Tomada de decisão apoiada e amministrazione di sostegno

AutorFlávia da Terra Costa Marques
Páginas751-777
Tomada de decisão apoiada.. • 751
TOMADA DE DECISÃO APOIADA E
AMMINISTR AZIONE DI SOSTEGNO
ANÁLISE COMPAR ADA, PERSPECTIVAS
MATERIAIS E JURISPRUDENCIAIS
Flávia da Terra Costa M arques1
Resumo: O presente trabalho propõe uma análise comparativa funcional
entre os institutos da tomada de decisão apoiada e da amministrazione
di sostegno, cujas introduções marcam a materialização do paradigma do
apoio nos ordenamentos brasileiro e italiano, respectivamente. Buscou-
-se compará-los tanto em seus aspectos materiais quanto nos aspectos
jurisprudenciais, propondo-se uma confrontação teórico e prática entre
ambos. Considerando os resultados obtidos, foi possível realizar uma
comparação stricto sensu, aferindo-se a ecácia dos apoios instituídos e
conrmando a hipótese de que os institutos em muito divergem, mas,
paradoxalmente, convergem no que tange à manutenção da substituição
em ambos os ordenamentos.
Palavras-chave: Tomada de decisão apoiada. Amministrazione di sosteg-
no. Sistema de apoio.
INTRODUÇÃO
A vontade é pressuposto de toda e qualquer ação jurídica. Tra-
ta-se de elemento central para o Direito Privado, sobretudo, consideran-
do que ela constitui o próprio cerne dos atos jurídicos, de tal forma que,
sem vontade, estes não se formam.2
No entanto, a mera manifestação de vontade não é suciente,
1 Graduanda em Direito na UFMG. Pesquisadora de iniciação cientíca.
2
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existên-
cia. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 120.
752 • O Direito Civil nos Tribunais Superiores
pois o ato jurídico também pressupõe que ela deva ser consciente e aten-
der a pressupostos legalmente previstos.3 Sem preencher tais condições,
o Direito reserva institutos cuja implicação é a invalidação ou mitigação
da ecácia dos atos.
O regime da incapacidade, objeto deste estudo, acarreta na
perda da aptidão para realizar atos jurídicos pessoal e diretamente, consi-
derando que o sujeito é, por alguma eventualidade, despojado do discer-
nimento necessário para a tomada de decisão. Ocorre que, sendo pres-
suposto da ação jurídica, a inexistência ou vício de vontade contaminam
a constituição daquela.
Dessa forma, o regime das incapacidades se volta para os sujei-
tos que não têm aptidão para exercer seus direitos e contrair obrigações
de maneira consciente e autônoma.4 Para Caio Mário da Silva Perei-
ra, as condições peculiares do caso concreto justicam a adoção de um
tratamento jurídico especial, que objetiva restabelecer o equilíbrio das
relações jurídicas travadas.5
Para além do aspecto abstrato inerente a essa discussão, com-
preender os mecanismos jurídicos que ela comporta é também entender
como o Direito qualica a vontade do sujeito. E, nesse sentido, qual a
solução concreta prevista para os diversos casos da vida humana em que
a vontade não é aquela idealizada pela Lei.
A valoração da vontade evolui e varia, não apenas conforme as
especicidades de cada ordenamento jurídico, mas também à medida
em que pressões, de diversas fontes, obrigam o Direito a se reinventar.
É clara a tendência global, impulsionada por movimentos ligados aos
direitos das pessoas com deciência e pela virada paradigmática proposta
pela luta antimanicomial, de se criar novos institutos jurídicos para essa
temática.6 Tal tendência parte da premissa de que a autonomia se cria de
maneira dialógica e contínua nas relações interpessoais sendo, portanto,
mais humanizado e benéco que se supra as lacunas ocasionadas pelo
3
ANDRADE, Manuel A. Domingues de. Teoria Geral da Relação Jurídica.
Coimbra: Almedina, 1997, vol I, p. 32.
4
LARA, Mariana Alves. Capacidade Civil e Deciência: entre autonomia
e proteção. D’ Plácido, 2019, p. 42.
5
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. 1. In-
trodução ao Direito Civil. Teoria Geral de Direito Civil. 21ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2006,p. 272.
6
FRANÇA, TH. Modelo Social da Deciência: uma ferramenta sociológica
para a emancipação social. In: Lutas Sociais, 2013; 17(31):59-73.

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