Trabalho, classe e capitalismo: sobre a interpretação de Marx por Postone

AutorMozart Silvano Pereira
CargoDoutorando em Teoria e Filosofia do Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná
Rev. Direito Práx., Rio de Janeiro, Vol. 11, N.02, 2020 p. 997-1028
Mozart Silvano Pereira
DOI: 10.1590/2179-8966/2019/36759| ISSN: 2179-8966
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Trabalho, classe e capitalismo: sobre a interpretação de
Marx por Postone
Labour, class and capitalism: on Postone’s interpretation of Marx
Mozart Silvano Pereira1
1 Universidade do Estado d o Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail:
mozartsp@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0607-5578.
Artigo recebido em 16/08/2018 e aceito em 28/05/2019.
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Rev. Direito Práx., Rio de Janeiro, Vol. 11, N.02, 2020 p. 997-1028
Mozart Silvano Pereira
DOI: 10.1590/2179-8966/2019/36759| ISSN: 2179-8966
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Resumo
O presente artigo apresenta uma análise crítica acerca da interpretação do pensamento
de Karl Marx realizado pelo autor canadense Moishe Postone em sua obra Tempo,
trabalho e dominação social. A discussão centra-se na maneira pela qual Postone
reconstrói de maneira peculiar a crítica da economia política marxiana - principalmente
os conceitos de trabalho, classe e suj eito - e como, ao fazê-lo, o auto r cria impasses e
incoerências na sua tentativa de renovar a teoria crítica de Marx.
Palavras-chave: Marx; Postone; Trabalho; Classe; Capitalismo.
Abstract
This article presents a critical analysis about the interpretation of the thought of Karl
Marx conducted by Canadian author Moishe Postone in his work Time, Labor and Social
Domination. The discussion centers on the way in which Postone reconstructs in a
peculiar way the critique of Marxian political economy - mainly the concepts of labor,
class and subject - and how, in doing so, the author creates impasses and inconsistencies
in his attempt to renew Marx’s critical theory.
Keywords: Marx; Postone; Labor; Class; Capitalism.
Rev. Direito Práx., Rio de Janeiro, Vol. 11, N.02, 2020 p. 997-1028
Mozart Silvano Pereira
DOI: 10.1590/2179-8966/2019/36759| ISSN: 2179-8966
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Introdução1
Não é segredo que a última década do século XX marcou um período de severas
dificuldades para o legado de Marx. O contexto da dissolução da União Soviética, aliado
ao alastramento da heg emonia neoliberal pelo mundo criou um cenário onde o
capitalismo parecia reinar inconteste e no qual a teoria social de Marx tornou-se
profundamente desacreditada e impopular. O fim dos regimes políticos que se
identificavam oficialmente com Marx marcou uma sér ia crise do marxismo, que, ao
longo dos anos noventa, viu sua força na batalha das ideias desaparecer ao mesmo
tempo em que se fortaleciam discursos como o do "fim da história" de Fukuyama ou o
da morte das metanarrativas proposta pelo pós-modernismo lyotardiano2.
Assim, em uma época em que se tornou comum anunciar Marx como um
pensador equivocado ou, na melhor das hipóteses, obsoleto, é digno de nota o esforço
teórico elaborado no sentido de resgatar o potencial da crítica marxiana e defender sua
atualidade feito por Moishe Postone em sua ob ra Tempo, trabalho e dominação social,
de 1993 (porém só em 2014 traduzida ao português). Postone, ao invés de abandonar
seu referencial teórico com base em Marx em direção a alternativas como o pós-
marxismo ou o "giro linguístic o" como muitos de sua geração fizeram, apresentou nessa
obra um estudo profundo dos textos marxianos tendo como objetivo demonstrar a
pertinência da crítica da economia po lítica enquanto uma teoria da dominação social,
uma empreitada intelectual por si só meritória.
A obra de Postone, no entanto, não consiste em uma simples releitura ou um
aprofundamento sobre Marx, pois a sua reinterpretação da análise marxiana sobre o
capitalismo visa romper fundamentalmente com as linhas mestras daquilo que ele
denominou de "marxismo t radicional". Nesse ponto a elaboração teórica postoniana
revela-se perfeitamente como um fruto de sua época: Postone defende a teoria de Marx
como indispensável para a compreensão da realidade social em um momento de forte
descrédito do marxismo; contudo, ao mesmo tempo, ele procede de m odo a remover
do instrumental categorial de Marx todos aqueles elementos que a seu ver poderiam,
ainda que vaga e indefinidamente, vincular o legado marxiano à experiência histórica do
1 Agradeço a Allan Hillani, Yuri Campagnaro, Vitor Dieter e Guilherme Leite Gonçalves pelas contribuições
com a leitura, debate e crític a das ideias que se encontram nesse arti go. A responsabilidade pelo conteúdo,
contudo, é tão somente deste autor.
2 Sobre esse tema, ver Hobsbawm (2011) e Therborn (2012).

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