Toxicologia ocupacional

AutorAntonio Buono Neto/Elaine Arbex Buono
Ocupação do AutorMédico Especialista em Medicina Legal e Perícia Médica e Medicina do trabalho pela AMB, ex-Presidente da Comissão de Perícias Médicas da ANAMT ex-Presidente da Sociedade Paulista de Medicina do Trabalho, Perito Judicial/Médica Especialista em Medicina Legal e Perícia Médica e Medicina do trabalho pela AMB, ex-Membro da Comissão de Perícias ...
Páginas99-159

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1. Toxicologia - noções básicas
1.1. Agentes tóxicos

Definição: (xenobiótico) - é qualquer substância química natural ou sintética, que ao ser absorvida por um organismo biológico, provoca ou gera um estado patológico.

1.2. Toxicidade

Definição: é a propriedade que as substâncias têm de trazer maior ou menor perturbação ao organismo, produzindo efeitos nocivos a este organismo conforme seu poder de interação com o sistema biológico. A toxicidade é influenciada por diversos fatores, dentre eles: o próprio agente químico e sua capacidade de interagir de acordo com sua solubilidade ou volatilidade.

1.3. Histórico

Desde a época mais remota, o homem já tinha conhecimento sobre os efeitos nocivos de determinados venenos (animais e de grande variedade de plantas tóxicas). Com o conhecimento e utilização dos produtos vegetais, minerais e animais, não só como medicamentos ou alimentos, começou então a dar importância a seus efeitos e a utilizar os que possuíam ação fulminante para eliminar precocemente seus inimigos.

O envenenamento como forma de homicídio e suicídio é de uso muito anti-go. Em 1500 a. C., Ebers listou cerca de 800 substâncias ativas, incluindo metais (chumbo e cobre), venenos animais e diversos tipos de vegetais considerados tóxicos. O papiro de Ebers (medicina egípcia data em 1500 a. C.) descreve o uso de venenos que eram utilizados pelos egípcios em sentença de morte como sementes de amêndoas amargas (morte por Hidrocianeto - HCN). Na Grécia antiga, a cicuta foi muito usada inclusive como substância de eleição para eutanásia legal, permitida pelos jurídicos da época. Sócrates, condenado à morte, foi executado com ingestão de cianeto.

Os venenos, em tempos remotos serviram como meios políticos na eliminação de inimigos. Sabe-se que nas cortes antigas existiam provadores oficiais, na tentativa de evitar-se atentados por substâncias venenosas, sendo que o arsênico era o veneno de eleição. O imperador Nero, na sua loucura tentou assassinar Britânico, filho natural de Cláudio, o qual seria sucessor ao trono de seu pai. A primeira ten-

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tativa não foi coroada de êxito visto que o provador apresentou sintomas após a ingestão do alimento contaminado sugestivo de ingestão de arsênico. Mais tarde, em outra tentativa conseguiu eliminar Britânico ao colocar veneno na água para esquentar a sopa que o provador já havia testado.

Na Idade Média, a arte de envenenar foi se aprimorando. Em Nápoles, no século XVII, Toffana, uma mulher que preparava cosméticos contaminados com arsênico (conhecido o produto como água de Toffana) e cantarina tinha êxito em suas investidas. No século XV, Lucrecia Borges, uma das mais conhecidas envenenadoras da história assim como seu pai, e seu irmão eliminaram com arsênico várias pessoas. Já no século XVII, Marie Medeleine d’Aubray, marquesa de Brinvilliers ganhou notorie-dade por fazer experiências em seres humanos com “vitriolagem” (possivelmente arsênico dissolvido em soda cáustica), anotando as respostas tóxicas para poder com segurança eliminar seus opositores com melhor eficácia (a estas experiências chamamos de toxicologia primitiva).

Contribuíram também para a identificação e classificação de substâncias tóxicas muitos estudiosos do passado, dentre eles Hipócrates (460-364 a. C.), Theophrastus (370-287 a. C.), Dioscorides (40-90 d. C.). Não só houve a identificação de agentes tóxicos como também reconhecimento de determinadas substâncias com fins terapêuticos.

Devemos a Dioscorides a primeira classificação de venenos:

  1. reino animal: venenos de víboras, sapos e salamandras;

  2. reino vegetal: ópio, cicuta, acônio e digitalis;

  3. reino mineral: arsênio, chumbo, cobre e o antimônio.

Estas foram as primeiras substâncias tóxicas conhecidas e classificadas pelo homem.

Já por volta do ano de 1800 começaram a aparecer estudos e métodos que identificavam os venenos com mais técnica, fazendo com que os envenenamentos fossem diminuindo como ação criminosa.

Em face dos inúmeros produtos que estão sendo lançados no mercado, o desenvolvimento tecnológico está evoluindo com mais rapidez, acompanhando o rápido progresso mundial. A isto chamamos de toxicologia moderna.

Em 1974, NIOSH (National Institute of Occupational Safety and Health) dos EUA relacionou cerca de 42.000 substâncias tóxicas;

Em 1978, Loomis estimou em 100.000 o número de compostos químicos.

Atualmente, calcula-se aproximadamente 300.000 compostos químicos empregados em processos industriais.

1.4. Ação dos tóxicos

Os tóxicos podem desenvolver suas classes de ação quando interagem no organismo humano:

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1) Ação local: desenvolvida pelo contato com o tóxico. Chama-se ação química brutal pois altera ou destrói a vitalidade protoplasmática. A ação varia segundo o agente tóxico, isto é, por um álcali ou um ácido. Pode haver destruição ou desorganização dos tecidos atingidos.

  1. a. Álcalis: as substâncias álcalis combinam-se com as proteínas orgânicas formando os proteinatos e com as graxas saponificando-as. Seu poder cáustico deve-se a essa saponificação e seu poder de desidratação.

  2. b. Ácidos: agem por intensa ação local, gerando lesões destrutivas da pele e mucosas. Sua propriedade nociva consiste no poder de coagular as proteínas protoplasmáticas. Os maiores agentes cáusticos que atualmente existem são: os ácidos sulfúricos, os nítricos e os clorídricos. Por seu forte poder desitratante, o ácido sulfúrico desprende um elevado número de calorias com carbonização dos tecidos, levando ao aparecimento de lesões escuras. O ácido nítrico já produz lesões amareladas pela formação do ácido xanto-protéico). O ácido clorídrico provoca escaras secas e presença de sangue com aspecto seco, sólido e friável devido à sua ação de coagular as seroalbuminas.

  3. Ação Geral: desenvolve-se através de seis etapas principais:

  4. a. Penetração: é o ingresso de um tóxico no organismo através das vias de penetração, antecedendo a absorção;

  5. b. Absorção: é a passagem da droga do meio externo para o interno e consequentemente para a intimidade dos tecidos, feita por meio de membranas plasmáticas. Lembramos que nem todos os agentes tóxicos são absorvidos em iguais condições assim como nem todas as vias de penetração e absorção são aptas para todos os venenos. Portanto, temos que considerar a sua solubilidade na via de penetração, de absorção, o veículo que o distribuirá no organismo. Além dos fatores físico-químicos, outras variáveis influem na absorção. Citamos a solubilidade do produto, a concentração da substância, a área da superfície de absorção e a via de administração;

  6. c. Distribuição: Conduzido pelo sangue o agente tóxico se espalha pelos tecidos fixando-se em certos órgãos de sua eleição (quando atinge somente um órgão chamamos de monotropismo, em dois ou mais - politropismo).

Antes da fixação propriamente dita, o agente tóxico é distribuído para todas as estruturas por onde penetrou, por meio da comunicação dos líquidos corpóreos: sangue, líquido intersticial, líquidos celulares e transcelulares, os quais obedecem as leis físico-químicas da difusão dos gases e vapores, as leis da hemodinâmica e suas reações bioquímicas. A distribuição está intimamente relacionada com a maior ou menor capacidade que o agente tóxico possui de atravessar as diversas membranas orgânicas. Como exemplo, alguns compostos se ligam a proteínas plasmáticas, impedindo sua penetração (travessia) por membranas celulares. Quando os agentes tóxicos alcançam um determinado local eles se armazenam em um ou mais pontos em consequências de ligações celulares, dissolução nas gorduras ou de simplesmente transporte ativo. Os metais pesados fixam-se em fâneros e fígado;

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mercúrio e cádmio nos rins; barbitúricos nas hemácias; inseticidas (halogenados) se fixam nas reservas gordurosas; o benzeno na medula óssea; álcool metílico no nervo óptico; os narcóticos nos centros nervosos. A distribuição da maioria dos agentes tóxicos através das membranas obedece as regras de absorção (mesmo no nível das mitocrôndrias - responsáveis pela respiração celular);

  1. Fixação: é a incorporação do agente tóxico nas estruturas...

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