Trabalho da mulher

AutorGeorgenor de Sousa Franco Filho
Ocupação do AutorDesembargador do Trabalho de carreira do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região
Páginas301-314

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1. Evolução histórica

A mulher sempre foi vista como produto do homem, como subserviente, como patrimônio de seu senhor maior. Sexo frágil, como por longo tempo se costumou dizer, ligou-se sempre ao lar, às atividades caseiras, à vida doméstica, e, por isso, por sua presumida debilidade física, foi considerada mão de obra secundária1. Consta dos livros sagrados que Deus, expulsando os seres viventes que criara no Jardim do Éden, dirigiu-se à mulher, dizendo: multiplicarei sobremodo os sofrimentos da tua gravidez; em meio de dores darás à luz filhos; o teu desejo será para o teu marido e ele te governará (Gn. 3.16). Pelo texto sagrado, vê-se que, à luz da religião, se iniciou com o surgimento da espécie a discriminação que iria caminhar séculos e atravessar milênios.

Na antiga Roma, a mulher, qualquer que fosse a sua situação, estava sempre submetida a um poder; se era solteira, alieni júris submetia-se à patria potestas; se era casada cum manu, impunha-se-lhe a manus maritalis; sendo solteira, sui juris, ou viúva, ficava sob a tutela permanente2, o que lhe gerava uma incapacidade de fato, que só se atenuou com o fim da República e o começo do Império (Ulpiano e Gaio)3.

Essa situação persistiu ao longo da Idade Média, e, com a Revolução Industrial, a partir do surgimento da máquina a vapor, esta serviu para equilibrar o desnível existente entre o homem e a mulher, porque menor a força física a ser despendida, iniciou-se o processo de exploração do trabalho da mulher, como na Alemanha, onde cumpria jornadas absurdas de dezessete horas/dia.

No século XIX, surgiram as primeiras normas de proteção da mulher. Na Inglaterra, a 19 de agosto de 1842, o Coal Mining Act limitou em doze horas o seu trabalho e proibiu-lhe o noturno na faixa dos dezoito aos 35 anos; e, em 1878, o Factory and Workshop Act vedou-lhe o trabalho insalubre e perigoso.

Na França, várias leis seguiram os passos ingleses: a de 19 de maio de 1874, proibindo o trabalho em minas e pedreiras e o noturno à mulher menor de 21 anos; a de 2 de novembro de 1892, limitando a jornada em onze horas; a de 31 de dezembro de 1900, introduzindo cadeiras nas empresas conforme o número de mulheres; a de 28 de novembro de 1909, garantindo repouso não remunerado às mulheres grávidas e proibindo-lhes de carregar objetos pesados; os decretos de 21 de junho de 1913, vedando o trabalho na parte exterior das lojas, e de 21 de abril de 1914, proibindo o trabalho em confecção e distribuição de escritos e objetos de circulação vedados por lei penal porque contra os bons costumes.

Na Alemanha, o Código Industrial de 1891 indicou medidas para proteger o trabalho da mulher, e a Constituição de Weimar, de 11 de agosto de 1919, igualou o seu trabalho ao do homem (art. 119, 1ª parte) e protegeu a maternidade (arts. 119, in fine, em 161).

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No Brasil, a primeira norma escrita sobre a situação da mulher obreira, altamente protecionista, foi o Decreto n. 21.417-A, de 17 de maio de 1932, decorrente de projeto do então Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio Lindolfo Collor, projeto esse que consulta as exigências primordiais do amparo ao trabalho feminino no Brasil4. Aliás, na exposição de motivos ao Chefe do Governo Provisório, Collor analisa o trabalho da mulher no início da década de 30, registrando que

os salários, as condições e o horário de trabalho variam, não só de atividade como, também, de região para região. Reduzido a £ 800 no extremo norte, nos castanhais ou na separação de sementes oleaginosas, o trabalho feminino tem remuneração que chega a ser dez vezes menor nas fábricas do centro do país, predominando, em regra, o dia de oito horas de trabalho5.

A partir do século XIX, cada Estado passou a se preocupar internamente com o trabalho da mulher, fundado em dois aspectos: o fisiológico e o social. O primeiro decorreria de uma presumida menor resistência física da mulher, porque os biólogos e fisiologistas demonstram que a mulher, em confronto com o homem, possui menor resistência a trabalhos extenuantes, por isso recomendam cautelas do ponto de vista físico e espiritual6. O segundo derivaria da defesa da família, fundamento de caráter moral e de maior importância que o primeiro, tendo Pio XI destacado o papel da mãe de família em trabalhos domésticos como responsável pelo lar7.

Ambos os fundamentos parecem superados hodiernamente, restando a necessidade de proteger a mulher na maternidade, sobretudo porque os movimentos modernos, geralmente conhecidos como feministas, mudaram a visão das medidas protetoras da mulher de discriminatórias para tuitivas, restando, em boa parte, superados os raciocínios de sua inferioridade.

Com efeito, indiscutivelmente, hoje, somente nos três momentos da maternidade (gravidez, parto e amamentação) é que se pode falar em tratamento discriminatório preferencial favorecendo a mulher.

2. Proteção do trabalho da mulher
2.1. No direito internacional

A Convenção de Berna (1906) protegia a mulher contra condições excessivamente duras de trabalho, especialmente na maternidade. O Tratado de Versalhes (1919) previa igualdade de salário e de trabalho (parte XIII, VII), além do estabelecimento de serviços de inspeção do trabalho com mulheres, a fim de assegurar a proteção do trabalhadores (IX). Foram os primeiros expressivos passos do Direito Internacional a fim de proteger a mulher.

A Carta das Nações Unidas (1945) afirma, logo no início da parte dispositiva, a igualdade entre homens e mulheres como um dos propósitos da Organização (art. 1º, 3), mediante o respeito aos direitos humanos sem distinção de sexo (art. 55, c), extensivo inclusive aos antigos territórios em regime de tutela (art. 76, c).

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) (1948) proclama a igualdade de todos perante a lei (art. 7), proíbe a distinção por sexo (art. 2º, 1), declara que homem e mulher fundam a família com iguais direitos com relação ao casamento (art. 16, 1) e reconhece a isonomia salarial (art. 23, 2).

Os Pactos de Direitos Humanos de 1966 seguem a mesma linha, com a vantagem de possuírem a força vinculante que a Declaração de 1948 não tem e terem, ambos, sido ratificados pelo Brasil, donde consideram-se leis internalizadas. O de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais reconhece a igualdade entre homem e mulher em todos os direitos que contempla (art. 3º), inclusive salários (art. 7º, a, i), protegendo a maternidade (art. 10, 2), inspirado em algumas Convenções Internacionais do Trabalho. O de Direitos Civis e Políticos garante direitos sem discriminação por sexo (arts. 2º, 1, e 3), devendo a lei coibir qualquer distinção dessa natureza (art. 26).

Na América, a Carta da Organização dos Estados Americanos (Bogotá, 1948) adota o princípio da igualdade entre seres humanos sem distinção de sexo (art. 43, a), ao tratar das normas sociais. A Declaração Americana dos

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Direitos e Deveres do Homem (Bogotá, 1948) iguala mulher e homem (art. 2º) e protege a gravidez e a amamentação (art. 7º). O Pacto de San José da Costa Rica proíbe discriminação por sexo (art. 1º, 1), igualando homem e mulher no que tange à proteção da família (art. 17, 2 e 4).

A Carta Social do Conselho da Europa consagra a igualdade de remuneração (art. 4º) e protege a maternidade (gestação, parto e amamentação) (art. 8º). Na União Europeia, o Tratado de Roma (1951) adota o princípio da igualdade de remuneração (art. 119), decorrente de proposta apresentada pela França, a respeito do qual Lyon--Caen e Lyon-Caen assinalam a existência de uma tendance persistante à n’appliquer le principe d’égalité qu’aux fonctions mixtes non aux emplois purement feminis8. Duas diretivas adotadas no âmbito da União Europeia são importantes: a Diretiva n. 75/117, de 10 de fevereiro de 19759, e a n. 76/207, de 9 de fevereiro de 197610, esta proibindo discriminação para acesso a emprego e para dispensa e objetivando a proteção de trabalhos de igual valor e não somente nas funções mistas, além de permitir o acesso de mulheres ao Tribunal de Justiça da União Europeia11.

No âmbito da OIT, a Declaração da Filadélfia, de 10 de maio de 1944, afirma que por sexo não haverá distinção para que todos tenham direito a bem-estar material e desenvolvimento espiritual em condições de liberdade e dignidade, de segurança econômica e em igualdade de oportunidades (art. II, a).

São várias as Convenções12 e Recomendações Internacionais do Trabalho13 que cuidam da proteção do trabalho da mulher nos vários ramos da atividade, abordando igualdade de acesso ao trabalho, trabalho noturno,

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insalubre e perigoso, jornada de trabalho e proteção à mulher: a genérica, quando trata de jornada e horário de trabalho, e a específica, quando cuida de gravidez, maternidade e proteção ao parto14.

2.2. No direito comparado

Basicamente, a preocupação com o trabalho da mulher gira em torno da igualdade salarial e da proteção à maternidade.

O preâmbulo da Constituição francesa de 1946 assegura a igualdade que no Code du Travail aparece, v. g., na remuneração (art. L. 140-2), afora contemplar a proteção à maternidade (art. L. 122-25). As mudanças da Lei n. 83-635, de 13 de julho de 1983, afirmaram a igualdade no exercício de atividade profissional (art. L. 123-1) e impediram que, nas negociações coletivas, fossem introduzidas cláusulas que obstassem a igualdade de oportunidade às mulheres (art. L. 123-2).

Na Itália, pela Constituição de 1948, homens e...

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