Trabalho escravo contemporâneo sob a perspectiva do meio ambiente do trabalho degradado

AutorCamilla de Lellis Mendonça
Páginas47-69
Escritos Sobre Trabalho Escravo Contemporâneo
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TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO SOB A PERSPECTIVA DO MEIO
AMBIENTE DO TRABALHO DEGRADADO
Camilla de Lellis Mendonça
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Resumo: O Trabalho Escravo Contemporâneo é instrumento de medida
negativa do desenvolvimento humano de um país, sobretudo no que se refere
ao conceito do trabalho decente. O presente estudo teve como objetivo avaliar
as condições do meio ambiente de trabalho urbano frente ao modelo
escravista, bem como problematizar de que maneira a violação aos direitos
humanos contribui para a sua degradação. Por meio de pesquisa bibliográfica
e documental, demonstramos a afronta aos preceitos constitucionais, o que
reforça a importância de elaboração de novas diretrizes para o enfrentamento
desta questão.
Palavras-chave: Trabalho escravo contemporâneo urbano. Meio ambiente do
trabalho. Direitos humanos. Trabalho decente.
1 Introdução
De acordo com o Código Penal Brasileiro, em seu artigo 149, o trabalho
escravo é caracterizado como aquele que “submete o indivíduo a trabalhos
forçados ou jornada exaustiva, sujeitando-o a condições degradantes de
trabalho ou restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de
dívida contraída com o empregador ou preposto” (BRASIL,1940). Segundo a
Organização Internacional do Trabalho (OIT), o trabalho forçado ou obrigatório
é definido como sendo “o serviço exigido de um indivíduo mediante ameaças
ou pena qualquer e para o qual o indivíduo não se oferece voluntariamente”
(C029..., 2017).
Na visão de Sento-Sé (2001, p. 2), o trabalho escravo contemporâneo é
conceituado como
1
Advogada trabalhista graduada pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail:
camilla.lellis@gmail.com
Escritos Sobre Trabalho Escravo Contemporâneo
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aquele em que o empregador sujeita o empregado a condições de
trabalho degradantes, inclusive quanto ao meio ambiente em que irá
realizar sua atividade laboral, submetendo-o, em geral, a
constrangimento físico e moral que vai desde a deformação do seu
consentimento ao celebrar o vínculo empregatício, passando pela
proibição imposta ao obreiro de resilir o vínculo quando bem
entender, tudo motivado pelo interesse mesquinho de ampliar os
lucros às custas da exploração do trabalhador.
Essa nova configuração dada à escravidão contemporânea frente ao
modelo colonial, em que comumente vêm à mente o tráfico negreiro,
pelourinhos e todo o tipo de violência física e psíquica promovida como
caráter exemplar aos outros escravos, mascarou por décadas a realidade de
que a abolição da escravatura não ocorreu de fato em 1888, por meio da Lei
Áurea. Nesse sentido, após o decreto essa lei, em um primeiro momento, a
zona rural continuou sendo palco do trabalho escravo remodelado
(GIRARDI et al., 2016), haja vista que o Brasil é um país historicamente marcado
pela questão agrária.
Adicionalmente à ligação entre trabalho escravo e questão agrária
atuais, esta relação também é histórica e está alicerçada na forma
extremamente concentradora (de poder e terra) e altamente
exploradora do trabalho no campo que configura a questão agrária
brasileira. (GIRARDI et al., 2016, p. 2).
Todavia, hoje, o trabalho escravo contemporâneo não se restringe ao
meio rural e não faz distinção de cor ou nacionalidade. Conforme será
demonstrado adiante, trata-se um fenômeno que tem crescido
substancialmente nas áreas urbanas (ACOMPANHE..., 2016) e que abarca a
população pobre, seja ela pertencente a qualquer etnia, nacional ou
estrangeira. Nesse sentido, os principais alvos dos aliciadores são
trabalhadores brasileiros com baixíssima instrução (SMARTLAB, 2017), bem
como os imigrantes, em especial os bolivianos (PATUSSI, 2005).
As vítimas do trabalho escravo contemporâneo não têm sua liberdade
de ir e vir tolhida por açoites, como ocorria à época da escravidão negra, mas
por superendividamento, ameaças, servidão, dependência química provocada
pelos donos das propriedades e violência nas mais variadas formas. Esses
trabalhadores em condição análoga à de escravo, têm seus direitos humanos
severamente afrontados e são inseridos em um meio ambiente do trabalho

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