Tráfico internacional de pessoas e a busca da dignidade perdida

AutorLarissa Ramina - Emerson Luiz Laurenti
CargoDoutora em Direito Internacional pela USP. Professora de Direito Internacional Público da UFPR e do Programa de Mestrado em Direitos Fundamentais e Democracia da UniBrasil - Graduado em Direito pela UFPR. Mestrando no Programa em Direitos Fundamentais e Democracia da UniBrasil
Páginas1-17
Revista DIREITO E JUSTIÇA Reflexões Sociojurídicas Ano XIII Nº 20, p. 17-34 Abril 2013
TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS E A BUSCA DA DIGNIDAD E
PERDIDA
INTERNATIONAL HUMAN TRAFFICKING AND THE PURSUE OF T HE
LOST DIGNITY
Larissa Ramina
1
Emerson Luiz Laurenti
2
Sumário: 1 O tráfico de pessoas e suas raízes numa breve
contextualização histórica internacional e nacional. 2 O tráfico transnacional de
pessoas e o Protocolo de Palermo como resposta da comunidade internacional
a esse tipo de delito: contornos conceituais e legais do Protocolo e sua inserção
no ordenamento jurídico brasileiro. 3 O tráfico internacional de pessoas e a
questão intrínseca a ele imbricada: as vulnerabilidades. 4 O tráfico
internacional de pessoas e a ausência de consentimento ou consentimento
viciado. 5 O tráfico internacional de pessoas como negação do ser humano: em
busca da dignidade perdida. Considerações finais. Referências.
Resumo: O presente trabalho aborda a questão do tráfico ilícito de
seres humanos, discutindo as dificuldades conceituais desse delito
internacional e os instrumentos internacionais e nacionais que visam prevenir e
coibir esse tipo de crime. Por fim, enfatiza a concretização material da
dignidade da pessoa humana no plano nacional e internacional como forma de
atenuar as consequências deste crime na vida das vítimas, através da realização
de uma política social por parte dos Estados com vistas à promoção da
dignidade da pessoa humana.
Palavras-Chaves: Direitos humanos. Tráfico internacional de
pessoas. Protocolo de Palermo. Dignidade da pessoa humana. Promoção da
pessoa humana. Mínimo existencial.
Abstract: This paper studies the trafficking in human beings,
discussing the conceptual difficulties of the international crime and the
international and nat ional instruments to prevent and deter this type of crime.
Finally, it emphasizes the material realization of human dignity in the national
and international levels in order to mitigate the consequences of this crime on
the lives of victims, by conducting a social policy by States in order to promote
the human person personality.
Keywords: Human rights. International trafficking in persons.
Palermo Protocol. Human dignity. Promotion of the human person. Minimum
existential.
1
Doutora em Direito Internacional pela USP. Professora de Direito Internacional Público da UFPR e d o
Programa de Mestrado em Direitos Fundamentais e Democracia da UniBrasil.
2
Graduado em Direito pela UFPR. Mestrando no Programa em Direitos Fundamentais e Democracia da
UniBrasil.
Revista DIREITO E JUSTIÇA Reflexões Sociojurídicas Ano XIII Nº 20, p. 17-34 Abril 2013
1 O tráfico de pessoas e suas raízes numa breve contextualização histórica
internacional e nacional
O tráfico de pessoas é práxis historicamente antiga que, desprezando a
condição humana, coloca o ser humano na condição de objeto d e comércio
coisificando a natureza humana dotada de intrínseca dignidade.
Essa condição do ser humano como elemento de comércio remonta à
origem das sociedades antigas, “quando grandes conquistadores, como Alexandre
Magno (35 a. C.) e Gêngis K han (1167-1227), além de conquistarem terras e suas
riquezas se apropriavam de ho mens e mulheres, em especial jovens e bonitos, p ara a
satisfação de ímpetos sexuais”.
3
Com o aparecimento das grandes navegações e novas conqui stas, surgiu
nova e spécie de traficância humana marcada pelo forte preconceito racial, quando
africanos passaram a ser capturados como animais e tor nados objetos de transação
comercial na condição de mão de obra escrava na Europa.
4
No Brasil Colônia e no Brasil Império a prática da traficância humana teve
contornos predominantemente escravagistas, tendo si do assinalada pela forma de
tratamento desumano d o negro traficado para mão de obra nas lavouras de cana-de-
açúcar e café nesse período.
5
À mulher negra traficad a não cabia tão somente trabalhar gratuitamente nas
lavouras, mas também afazeres domésticos na „casa grande e, ainda, a amamentação
das crianças de seus senhores, a satisfação sexual dos senhores de e ngenho e a
iniciação sexual dos jovens,
6
que somente „terminaria’ com a Lei Áurea, de 13 de
maio de 1888.
Esse cenário, todavia, muda radicalmente com a globalização, processo
marcado pelas mudanças econômicas radicais e integração das sociedades
contemporâneas, com ampla circulação de bens, serviços e pessoas ,
7
circundada pela
3
SALES, Lilia Maia de Moraes; ALENCAR, Emanuela Cardoso Onofre de Alencar; RABELO, Cilana
de Moraes Soares; COSTA, Andreia da Silva. A questão do consentimento da vítima de tráfico de
seres humanos. In: CONPEDI, XIV, 2005. Fortaleza: disponível em
sso/050.pdf>. Acesso em 30 maio 2013.
4
GEROMINI, Eduardo. Aspectos jurídicos del tráfico y la trata de trabajadores migrantes. Genebra:
OIT, 2022, p. 3.
5
“Contestar o horror histórico associado à instituição da escravatura, no Brasil, seria uma pretensão
arriscada. Nos conscienciosos e profundos estudos sobre o regime colonial, o Senhor Lisboa (Jornal de
Timom) recorda-nos que “os africanos, como gado ou mercadoria, marcavam-se e carimbavam-se para
não se confundirem uns com os outros...Se cometiam crimes, julgavam-se sem voz, sem forma nem
estrépito de juízo.” O mesmo escritor refere a mortalidade desmesurada dos escravos provenientes das
sevícias, malefícios cruéis e alimentos maus ou insuficientes; e a propósito acrescentava que “não raras
vezes eram “menos numerosos ou fôlegos vivos (assim chamados os africanos) nos engenhos que as
cruzes plantadas em cada sepultura nos cemitérios contíguos.” (in: BASTOS, Aureliano Candido Tavares.
4. ed. São Paulo: Companhia Editorial Nacional, 1975, p. 264)
6
FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala introdução à historia da sociedade patriarcal no Brasil. V.
01, 46. ed. Rio de Janeiro: 2002, p. 148.
7
A globalização é um termo utilizado de muitas maneiras, mas a ideia subjacente principal é a integração
progressiva das economias e a sociedade. É impulsionada pelas novas tecnologias, novas relações
econômicas e as políticas nacionais e internacionais de uma ampla gama de atores, incluindo governos,
organizações internacionais, empresas, trabalhadores e sociedade civil.” (in: Organização Internacional do

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