O trabalho da mulher e os impactos advindos da reforma trabalhista

AutorCarolina Tupinambá
Páginas154-161

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Carolina Tupinambá 1

Introducto

O presente estudo tem por objetivo pontuar institutos e direitos trabalhistas das mulheres impactados com o advento da Lei n. 13.467/17 e posteriormente, da Medida Provisoria n. 808/17 - Reforma Trabalhista. Dentre eles, os principais: (I) instituto de multa em razao de discriminacao de sexo; (II) novos perfis contratuais de trabalho com possi-bilidade de melhor acomodacao ás necessidades femininas; (III) supressao do intervalo de 15 minutos de descanso antes da realizacao de horas extraordinárias; (IV) regulamenta-cao de requisitos para admissao de trabalho em condicóes insalubres durante a gravidez e lactancia; (V) flexibilizacao do intervalo para amamentacao; e (VI) reconhecimento da licenca maternidade como direito indisponível.

Instituicao de multa em razao de discri-minacao de sexo

O combate á discriminacao contra as mulheres é bandeira permanente levantada pelos que tem interesse em testemu-nhar um direito do trabalho justo e inclusivo. A busca pela igualdade de direitos e oportunidades para homens e mu-lheres é um mal que ainda assombra a sociedade brasileira2.

Na Convencao n. 111, no artigo 1º, item "a" e "b", a Organizacao Internacional do Trabalho (OIT) define discri-minacao como:

Toda distincao, exclusao ou preferencia fundada na raca, cor, sexo, religiao, opiniao política, ascendencia nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissao;

Qualquer outra distincao, exclusao ou preferencia que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de em-prego ou profissao que poderá ser especificada pelo Membro interessado depois de consultadas as orga-nizacóes representativas de empregadores e traba-lhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados3.

A discriminacao costuma ser classificada como direta ou indireta, podendo, inclusive, acontecer antes, durante e depois do pacto laborativo. A discriminacao direta ocorre explicitamente pelos atos e palavras utilizadas pelo comitente seja pela característica, estado civil, cor, sexo etc, en-quanto a indireta dá-se de forma camuflada, sendo difícil sua comprovacao4.

No que tange á tutela da protecao das mulheres, no plano internacional, merece destaque a Resolucao n. 34/180, a qual aprovou a Convencao sobre a Eliminacao de Todas as Formas de Discriminacao contra a mulher, de 18 de de-zembro de 1979. A vigorosa norma internacional define:

Para fins da presente Convencao, a expressao 'dis-criminacao contra a mulher' significará toda distin-cao, exclusao ou restricao baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, económico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo5.

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A referida Convencao garantiu o reconhecimento de diversos direitos, com destaque aos seguintes: igualdade entre homens e mulheres nas esferas política, social, familiar e económica, bem como tratamento isonómico em relacao aos direitos referentes á capacidade civil, á segu-ridade social, á nacionalidade, á saúde, á habitacao e ás condicóes de vida adequada6.

No plano interno, a Constituicao de 1988 representou grande marco jurídico no que tange á institucionalizacao dos direitos humanos e da democracia no país, proclamando direitos específicos das mulheres.

Dispositivo com grande repercussao na igualdade de sexo e genero é o artigo 226, § 5º, que garante a igual-dade entre homens e mulheres no ambito da família, superado o vetusto entendimento de que o homem, por sua forca física, capacidade de lideranca, determinacao e racionalidade seria o provedor e protetor da família e da sociedade como um todo, enquanto a mulher seria sub-missa ás vontades de seu "amo", bem como aos cuidados da casa e dos filhos7, daí o contexto da expressao "dona de casa" á mulher, e, aos homens, por sua vez, "chefe de família". Pode-se dizer que, desde 1988 foi rompido, ao menos no aspecto formal, o entendimento de que o homem seja superior á mulher.

O artigo 7º, XXX, por sua vez, dispóe sobre o incentivo da mulher no mercado de trabalho, isto é, trata da proi-bicao de discriminacao contra a mulher no mercado de trabalho por motivo de sexo ou estado civil e encontra-se regulamentado pela Lei n. 9.029/95. A referida norma, logo em seu artigo 1º disciplina que é "proibida a adogao de qualquer prática discriminatoria e limitativa para efeito de acesso á relagao de trabalho, ou de sua manutengao, por motivo de sexo, origem, raga, cor, estado civil, situa-gao familiar, deficiencia, reabilitagao profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de pro-tegao á crianga e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituyo Federal".

A Lei n. 9.029/1995 também proíbe a exigencia de atestados de gravidez e esterilizacao, e outras práticas discri-minatórias, para efeitos admissionais ou de permanencia da relacao jurídica de trabalho. O artigo 7º, XX da Carta segue o mesmo viés, tendo sido regulamentado pela Lei n. 9.799/99 que preve, dentre outros valores, protecao especial á mulher no mercado de trabalho mediante incentivos específicos, planejamento familiar como uma livre decisao do casal e dever do Estado em proporcionar recursos científicos e educacionais, conforme artigo 226, § 7º da CF, regulamentado pela Lei n. 9.263/96.

Nesse mesmo sentido, a CLT dispóe em diversos artigos normas de protecao á mulher, a exemplo do artigo 5º que garante que todo o trabalho de igual valor tenha contra-prestacao igual, sem distincao de sexo; do caput, do artigo 461 que anuncia que sendo identica a funcao, a todo tra-balho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distincao de sexo; e, ainda, do artigo 76 incisivo ao determinar que o pagamento do salário mínimo nao possa estabelecer distincóes quanto ao sexo feminino.

Nao obstante todos esses comandos normativos proteti-vos, no campo fático, persistem as diferencas salariais e a discriminacao contra o sexo feminino8.

Neste contexto, a Lei n. 13.467/17 estabeleceu que, comprovada discriminacao em razao de sexo ou etnia, será devido o pagamento de diferencas salariais somadas á multa em favor do empregado discriminado no valor de 50% (cinquenta por cento) do limite máximo dos benefí-cios do Regime Geral de Previdencia Social, nos termos do artigo 461, § 6º, da CLT, transcrito abaixo:

Art. 461. Sendo identica a funcao, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabeleci-mento empresarial, corresponderá igual salário, sem distincao de sexo, etnia, nacionalidade ou idade.

§ 6º No caso de comprovada discriminacao por motivo de sexo ou etnia, o juízo determinará, além do pagamento das diferencas salariais devidas, multa, em favor do empregado discriminado, no valor de 50% (cinquenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdencia Social.

A intencao do legislador deve ter sido positiva. Todavia, o valor módico estabelecido pela lei a cargo do infrator parece deveras inferior ao estágio de desenvolvimento, tendo em vista que o limite máximo atual dos benefícios do Regi-me Geral da Previdencia Social corresponde a R$ 5.531,31.

Ora, a multa deve ter por condao estabelecer caráter punitivo e pedagógico a quem descumpre o preceito legal, isto é, neste caso, tem por objetivo principal o de impedir que o empregador reincida em práticas discriminatórias. Seria mais interessante, neste escopo, que o Judiciário pudesse, portanto, majorar a penalidade, a depender da hipótese concreta e das características das partes.

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Ademais, o legislador foi omisso quanto a hipótese de reincidencia, nao dispondo qual seria a consequencia se o empregador, novamente, tornasse a cometer discrimina-cao em razao do sexo.

O Ministério Público do Trabalho tem tido participa-cao ativa na luta contra a discriminacao e igualdade entre mulheres e homens. Em 28.10.2002 foi criada a Coordenadoria Nacional de Promocao de Igualdade de Oportunidades e Eliminacao da Discriminacao no Traba-lho - COORDIGUALDADE, por meio da Portaria n. 273, de 28 de outubro de 2002, que tem como objetivo definir estratégias coordenadas e integradas de política de atuacao institucional no combate á exclusao social e á discriminacao no trabalho, fomentando a troca de experiencias e discussóes sobre o tema. Tal iniciativa deve ser aplaudida pois contribui com a promocao da igualdade entre os generos.

Novos perfis contratuais de trabalho com possibilidade de melhor acomodacao ás necessidades femininas

O advento da Lei n. 13.467/17 e posteriormente, da Medida Provisória n. 808/17, também poderá impactar as formas de contratacao de mulheres, ampliando oportunidades mais confortáveis.

Trabalhadoras modernas, muitas das vezes, exercem dupla jornada de trabalho, qual seja, dividem-se entre as obrigacóes derivadas de um contrato de trabalho tradicional e aquelas próprias da maternidade e da gestao das atividades domésticas. De acordo com Agencia Brasil, as mulheres exercem, em média, 7,5 horas a mais de traba-lho que os homens, em razao da dupla jornada9.

Com a edicao da Lei n. 13.467/2017 abrem-se espacos de melhor acomodacao dessas...

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