Os trabalhadores imigrantes no Brasil: a condição de ilegalidade como fator de superexploração

AutorAlyane Almeida de Araújo
CargoTécnica Judiciária do TRT da 21a Região
Páginas36-48

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1. Introdução

A globalização mundial não ficou restrita à circulação de bens e informações; a circulação de pessoas também faz parte desse fenômeno comumente designado para evidenciar o atual nível de intercâmbio além das fronteiras nacionais.

As pessoas atravessam as fronteiras dos seus países por variados motivos - turísticos, sociais, ambientais, por catástrofe natural ou humana. Mas é a busca de trabalho que mais se destaca, especialmente diante das diferenças socioeconômicas entre os países do globo terrestre. O objetivo de melhoria nas condições de vida é comum à maior parte das pessoas que saem do seu país em busca de trabalho.

De acordo com dados da Organização

Internacional para as Migrações - OIM, a mobilidade do trabalho tornou-se uma característica fundamental da globalização e da economia global. Estima-se que 105 milhões de pessoas estão trabalhando em um país diferente do local de nascimento. O ganho econômico dos trabalhadores, em torno de 440 bilhões de dólares, apenas em 2011, ocasiona uma considerável distribuição de renda para os países de origem dessas pessoas, pois dados do Banco Mundial dão conta da transferência de 350 bilhões de dólares do total recebido, na forma de remessas. O organismo internacional adverte, no entanto, que, apesar dos esforços envidados para garantir a proteção dos trabalhadores migrantes, muitos continuam vulneráveis e assumem riscos signii cativos durante o processo de migração1.

A migração laboral é um fato social com variados ângulos de observação científica, que vão desde o aproveitamento econômico até questões de identidade cultural. No presente trabalho, intentamos abordar a inl uência da formalização da situação jurídica do estrangeiro na proteção social dos trabalhadores imigrantes no território do Brasil.

Inicialmente, serão analisados os valores e normas constitucionais que permeiam o princípio da igualdade jurídica entre o brasileiro e o estrangeiro no Brasil, a regulação jurídica para entrada e permanência do estrangeiro no território do Brasil, as críticas feitas a essa regulação, o projeto de lei criado para se adequar aos valores sociais e os atuais requisitos específicos para a concessão de autorizações temporárias e permanentes para trabalho. Em seguida, será feita uma ponderação para se perquirir a relação entre os fatores jurídicos regulatórios e a vulnerabilidade da proteção social do trabalhador imigrante.

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2. A condição jurídica do estrangeiro no Brasil
2.1. Constituição da República Federativa do Brasil

A importância de ressaltar o quadro jurídico da Constituição a respeito do tema reside na relevância do que a sociedade já consentiu sobre o que deve ser considerado na construção de um bem comum social, na perspectiva do Poder Constituinte Originário.

A dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa são fundamentos do Estado Democrático de Direito da República Federativa do Brasil (art. 1º, incisos III e IV, CRFB/88). Além disso, são objetivos fundamentais da Nação a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, incisos I e IV, CRFB/88).

A igualdade entre todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, está estatuída no art. 5º, que também garante aos brasileiros e aos estrangeiros a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Cabe registrar que, embora a letra da Constituição faça referência expressa ao "estrangeiro residente no país", o Supremo Tribunal Federal interpreta esse dispositivo de modo a abranger também a proteção dos estrangeiros não residentes2.

Desse modo, ao trabalhador estrangeiro e ao trabalhador nacional deve ser conferida a mesma proteção social prevista na legislação trabalhista e previdenciária. É claro que, quando se fala no princípio da igualdade entre nacional e estrangeiro, não está a se referir aos casos em que existe disciplina própria na Constituição sobre os cargos privativos de brasileiro nato previstos no art. 12, § 3º (Presidente e Vice-Presidente da República, Presidente da Câmara dos Deputados, Presidente do Senado Federal, Ministro do Supremo Tribunal Federal, da carreira diplomática, de oi cial das Forças Armadas e Ministro de Estado da Defesa).

Como o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser o norteador de todas as interpretações legislativas, por se constituir em fundamento da nossa República, entendemos que o estrangeiro merecedor da proteção estatal não deve ser apenas aquele que atendeu aos requisitos para entrada e permanência no Brasil, mas também aqueles que estão em situação irregular, exatamente porque são os que mais a necessitam.

A posição de que os residentes ilegais são detentores de direitos trabalhistas no Brasil é defendida pela Procuradora do Trabalho Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes, que entende que o acesso ao emprego pode até ser pré-condicionado à regularização, mas, se já houve a prestação de serviços, são devidos os direitos decorrentes do trabalho que o imigrante tenha exercido, inclusive podendo ele optar por ajuizar uma ação perante a Justiça do Trabalho, a fim de buscar o pagamento dos direitos previstos na legislação nacional.

Observe-se a transcrição do seu posicionamento:

Por isso, só se pode concluir que os direitos humanos garantidos pela Constituição de 1988 valem inclusive para estrangeiros não residentes ou residentes ilegais. Só cabe a ressalva quanto ao motivo ensejador da situação concreta que afasta o residente irregular da regularidade administrativa. A admissibilidade da restrição a direitos decorre de que o exercício das liberdades não é independente de eventual atendimento a requisitos legais. Assim, por exemplo, o

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fato do imigrante estar trabalhando informalmente pode privá-lo do direito ao emprego específico caso não seja promovida a sua regularização (e isso para os estrangeiros comuns, pois os mercosulinos têm um status privilegiado, que lhe garantem o direito a qualquer trabalho lícito), mas não pode privá-lo dos direitos decorrentes do trabalho que tenha sido exercido, inclusive de sua tutela jurisdicional, devidamente previstos dentre os direitos e garantias fundamentais no seio da Constituição Federal. Assim, devem ser dei nitivamente afastadas interpretações simplistas do caput do art. 5º, que neguem direitos a estrangeiros considerados "não residentes" pela situação de irregularidade migratória. E toda alteração legislativa que pretenda instituir disparidade de tratamento, terá de ser justificada com base em fundamento que respeite os direitos humanos, os valores de reciprocidade da comunidade internacional, a proibição do retrocesso histórico, a razoabilidade, a proporcionalidade e o direito ao pertencimento de todo cidadão do mundo.3A necessidade de regularidade da condição jurídica para admissão pode ser encontrada no art. 359, da CLT, que determina que nenhuma empresa poderá admitir a seu serviço empregado estrangeiro sem que este exiba a carteira de identidade de estrangeiro devidamente anotada.

Entretanto, a contraprestação pelos serviços já prestados pelo trabalhador imigrante irregular não pode ser obstaculizada diante do princípio da vedação do enriquecimento ilícito pela empresa exploradora da mão de obra.

Entendemos que não deveria ser outra a consideração da proteção social do trabalhador estrangeiro, que é considerada uma pessoa detentora da mesma dignidade que o nacional, e por esta razão é merecedor da tutela protetiva do Estado.

2.2. Requisitos de entrada e permanência do estrangeiro

2.2.1. O que diz o atual Estatuto do Estrangeiro

Cada país regula a abertura das suas fronteiras de acordo com o seu programa político estabelecido em leis. No Brasil, a situação jurídica do estrangeiro é regulada pela Lei n. 6.815/1980, editada na vigência da Constituição anterior à atual.

De acordo com essa lei, as modalidades de visto são: de trânsito, de turista, temporário, permanente, de cortesia, oi cial e diplomático (art. 4º).

Os vistos de trânsito, de turista, de cortesia, oi cial e diplomático são inservíveis aos trabalhadores imigrantes, pois não é permitida a finalidade imigratória, nem intuito de exercício de atividade remunerada. Restam, portanto, os vistos temporário e permanente, a seguir analisados.

O visto temporário pode ser concedido ao estrangeiro que pretenda vir ao Brasil em viagem cultural ou em missão de estudos, em viagem de negócios, na condição de artista ou desportista, estudante, cientista, professor, técnico ou profissional de outra categoria, sob regime de contrato ou a serviço do Governo brasileiro, de correspondente de jornal, revista, rádio, televisão ou agência noticiosa estrangeira, de ministro de coni ssão religiosa ou membro de instituto de vida consagrada e de congregação ou ordem religiosa (art. 13).

No entanto, é vedado o exercício de atividade remunerada ao portador do visto temporário na condição de estudante ou de correspondente de jornal, revista, rádio, televisão ou agência estrangeira, neste último caso,

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se ele for remunerado por fonte brasileira (art. 98). Também é proibido que o portador de visto temporário estabeleça firma individual ou exerça cargo ou função de administrador, gerente ou diretor de sociedade comercial ou civil, bem como inscrever-se em entidade fiscalizadora do exercício de proi ssão regulamentada (art. 99). Essa inscrição somente é permitida, para o portador de visto...

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