verdade tipográca a ser analisada (FOUCAULT, 1972: 10).
Pelos termos expostos, o trabalho ora desenvolvido não pode sa-
ber se mostra ‘A Verdade sobre as construções teóricas analisadas, mas
busca apresentar os predicados necessários para uma correta abordagem
da celeuma juslosóca revisitada – legeintaonta(PLATÃO, 1921: 385b),
ou seja, apresentam-se armações verdadeiras sobre estados verdadeiros.
1 ONTOLOGIA JURÍDICA
O Direito, enquanto normatização do dever-ser e por buscar atri-
butos eminentemente teleológicos, prescinde de uma reexão metafísi-
ca. Isto, pois, enquanto teoria, o Direito não tem como se valer da ex-
perimentação para validar suas proposições, recorrendo apenas à razão,
pois os objetos de que trata não têm existência apriorística no mundo
natural. Em um segundo momento da reexão, buscam-se categorias
ontologias, verbi gratia, justiça, equidade, democracia, etc. Assim é que,
qualquer Teoria do Direito é necessariamente munida de uma ontolo-
gia própria, enquanto parte de uma reexão metafísica. A ontologia,
entendida como disciplina, estuda o que não jaz a priori no mundo
natural, ou seja, as abstrações, conceitos e as relações entre eles. Nesta
seara, reetirá determinadas noções de ente, ser, existência, essência,

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