O Trabalho Enquanto Esfera do Reconhecimento

AutorMaria Cecília Máximo Teodoro
Ocupação do AutorPós-Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de Castilla-La Mancha com bolsa de pesquisa da CAPES
Páginas19-25

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O Direito, amplamente enfocado e à luz de sua dimensão finalística, só tem sentido de ser se considerarmos o homem que vive e convive com seu semelhante, pois é para regrar os seus atos que o Direito é construído.

Das relações entre os homens brotam conflitos dos mais diversos, sejam nas relações pessoais, sociais e contratuais. Uma vez gerando desavenças e descontentamentos para uma ou ambas as partes, as controvérsias necessitam de solução.

O tema do conflito social nos remete ao do reconhecimento as relações de trabalho. A luta pelo reconhecimento, segundo o filósofo e sociólogo alemão Axel Honneth, faz parte da tradição da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt e se desenvolve a partir do conceito hegeliano de reconhecimento, pela qual a formação do indivíduo constitui-se pelo valor simbólico ocupado em sociedade.

A teoria do reconhecimento, a partir dos apontamentos de Axel Honneth, indica uma via de interpretação crítica dos processos de evolução social, na qual as qualidades intersubjetivas são tidas como um conjunto de pressupostos que transportam à finalidade da auto-realização dos indivíduos, em que o estado último beire um conceito expansivo de moral1. Por isso, pela teoria deste autor, como subsídios ao estudo das lutas sociais são ressignificados conceitos de identidade, reconhecimento, direitos e deveres, todos afluindo para uma análise consistente sobre a dignidade dos sujeitos e para a materialização do que ele chama de etici-dade. Aqui nos parece possível perquirir também a ressignificação do Direito do trabalho enquanto esfera de reconhecimento.

Honneth embasa a ideia de reconhecimento em três tipos de relação: as primárias, guiadas pelo amor; as jurídicas, pautadas por leis; e a esfera da solidariedade,

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para nós guiada principalmente pelo trabalho, no qual os indivíduos mostram-se valiosos para a coletividade2. Essa divisão tripartite das relações sociais aparece também em outros autores, tanto na filosofia social quanto na sociologia e é a partir dela que Honneth redesenha o conceito de eticidade.

A dimensão inicial parte do campo privado e para o Honneth refere-se ao amor. O autor alerta que ao tratar-se desta dimensão “recomenda-se primeiramente um modo de emprego neutro o máximo possível: por relações amorosas devem ser entendidas aqui todas as relações primárias, na medida em que elas consistam em ligações emotivas fortes entre poucas pessoas”.3Nesta dimensão pioneira os sujeitos encontram-se em uma relação simbiótica, sem limite de individualidade. Existe tão-somente uma unidade que abriga os dois sujeitos. Em um processo de relativa independência desses parceiros de interação social é que surge a autoconfiança, no caso, quando se inicia o experimento de uma existência embrionária de confiança no outro, além de um sentimento mútuo, tido como componente indispensável para o reconhecimento por meio da dimensão jurídica.4A autoconfiança é o alicerce de todas as relações entre adultos e segundo a teoria do reconhecimento, ela só pode ser adquirida por meio de um experimento recíproco de amor e respeito com o outro. Para Honneth a dimensão inicial de reconhecimento é o núcleo fundamental da moralidade e em razão disso é responsável também pela boa participação do indivíduo na vida pública.

Segundo Honneth, cada dimensão de reconhecimento nas relações sociais possui formas contrárias correspondentes. Na dimensão do amor, os contrários correspondentes são os maus tratos e a violação, pelos quais deixa-se de experimentar a confiança recíproca e a autoconfiança para vivenciar o que Honneth chama de lesões psíquicas, ou experiências de desrespeito. Nesta forma de desrespeito, o componente da personalidade que é atacado é a integridade psíquica, isto é, o autorrespeito que cada pessoa possui de seu corpo.5Por outro lado, se o reconhecimento dá-se de maneira adequada, ainda na primeira dimensão, tem-se as condições teóricas e práticas para o desenvolvimento

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da esfera de reconhecimento jurídico com o desenvolvimento do autorrespeito. Na dimensão jurídica de reconhecimento, a dignidade humana torna-se o núcleo basilar e aestima dos indivíduos enquanto sujeitos de direitos ganha especial relevo.

Honneth comenta as primeiras anotações de Mead sobre o reconhecimento jurídico, já que na época dos escritos daquele deste autor, a dimensão de reconhecimento jurídico possuía reduzido conteúdo normativo, posto que estritamente vinculada a organização social definida pela divisão do trabalho, o qual não estava subordinado ao homem e à sua dignidade. Para Honneth, torna-se então mais apropriado fixar a dimensão do reconhecimento jurídico através da participação dos sujeitos na formação da vontade coletiva, por meio de contribuições no horizonte normativo, o que possibilita que os homens desenvolvam o respeito a si mesmo, porquanto pertencentes ao respeito atribuído aos seus parceiros de interação6.

Vê-se aqui a importância da emancipação humana, que pode e deve ser bali-zada pelo trabalho, já que importante...

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