Trabalho Infantil no Brasil: Realidade, Proteção Jurídica e Desafi os
Autor | Bruno de Carvalho Motejunas |
Páginas | 158-174 |
158 | BRUNO DE CARVALHO MOTEJUNAS
TRABALHO INFANTIL NO BRASIL: REALIDADE,
PROTEÇÃO JURÍDICA E DESAFIOS
Bruno de Carvalho Motejunas(1)
INTRODUÇÃO
Apesar dos inúmeros avanços tecnológicos observados neste início de século, velhos pro-
blemas sociais persistem, entre eles a exploração do trabalho infantil. Ainda hoje, milhões de
crianças e adolescentes em todo o mundo se sujeitam a jornadas diárias extensas de labor, com
prejuízo direto à sua saúde, tempo de lazer, estudo e, consequentemente, desenvolvimento
individual. Se em um primeiro momento essa afi rmação pode causar espanto, basta lembrar
que a escravidão e outras formas de degradação humana por meio do trabalho também são
realidades em nosso mundo “conectado” e “globalizado”(2).
Nesse contexto, o Brasil também registra números preocupantes de exploração infan-
til, inclusive (e principalmente) pelo trabalho. Diante desse fato, uma das primeiras reações
é questionar se o sistema jurídico brasileiro possui normas adequadas à prevenção/combate
dessa mazela social. Isso porque uma resposta efi caz para questão tão grave e com tantas rami-
fi cações sociais deve passar, necessariamente, pela regulação jurídica, ainda que esta não seja
(provavelmente) sufi ciente para solucionar o problema.
Sem desconsiderar os esforços até agora empreendidos pelas instituições encarregadas
de monitorar e combater o trabalho infantil, urge refl etir sobre a efi cácia dos instrumentos
normativos existentes e das políticas públicas implementadas.
De igual modo, é imperioso refl etir sobre as causas da “insistência” da utilização de crian-
ças e adolescentes em atividades econômicas, mesmo diante de todo um aparato jurídico e
institucional que atua em sentido contrário.
Sem pretensão de esgotar o tema, o presente artigo, partindo de um olhar geral dessa
questão no mundo, tenta delinear a situação atual do trabalho infantil no Brasil, segundo os
(1) Juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho do Maranhão (TRT da 16ª Região). Especialista em Direito
do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade do CEUMA — UNICEUMA. Mestrando em Ciências
Jurídicas pela Universidade Autônoma da Lisboa — UAL. Professor e palestrante, com cursos ministrados na
graduação e pós-graduação da área jurídica. Também é professor convidado de várias Escolas Judiciais, inclusive a
Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho — ENAMAT, ministrando cursos para
a formação de servidores e magistrados da Justiça do Trabalho. Autor de artigos científi cos na área da hermenêutica
jurídica e fi losofi a. Atualmente é Juiz Titular da Vara do Trabalho de Bacabal-MA. Foi Vice-Diretor da Escola
Judicial do TRT da 16ª Região no biênio 2012/2013 e Coordenador-Geral da referida Escola no biênio 2014/2015.
Foi Juiz Auxiliar da Corregedoria do TRT da 16ª Região no biênio 2014/2015 e Juiz Auxiliar da Presidência do TRT
da 16ª Região no biênio 2016/2017.
(2) ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Escravidão moderna afeta 40 milhões de pessoas no mundo; trabalho
infantil atinge 152 milhões. [Em linha]. [Consult. 26 agost. 2019]. Disponível em:
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dados ofi ciais. Paralelamente, debruça-se sobre o conjunto de normas existentes no ordena-
mento pátrio, cuja fi nalidade é prevenir e combater o trabalho de jovens e crianças. A partir
desses dois pontos de observação, tentar-se-á levantar questionamentos e suscitar o debate so-
bre os obstáculos que a sociedade brasileira ainda precisa superar para efetivamente erradicar
a exploração das crianças e adolescentes por meio do trabalho.
1. TRABALHO INFANTIL NO BRASIL E NO MUNDO
Este capítulo busca delimitar a situação do trabalho infantil no Brasil e no mundo, utili-
zando informações e dados ofi ciais, bem como pesquisas promovidas por entidades ligadas à
defesa dos direitos fundamentais e, mais especifi camente, dos direitos trabalhistas.
Segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e do Banco Mundial, havia em 2012 cerca de 168 milhões de
crianças e adolescentes, com idade entre 5 e 17 anos, submetidas ao trabalho infantil(3). Essas
estimativas constam do relatório “Marking progress against child labour: Global estimates and
trends 2000-2012” publicado em 2013 pela própria OIT(4). Apesar de registrar uma diminuição
nos indicadores ao redor do mundo, em especial nas últimas décadas, o mesmo estudo aponta
que pelo menos 100 milhões de crianças e adolescentes ainda estarão sujeitas ao trabalho in-
fantil até 2020(5).
Uma pesquisa mais recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT), confi rman-
do a tendência de queda, registra números um pouco inferiores, mas igualmente alarmantes.
Segundo levantamento dessa entidade, que também destacou a forte relação entre trabalho
infantil e pobreza, havia 152 milhões de crianças e adolescentes, entre 5 e 17 anos de idade,
trabalhando em 2016. Desse total, quase metade (73 milhões) exerciam atividades considera-
das perigosas(6).
Quanto à distribuição geográfi ca do trabalho infantil no mundo, o maior número de
crianças exploradas nessas condições está na África (72,1 milhões), seguida da Ásia e pelo Pa-
cífi co (62 milhões), Américas (10,7 milhões), Europa e Ásia Central (5,5 milhões) e Estados
Árabes (1,2 milhões). Considerando as atividades econômicas desempenhadas, observa-se que
o trabalho infantil está concentrado principalmente na agricultura (71%), seguida do setor de
serviços (17%) e do setor industrial (12%)(7) .
Há, portanto, ainda muito a ser feito para cumprir a chamada Agenda 30 da ONU, plano
de ação fi rmado por 193 países no ano de 2015 e cujos objetivos gerais são o desenvolvimento
sustentável e a erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões.
Naquela oportunidade, foram estabelecidos 17 objetivos a serem alcançados até 2030. O
objetivo 8 intitula-se “Trabalho Decente e Crescimento Econômico” e um de seus desdobra-
mentos (item 8.7) é
(3) FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA (UNICEF) — Child protection from violence, exploitation
and abuse. [Em linha]. [Consult. 26 agost. 2019]. Disponível em: g/protection/57929_child_
labour.html>.
(4) ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Marking progress against child labour: Global estimates
and trends 2000-2012. [Em linha]. [Consult. 29 mar. 2018]. Disponível em: .ilo.org/wcmsp5/groups/
public/---ed_norm/---ipec/documents/publication/wcms_221513.pdf>.
(5) FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA (UNICEF) — Op. cit.
(6) ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Trabalho Infantil. [Em linha]. [Consult. 26 agost. 2019].
Disponível em: g/brasilia/temas/trabalho-infantil/lang--pt/index.htm>.
(7) Ibidem.
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