O Sistema Trabalhista Brasileiro e a Justiça do Trabalho - Os Desafios da Efetividade

AutorMauricio Godinho Delgado
Ocupação do AutorMinistro do Tribunal Superior do Trabalho. Doutor em Direito (UFMG, 1994) e Mestre em Ciência Política (UFMG: 1980).
Páginas15-21

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Introdução

O sistema trabalhista brasileiro consiste em um conjunto complexo de instituições públicas e privadas, de ramos jurídicos especializados (Direito Individual do Trabalho, Direito Coletivo do Trabalho e Direito Processual do Trabalho, notadamente) e de relações e práticas humanas e sociais na realidade do mundo do trabalho no País.

Os objetivos desse sistema são diversificados, mas claramente harmônicos, visando a realizar importantes princípios, valores e regras da Constituição da República Federativa do Brasil.

Esses objetivos podem ser sintetizados nos seguintes mais notáveis aspectos: organizar o mercado de trabalho no sistema econômico e social; apresentar canais e fórmulas eficientes de solução de conflitos individuais e coletivos; assegurar um patamar mínimo de dignidade e reconhecimento às pessoas humanas que vivem de seu trabalho cotidiano; garantir a presença de civilidade e democratização de poder no contexto das relações trabalhistas que permeiam a sociedade e o Estado.

A compreensão do sistema trabalhista brasileiro, com sua estrutura institucional inerente à sociedade civil - como sindicatos e empresas, por exemplo - e sua estrutura institucional própria à sociedade política - como a Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério do Trabalho e Emprego, ilustrativamente -, consiste em procedimento relevante para se debaterem temas específicos relacionados ao sistema, tal como a conciliação judicial individual e coletiva e formas alternativas de solução de conflitos trabalhistas.

Nesse quadro, o panorama geral do sistema trabalhista brasileiro, com ênfase na Justiça do Trabalho e nos mecanismos de busca da maior efetividade do Direito do Trabalho e do Direito Processual do Trabalho, corresponde ao escopo do presente texto.

Sistema trabalhista brasileiro: caracterização

O sistema trabalhista brasileiro, com se sabe, foi estruturado essencialmente nas décadas de 1930 e 1940, durante as distintas fases do Governo Vargas.

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Não obstante o esforço propagandístico da época no sentido de firmar a imagem da criação espontânea da ordem jurídica trabalhista pelo novo Governo Federal, a verdade é que traduziu, em importante medida, um resultado direto da Revolução de 1930 e consequente derrubada da hegemonia excludente agroexportadora, com o recente peso relativo mais importante dos novos segmentos urbanos vinculados ao mundo do trabalho. Nessa medida, a novel ordem jurídica trabalhista é também expressão de conquista democrática pelos trabalhadores urbanos que, pela primeira vez na História, conseguiram alcançar a construção de políticas públicas incorporando seus interesses.

Inegavelmente a política trabalhista da época também traduz uma significativa dimensão da inova-dora política macroeconômica implementada, com o redirecionamento do país em favor da industrialização e da urbanização, em detrimento do exclusivismo rural interno e externo até então vigorante.

Porém, sem dúvida, a política trabalhista oficial constituía também expressão de racional estratégia política de reforçar segmentos sociais e institucionais distintos das velhas oligarquias agrárias, especialmente a agroexportadora de café, de modo a contrabalançar sua força política recém-combatida e derribada.

Nesse quadro, tal política incorporou ao novo sistema jurídico os diplomas trabalhistas oriundos do período pré-1930 - que não traduziam ainda um conjunto jurídico sistemático, largo e diversificado, reconheça-se -, alargando-lhes a amplitude para todo o segmento urbano das relações empregatícias (menos a fração doméstica, como se sabe).

Nesse contexto histórico multifacetado produziu-se na época obra normativa variada e sistematizada, que daria origem a um conjunto jurídico e institucional claramente diferenciado.

O sistema jurídico trabalhista ostentava alguns pilares fundamentais - principalmente cinco pilares -, a seguir expostos:

  1. uma ordem jurídica legal instituidora e regula- mentadora de direitos sociais, que normatizava os contratos trabalhistas entre empregadores e empregados - além das relações avulsas portuárias -, constitutivos da face mais nova, emergente e avançada da economia do país. O seu Direito Individual do Trabalho era, pois, claramente regulado pela norma jurídica estatal.

  2. um sistema sindical também estruturado normativamente, porém com fortes controles e laços com respeito ao aparelho de Estado. Esses controles se manifestavam no poder interventivo incontrastável e permanente do Ministério do Trabalho na vida sindical, ao passo que os laços estavam presentes quer no interior da organização previdenciária então estruturada, quer mediante a presença leiga na estrutura da recém-criada Justiça do Trabalho.

  3. um sistema judicial de solução de conflitos, seja no plano das relações individuais (as chamadas reclamações trabalhistas), seja no plano das relações coletivas (o singular processo trabalhista denominado dissídio coletivo).

  4. uma estrutura previdenciária fundada nas categorias profissionais, com institucionalizada participação dos dirigentes sindicais no interior de suas direções.

  5. um Ministério do Trabalho, órgão do Poder Executivo Federal, com o papel dirigente do conjunto do sistema, em especial com relação à estrutura e à dinâmica do sindicalismo no país.

Não obstante o caráter autoritário do novo sistema fosse manifesto - em especial pelo controle rigoroso que instituía sobre o sindicalismo -, ele também representava, por outro lado, a primeira fórmula sistematizada de participação e integração das classes trabalhadoras urbanas na vida institucional do país; em síntese, a primeira fórmula sistematizada de integração e participação dos trabalhadores nos objetivos e nos resultados das políticas públicas e nas vantagens materiais e imateriais do sistema econômico em construção no Brasil. Havia, portanto, uma dimensão também inclusiva nesse novel sistema jurídico trabalhista, ao invés de apenas uma dimensão autocrática e unilateral.

A Constituição de 1946, depois de extinta a ditadura, manteve intato o sistema trabalhista, porém reposicionando a Justiça do Trabalho em direção a seu locus próprio, o Poder Judiciário.

Na década de 1960, com as reformas previdenciárias então realizadas (entre os anos de 1960 e 1966), o sistema trabalhista do país sofreu sua primeira grande transformação. Os antigos Institutos de Aposentadorias e Pensões, que ostentavam destacada feição profissional e sindical, foram unificados em um órgão único de caráter público federal, o então INPS (hoje INSS). Com isso eliminaram-se os laços de participação dos dirigentes sindicais na estrutura do

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organismo previdenciário unificado, que passou a se reestruturar sob diretriz estritamente técnica e burocrática, como qualquer órgão específico do Estado1.

A Constituição de 1988, entretanto, é que trouxe as mudanças mais significativas no sistema trabalhista do país.

Em primeiro lugar, elevou o status jurídico dos direitos trabalhistas, enquadrando-os como direitos individuais e sociais fundamentais, de manifesto fundo...

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