Trabalho intermitente - trabalho 'zero hora' - trabalho fixo descontínuo

AutorLorena de Mello Rezende Colnago
Páginas132-140

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Ver Nota1

O Direito não é uma simples ideia, é força viva.

Por isso a Justiça sustenta, em uma das mãos, a balança, com que pesa o Direito, enquanto na outra segura a espada, por meio da qual se defende. A espada sem a balança é a força bruta, a balança sem a espada é a impotência do Direito.

Uma completa a outra.

O verdadeiro Estado de Direito só pode existir quando a justiça bradir a espada com a mesma habilidade com que manipula a balança, sem descurar a sensibilidade, o comprometimento, a celeridade e o amor pelo Direito.

Rudolf Von Ihering, na obra “A luta pelo Direito”

1. Introdução

Após 13 de julho de 2017, com a publicação da Lei n.
13.467 a polarização em torno de sua redação não faz mais sentido no mundo jurídico, uma vez que posta a norma com previsão de vigência em 11 de novembro de 2017, nos resta viabilizar a melhor aplicação possível a fim de pacificar os conflitos do capital versus trabalho, visando o maior e melhor equilíbrio social extraído da norma, a partir de uma interpretação jurídica humanizada.

Feitas essas considerações, sem aprofundar na crítica quanto à timidez da reforma referente ao tratamento de temas importantes que são realidade no mundo do trabalho, uma vez que a lei posta representou muito mais a oscilação histórica do conflito em questão, dessa vez com perda considerável aos direitos dos trabalhadores, em especial no que diz respeito à possibilidade de um contrato individual sobrepor-se a uma norma coletiva — art. 444, parágrafo único, da CLT, pós alteração legislativa.

Para melhor entender o trabalho intermitente, novidade legislativa, analisaremos seus precursores no direito estrangeiro, o trabalho a zero hora inglês e o trabalho descontínuo espanhol. Feitas essas considerações, passaremos a entender o alcance do trabalho intermitente e sua diferença teórica e pragmática para o trabalho eventual e avulso.

O tema é novo para o Direito Pátrio, porém essa novidade não advém apenas da Lei n. 13. 467, de 13 de julho de 2017, com vigência em 11 de novembro de 2017. Após um único dia de vigência efetiva da norma, pois a mesma entrou em vigor num sábado, o Poder Executivo editou uma medida provisória MP n. 808, de 14 de novembro de 2017, em vigor no mesmo dia da publicação, alterando a legislação recém ingressa no ordenamento pátrio, sem ao menor aguardar o amadurecimento do debate doutrinário e jurisprudencial. Tempos difíceis...

A volatilidade de uma sociedade liquida como tendência cultural2 repassada para a normatividade que rege o pacto social gera muito mais insegurança, trazendo um efeito nefasto e caótico para a sociedade, que em um primeiro momento, ao menos, impede o empresariado de experimentar essa nova modalidade contratual pelo receio do que se fará com esse contrato em tempos próximos, pois atualmente, o futuro objeto de modificação pode ser, inclusive, o dia seguinte.

2. Trabajo discontinuo o el contrato de fijos discontinuos Trabalho intermitente espanhol

Na Espanha, o contrato descontínuo é um tipo de trabalho a prazo indeterminado, que se realiza de modo cíclico, com repetição em datas certas, distinguindo-se dos contratos eventuais pela incerteza ou extraordinariedade do serviço que envolve os contratos eventuais, ou ainda os contratos temporários. Estima-se que atualmente sejam

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mais de duzentos mil trabalhadores espanhóis submetidos a esses contratos para postos de trabalho que não existem por todo ano, mas em datas certas como no verão, em especial em hospedagens e zonas onde o turismo é mais forte por alguns meses no ano.3

Os espanhóis apontam a segurança de ser chamado a cada vez que a atividade volte a existir como vantagem desse tipo de contrato para o trabalhador. Essas convocações ocorrem por ordem de antiguidade do trabalhador, podendo nos meses ou períodos de inatividade terem outro emprego ou ocupação. Para as empresas, essa seria uma modalidade vantajosa na medida em que o empresário tem a certeza de uma turma fixa e já treinada de empregados para seus períodos sazonais. E, para se evitar a fraude há o contrato escrito, distinguindo-se a modalidade do contrato temporário, porque esse serve para um evento incerto, enquanto o contrato fixo descontínuo somente é celebrado para meses daquela atividade econômica, se o evento é certo e o contrato é temporário há a caracterização de fraude.4

Critica-se a característica dos empregados espanhóis evitarem a busca de emprego nos meses em que não há trabalho. Em termos de salário e horas, os contratados por um contrato fixo descontínuo têm os mesmos direitos que os trabalhadores fixos da empresa.5

O Estatuto dos Trabalhadores regulamenta essa modalidade contratual no art. 16, no capítulo da duração do trabalho:

Artículo 16. Contrato fijo-discontinuo.

1. El contrato por tiempo indefinido fijo-discontinuo se concertará para realizar trabajos que tengan el carácter de fijos-discontinuos y no se repitan en fechas ciertas, dentro del volumen normal de actividad de la empresa.

A los supuestos de trabajos discontinuos que se repitan en fechas ciertas les será de aplicación la regulación del contrato a tiempo parcial celebrado por tiempo indefinido.

  1. Los trabajadores fijos-discontinuos serán llamados en el orden y la forma que se determine en los respectivos convenios colectivos, pudiendo el trabajador, en caso de incumplimiento, reclamar en procedimiento de despido ante la jurisdicción social, iniciándose el plazo para ello desde el momento en que tuviese conocimiento de la falta de convocatoria.

  2. Este contrato se deberá formalizar necesariamente por escrito en el modelo que se establezca y en él deberá figurar una indicación sobre la duración estimada de la actividad, así como sobre la forma y orden de llamamiento que establezca el convenio colectivo aplicable, haciendo constar igualmente, de manera orientativa, la jornada laboral estimada y su distribución horaria.

  3. Los convenios colectivos de ámbito sectorial podrán acordar, cuando las peculiaridades de la actividad del sector así lo justifiquen, la celebración a tiempo parcial de los contratos fijos-discontinuos, así como los requisitos y especialidades para la conversión de contratos temporales en contratos fijos-discontinuos.6

Há previsão de negociação coletiva com os entes sindicais — convenios colectivos — para a celebração entre empresa e trabalhador do contrato parcial, ou seja, dependendo da característica do setor econômico de atuação as entidades sindicais podem criar normas coletivas prevendo contrato fixo descontínuo a prazo temporário, porém, com requisitos objetivos e possibilidade de conversão de contrato temporário para fixos descontínuos. A inexistência dessa negociação coletiva e assinatura de acordos e convenções — na nomenclatura brasileira — implica a caracterização da fraude para esse tipo de contratação.

“Durante los gobiernos del PP, el año 2000 representa un “oasis” de estabilidad normativa estatutaria. El ET sólo va a ser modificado en una ocasión, con motivo de la aprobación de la ley de acompañamiento de los Presupuestos para el 2001 207, y con un alcance menor.”7 De fato, nessa época, o art. 32 alterou o art. 16.1 ET, substituindo a obrigação do empresário de apresentar antes o contrato às oficinas de emprego por um dever de mera comunicação da ocorrência desse contrato.

3. Trabalho “zero hora” Trabalho intermitente do Reino Unido

A expressão “contrato de zero hora” — tradução livre do art. 27A do Employment Rights Act 1996 da Inglaterra, com características de inexistência de garantia de prestação de serviços e de recebimento de salário.8

O contrato a zero hora no Reino Unido é aquele que impõe a disponibilidade do trabalhador 24 horas por dia, outorgando as clausulas e condições contratuais

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ao empregador, deixando o empregado em uma situação muito vulnerável e instável, pois o empregado pode ficar por vários dias sem ser convocado e receber salário, e a empresa sequer necessitará despedi-lo. Por outro lado, trabalhadores da saúde argumentam que esse é um excelente tipo de contrato para aqueles que pretendem ingressar no mercado de trabalho, pois podem significar um sinônimo de liberdade e bom rendimento, pois a solução permite a continuidade dos estudos.9

Há quatro anos, menos de 1% dos trabalhadores afirmava ter como fonte única de rendimentos um contrato de zero horas; hoje, eles representam 2,3% da força de trabalho do país — cerca de 700.000 pessoas —, segundo o Escritório Nacional de Estatísticas britânico (ONS, na sigla em inglês). As mulheres, os jovens com menos de 25 anos e os idosos com mais de 65 anos são os perfis mais comuns sob esse sistema, de acordo com o ONS. Empregados com contratos precários que trabalham, em média, 25 horas por semana e ganham cerca de 7 libras por hora (ou pouco mais de 32 reais), enquanto o salário mínimo é de 6,50 libras (ou quase 30 reais).10

Estima-se que o trabalho a zero hora tenha saltado de cento e um mil para novecentos e cinco mil no primeiro trimestre de 2017 na Inglaterra, enquanto a taxa de desemprego caiu para 4.7% no mês de março contra uma redução salarial de 0,4% em janeiro, comparando-se com o mês anterior (dezembro de 2016).11

4. Trabalho intermitente brasileiro

Diferente dos dois modelos europeus apresentados, o trabalho intermitente é uma figura nova para o direito do trabalho pátrio. Assemelha-se em seu regramento ao trabalhador avulso que se ativa sob escalação, porém difere dele porque engloba um período de aceite — três dias — e, caso o aceite seja descumprido pelo empregado injustificadamente, have-rá uma multa a ser paga no prazo de 30 dias no importe de 50% sobre o valor que receberia naquele dia de trabalho, caso...

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