Trabalho escravo: estudo comparado entre Brasil, Colômbia e Uruguai

AutorMaria Cecília Máximo Teodoro/Márcio Túlio Viana/Cleber Lúcio De Almeida/Sabrina Colares Nogueira
Páginas200-207

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Apresentação

O trabalho escravo contemporâneo afeta trabalhadores diversos ao redor do mundo, alcançando 21 milhões de pessoas, segundo dados da OIT. Especificamente em relação à América Latina, a diferença entre conceitos impacta a proteção juslaboral e penal daqueles que são submetidos a essas condições. Considerando que a prática tem, muitas vezes, conexão intrínseca ao tráfico de pessoas entre os países latino-americanos, mostra-se necessária a análise do conceito de trabalho escravo em alguns desses países. No Brasil, o art. 149 do Código Penal traz hipóteses amplas e já bem definidas na doutrina e na jurisprudência sobre o tema, que é utilizado pela Justiça do Trabalho para prolatar sentenças condenatórias por danos morais individuais e coletivos. Recentemente, o Uruguai se destacou negativamente na lista da organização Walk Free, especificamente na indústria do reflorestamento, sendo considerado o quinto maior explorador de trabalho escravo na América Latina no Índice Global da Escravidão (The Global Slavery Index). A Colômbia, por sua vez, exporta trabalhadores em condições análogas para países como Espanha, Equador, Argentina, Japão, Chile e China. Interessante notar as diferenças no perfil dos trabalhadores submetidos à essa prática nos três países. Enquanto Brasil e Uruguai exploram majoritariamente homens adultos, a Colômbia tem como perfil de trabalhador escravizado as mulheres jovens, estimando-se um total de 2 milhões de colombianas vivendo fora do país nessas condições. A análise da legislação e de dados de cada um desses países será, portanto, objeto do artigo, visando a promover melhor entendimento sobre as diferenças e semelhanças do trabalho escravo na América Latina.

1. Introdução

No mundo, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), estima existirem 21 milhões de pessoas submetidas ao trabalho forçado (OIT, 2012). Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a submissão, no Brasil, atinge cerca de 40 mil indivíduos (CAMPANHA..., 2013). Ressalte-se que tanto a OIT quanto a CPT entendem por trabalho escravo apenas aquele em que há o cerceamento do direito de liberdade, de modo que tais dados dizem respeito apenas ao trabalho forçado.

O conceito brasileiro abrange, além do trabalho forçado e da servidão por dívidas, a submissão do trabalhador a condições degradantes e jornada exaustiva. O estudo comparado dessa definição mostra-se necessário, como forma de unir os entendimentos na perspectiva latino-americana.

Cumpre ressaltar que o trabalho em condições análogas à escravidão é vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro — encontrando-se seus proibitivos em diversos artigos da Constituição (ver arts. 1º, caput, e incisos III e IV; 3º; 4º; 5º, caput, e incisos III, X, XIII, XV, LXVII e § 2º; 170, BRASIL, 1988). Na seara internacional, inúmeros tratados e convenções internacionais tratam do tema, sendo que quase todos foram ratificados pelo Brasil. Cite-se como exemplo, a

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ratificação das Convenções n. 29 (OIT, 1932) e n. 105 (OIT, 1959) ambas da OIT. No âmbito infraconstitucional, cabe destacar que o art. 149 do Código Penal tipifica o trabalho em condições análogas à de escravo como crime punível com pena privativa de liberdade (BRASIL, 1940).

A escravidão contemporânea, historicamente, fez suas vítimas no meio rural, principalmente nas atividades de pecuária, agricultura, desmatamento, extração de madeira e produção de carvão (VEZALLI, s/d). De acordo com dados de 2005, 76% dos trabalhadores escravizados eram originários dos estados do Maranhão, Piauí e Tocantins; 8,5% do Pará; 4,2% de Goiás; 7,6% de outros estados nordestinos e 3% do restante do país, sendo que os estados do Pará, Mato Grosso, Bahia e Maranhão figuravam como os principais destinos desses trabalhadores (MEDEIROS, 2005, p. 132).

A concentração da incidência de trabalho escravo nas regiões amazônicas pode ser atribuída a herança do governo militar e das políticas de ocupação realizadas nas décadas de 1960 e 1970. Nesse período, o Estado brasileiro financiou inúmeros empreendimentos, a fim de povoar e desenvolver a região, sem, no entanto, exigir como contrapartida o cumprimento das normas trabalhistas e ambientais, nem o respeito aos habitantes locais e ao próprio ser humano (BRETON, 2002; CHAVES, 2006). A importância de se estudar a unidade do conceito também passa por essas questões, em razão especificamente das fronteiras, podendo atingir os países escolhidos para o estudo comparado, Uruguai e Colômbia.

Embora a escravidão contemporânea tenha sido mais comum no campo durante muitas décadas, a prática tem sido observada também no meio urbano, havendo inúmeros relatos de escravidão em grandes centros como São Paulo, principalmente nas pequenas tecelagens do bairro do Brás (SAKAMOTO, s/d).

No centro urbano de Pernambuco, por exemplo, desbancou-se o regime de escravidão mediante o qual eram subjugados empregados de empresa fornecedora de serviços a uma grande empresa do ramo de comunicações (ABREU; ZIMMERMANN, 2003). Além disso, em Belo Horizonte, há diversos autos de infração do Ministério do Trabalho e Emprego caracterizando o trabalho escravo no ramo da construção civil, que vem subindo no ranking de utilização de mão-de-obra em tais condições (AMORIM, 2015).

Nessa esteira, afirma-se que houve significativa mudança no conceito e na distribuição geográfica do trabalho escravo no Brasil. Deve-se perquirir, no entanto, se tal mudança também ocorreu em outras nações, no contexto latino-americano de exploração, considerando que os paradigmas escravagistas das colônias portuguesas diferiram dos das colônias espanholas, afetando parcelas diversas das populações, em especial indígenas.

2. Análise comparativa do trabalho escravo no Brasil, no Uruguai e na Colômbia

As condições de trabalho na América Latina diferem em diversos pontos, mas a herança colonial aponta para a existência do trabalho escravo contemporâneo em todos os países componentes, sinalizando ainda a correlação do fenômeno com o tráfico de pessoas. Por isso, analisar-se-ão as situações correntes do crime de trabalho escravo, em estudo comparativo que se segue.

2.1. Trabalho escravo no Brasil

A alteração da redação do artigo 149 do Código Penal em dezembro de 2003 (BRASIL, 2003), ampliando o conceito de trabalho em condições análogas às de escravo, permitiu a intensificação do combate e da fiscalização da prática no Brasil. A iniciativa fez parte das negociações que resultaram no Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, de 2005 (SENADO FEDERAL, 2005).

Há uma evidente inversão no mapa da distribuição do trabalho escravo no Brasil. Se, em 2005, os estados com maior incidência da prática localizavam-se nas regiões nordeste e norte, as estatísticas mais recentes apresentadas pelo Ministério do Trabalho e do Emprego demonstram que o trabalho em condições análogas à escravidão migrou para a região sudeste, em especial para os estados de Minas Gerais e de São Paulo (MTE, 2013a).

É de se ver que, em número absoluto de trabalhadores resgatados, a incidência da prática tem sido maior, nos últimos anos, no meio urbano, o que configura expressiva modificação no tocante ao perfil do escravagista moderno (MTE, 2013a). Dessa forma, pode-se concluir que o trabalho escravo contemporâneo não se circunscreve ao campo e às regiões norte e nordeste do país, tendo se alastrado pelas cidades brasileiras da região sudeste, devendo ser arduamente combatido.

No que diz respeito às atividades submetidas a fiscalizações nas quais foram encontrados trabalhadores em regime de escravidão, ainda é possível perceber, todavia, a predominância da prática no meio rural, haja vista que é a atividade pecuária que lidera o ranking, seguida da construção civil e da agricultura (MTE, 2013a).

Não obstante a gravidade dos dados apontados, cabe ressaltar que a grande questão atual acerca do trabalho realizado em condição análoga à de escravo no Brasil contemporâneo diz respeito a seu conceito. Sua definição legal encontra guarida no art. 149 do Código Penal, nos seguintes termos:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei...

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