Títulos executivos judiciais

AutorHumberto theodoro júnior
Ocupação do Autordesembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito
Páginas955-982

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612. Noções introdutórias

Para o fim de autorizar o cumprimento forçado da sentença, o título executivo por excelência é a sentença condenatória. Existem, porém, outros provimentos judiciais a que a lei atribui igual força executiva, como se dá, v.g., com as decisões homologatórias e os formais de partilha. É, pois, correto afirmar-se que, genericamente, devem ser considerados títulos executivos judiciais os oriundos de processo1.

Por outro lado, uma novidade do novo Código foi atribuir a qualidade de título executivo não limitadamente às sentenças, para tratar como tal qualquer decisão proferida no processo civil que reconheça "a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa" (NCPC, art. 515, I).2Com isso, entram na categoria, além da sentença, as decisões interlocutórias do juiz de direito, as decisões monocráticas do relator, bem como os acórdãos dos tribunais, desde que em qualquer um desses atos judiciais se reconheça a exigibilidade de determinada obrigação, que, naturalmente, pressupõe sua certeza e liquidez.

Para o novo Código, os títulos executivos judiciais, cujo cumprimento se realiza de acordo com o Título II, Capítulo I, do Livro I, da Parte Especial, são os seguintes (art. 515):3I - as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa (inc. I);

II - a decisão homologatória de autocomposição judicial (inc. II);

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III - a decisão homologatória de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza (inc. III);

IV - o formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal (inc. IV);

V - o crédito de auxiliar da justiça, quando as custas, emolumentos ou honorários tiverem sido aprovados por decisão judicial (inc. V);

VI - a sentença penal condenatória transitada em julgado (inc. VI);

VII - a sentença arbitral (inc. VII);

VIII - a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (inc. VIII);

IX - a decisão interlocutória estrangeira, após a concessão do exequatur à carta rogatória pelo Superior Tribunal de Justiça (inc. IX).

Foi vetado pela Presidência da República o inciso X do art. 515, que considerava título executivo judicial "o acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo quando do julgamento de acidentes e fatos da navegação". A justificativa para o veto foi a de que "ao atribuir natureza de título executivo judicial às decisões do Tribunal Marítimo, o controle de suas decisões poderia ser afastado do Poder Judiciário, possibilitando a interpretação de que tal colegiado administrativo passaria a dispor de natureza judicial". Na verdade, tais decisões, na estrutura dos serviços públicos, são de natureza administrativa, a exemplo do que se passa com as pronunciadas pelo Tribunal de Contas da União e pela Câmara de Recursos da Previdência Social, a que, mesmo quando condenatórias, a jurisprudência atribui a qualidade de título executivo extrajudicial.4

A enumeração do código é taxativa, "não permitindo interpretações extensivas e analógicas, pela própria índole da execução"5.

O novo Código, ao utilizar a expressão "decisões" no caput do art. 515, corrigiu a nomenclatura utilizada pela legislação anterior, que fazia referência apenas à "sentença" proferida no processo civil. Mas, já àquela época, a palavra sentença utilizada pelo legislador para identificar o título executivo judicial era entendida como "empregada para designar todo e qualquer provimento judicial (decisão interlocutória, sentença e acórdão) que imponha ao sujeito processual o cumprimento de uma prestação de dar, fazer ou não fazer. Aqui se incluem tanto os provimentos judiciais que pretendam

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debelar crises jurídicas de cooperação (adimplemento ou descumprimento) como aqueles outros que são impostos na condenação por má-fé processual, os relativos aos honorários advocatícios etc. Enfim, qualquer provimento judicial que imponha uma prestação no curso do processo"6.

A doutrina portuguesa costuma classificar os títulos executivos provenientes do processo, em judiciais e parajudiciais. Aqueles seriam a sentença de condenação, e estes a de homologação de transação acordada entre as partes, onde há um misto de título judicial e extrajudicial, limitando-se o juiz a dar eficácia ao ato das partes, sem julgá-lo7.

A distinção, no entanto, tem feitio apenas acadêmico, posto que, para o processo de execução, a força e os efeitos do título executivo são os mesmos, tanto na sentença condenatória como nos outros casos em que o título provém de processo, mas não consubstancia, no mérito, uma decisão do próprio juiz (decisões homologatórias de autocomposição judicial). Ademais, a decisão de que fala o art. 515, I, não é apenas aquela que literalmente encerra o processo de conhecimento pelo juiz de primeiro grau. É, como já visto, todo aquele ato decisório que imponha ou preveja uma obrigação a ser cumprida por um litigante em favor do outro. Tanto podem fundamentar a execução as sentenças propriamente ditas, como as decisões interlocutórias e acórdãos. É o conteúdo do decisório, e não sua forma, que confere a força executiva ao provimento judicial.

Todos os títulos arrolados no art. 515 têm, entre si, um traço comum, que é a autoridade da coisa julgada, que torna seu conteúdo imutável e indiscutível e, por isso, limita grandemente o campo das eventuais impugnações à execução, que nunca poderão ir além das matérias indicadas no art. 525, § 1º.8Mesmo tendo a jurisprudência se inclinado para o entendimento de que a homologação da autocomposição judicial não impede que o negócio jurídico das partes seja anulado ou rescindido pelas vias ordinárias, nos moldes do art. 966, § 4º,9e não pela rescisória (art. 96610)11, no caso de execução forçada não será cabível invocar nos embargos de devedor, contra título judicial emergente da homologação, matéria que ultrapasse o rol dos arts. 525, § 1º e 53512 - 13. Somente em ação própria poderá o devedor tentar invalidar ou desconstituir a transação como se faz com os negócios jurídicos em geral (art. 966, § 4º).

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613. Medidas preparatórias especiais

Em alguns casos, não é possível proceder-se ao cumprimento da obrigação contemplada em título executivo judicial, em simples incidente imediato à sentença exequenda.

É o que se passa, por exemplo: (i) com as sentenças penais, que não se pronunciam acerca da indenização civil (sua força executiva civil decorre imediatamente da lei);

(ii) com as sentenças arbitrais, que não podem ser executadas no próprio processo em que pronunciada; e, (iii) com as sentenças estrangeiras e as decisões interlocutórias estrangeiras, que podem não quantificar a prestação devida (condenação genérica). Em todos esses casos, o cumprimento da sentença, no juízo civil, depende da instauração de um processo novo e não da simples continuidade do feito já em curso, como se dá com os demais títulos arrolados nos incisos do art. 515, do NCPC. Há de se instaurar relação processual civil ex novo, ou seja, de forma originária, mediante petição inicial e citação do devedor e, se for o caso, por meio de prévia liquidação do quantum debeatur (art. 515, § 1º).14As próprias sentenças civis nem sempre definem a quantia a ser paga pelo devedor (quantum debeatur), embora acertem a existência da dívida (an debeatur). Por isso, também elas, quando genéricas, hão de passar por um procedimento preparatório de liquidação para, finalmente, propiciar a abertura do procedimento de cumprimento forçado em juízo (art. 509).15Isto, porém, não exige a propositura de uma nova ação. Tudo se resolve como incidente do processo em que a sentença ilíquida foi prolatada.

614. Procedimento especial: sentença penal, sentença arbitral e sentença ou decisão interlocutória estrangeira

Nos casos de sentença penal condenatória transitada em julgado, sentença arbitral e sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça, além de decisão interlocutória estrangeira, após a concessão do exequatur à carta rogatória pelo Superior Tribunal de Justiça (NCPC, art. 515, VI, VII, VIII e IX),16a execução será precedida de liquidação, no juízo cível competente, nos moldes dos arts. 509 a 512, se se tratar de título representativo de obrigação ainda ilíquida. Nesse caso, o credor iniciará o processo mediante citação do devedor para acompanhar a definição do quantum debeatur. Após a respectiva decisão, proceder-se-á, nos autos da liquidação, à expedição do mandado de penhora e avaliação, nos moldes do art. 523, § 3º,17caso o devedor não realize o pagamento voluntário nos quinze dias mencionados no dispositivo.

A sentença penal é sempre ilíquida, porque não cabe ao juiz criminal fixar o valor da reparação civil ex delicto. Entretanto, no regime atual, assim como no anterior, o

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trânsito em julgado da decisão penal condenatória enseja o imediato acesso à execução cível, razão pela qual "a vítima carece de interesse na propositura da ação civil que, julgada procedente, produziria título executivo equivalente e da mesma natureza do já obtido".18As...

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