O trabalho na Constituição italiana

AutorEdilton Meireles
Páginas45-52
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V
O TRABALHO NA CONSTITUIÇÃO ITALIANA
5.1. Texto Constitucional
Das mais modernas Constituições europeias, aquela que dá maior destaque e relevo ao trabalho é
a Constituição Italiana de 1947 (promulgada em 27 de dezembro e em vigor a partir de 1º de janeiro de
1948)(240). Isso porque, logo em seu primeiro artigo, ela dispõe que “A Itália é uma República Democrática
fundada no trabalho”(241).
Já em seu art. 4º estabelece que “A República reconhece a todos os cidadãos o direito ao trabalho
e promove as condições para tornar efetivo este direito”. Dispõe, ainda, neste mesmo artigo, que “Todo
cidadão tem o dever de exercer, segundo as próprias possibilidades e a própria opção, uma atividade ou uma
função que contribua para o progresso material ou espiritual da sociedade”. E para cumprir esse desiderato,
o art. 3º estabelece que “Cabe [é obrigação] à República afastar os obstáculos de ordem econômica e
social que, limitando de fato a liberdade e a igualdade dos cidadãos, impedem o pleno desenvolvimento
da pessoa humana e a participação efetiva de todos os trabalhadores na organização política, econômica
e social do País”.
Mais especificamente em relação ao direito do trabalho, encontramos na Constituição italiana, em seus
arts. 35 a 43, no Título que cuida das Relações Econômicas, diversas disposições que tratam da proteção do
trabalho.
Assim é que se tutela “o trabalho em todas as suas formas e aplicações”, cuidando-se da “formação
e da elevação profissional dos trabalhadores”, promovendo “os acordos e as organizações internacionais
empenhados em afirmar e disciplinar os direitos do trabalho” e “reconhece a liberdade de emigração, salvo as
obrigações estabelecidas pela lei no interesse geral”, bem como “tutela o trabalho italiano no exterior” (art. 35).
A Constituição italiana, ainda, assegura ao trabalhador “direito a uma retribuição proporcional à
quantidade e qualidade do seu trabalho, que seja suficiente para garantir para si e para a sua família uma
existência livre e digna”, assegurando-lhe o repouso semanal e as férias anuais remuneradas, sem direito à
renúncia dos mesmos (art. 36).
Prevê expressamente a igualdade do trabalho da mulher, mas protege a família (conciliação trabalho e
família), estabelecendo que as condições de trabalho devem permitir o cumprimento dos deveres familiares,
assegurando “à mãe e à criança uma especial e adequada proteção” (art. 37).
Em relação ao menor, ainda dispõe que ele deve ser objeto de proteção especial, além de lhe ser
assegurada isonomia de tratamento no trabalho (art. 37).
O Estado italiano também confere proteção a todo cidadão impossibilitado de trabalhar e desprovido dos
recursos necessários para viver, inclusive os deficientes e incapacitados, assistindo-os no desemprego (art. 38).
A liberdade sindical é também cláusula fundamental (art. 39), assim como o direito de greve, que deve
ser exercido no âmbito das leis que o regulamentam (art. 40).
(240) ITÁLIA. Costituzione della Repubblica Italiana. 27 dez. 1947. Disponível em:
costituzione.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2017.
(241) Sobre os trabalhos constituintes, cf. CALAMANDREI, Pietro. Cenni introduttivi sulla costituinte e sui suoi lavori. In: CALAMANDREI,
Pietro; LEVI, Alessandro (Coords.). Commentario sistematico alla Costituzione italiana. Firenze: G. Barbèra, 1950. p. LXXXIX-CXXXX.
Sobre a expressão “fundada sobre o lavoro”, cf., ainda, texto do senador Amintore Fanfani, Il lavoro fondamento della Repubblica
italiana. In: ATTI del Convegno il lavoro è per l’uommo. La dignità del lavoro nell’ Enciclica Laborem Exercens e nella Costituzione.
Roma: Cinque Lune, 1982. p. 49-66.
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Tem expressa disposição prevendo a possibilidade de expropriação, com o intuito de transferir a
propriedade ao Estado, a entidades públicas ou a comunidades de trabalhadores ou de usuários, de empresas
“que se relacionem com serviços públicos essenciais ou com fontes de energia ou com situações de monopólio,
e tenham caráter de preeminente interesse geral” (art. 43).
Da mesma forma, “para fins de elevação econômica e social do trabalho e em harmonia com as exigências
da produção”, a República italiana “reconhece o direito dos trabalhadores de colaborar, nas formas e nos
limites fixados pelas leis, na gestão das empresas” (art. 46).
Por fim, não se pode olvidar que, ao lado do direito à “efetiva participação de todos os trabalhadores
na organização política, econômica e social do País” (art. 3º), a Carta republicana da Itália assegurou a
representação dos trabalhadores no Conselho Nacional da Economia e do Trabalho, sendo este órgão de
consulta das Câmaras e do Governo para as matérias pertinentes (art. 99). E, neste desiderato, cabe a este
órgão, inclusive, a iniciativa legislativa sobre matérias relacionadas à economia e trabalho.
5.2. O trabalho na Constituição italiana
A Constituição italiana de 1947, surgida no fim do regime fascista, ocupa-se largamente do direito
do trabalho. Ela é fruto do embate surgido entre as forças autoritárias, que sustentavam a supremacia da
propriedade privada e do capital e as forças sociais. “Uma guerra em torno da ordem social e em suas relações
com a ordem política”(242). Em parte, uma luta entre marxistas e católicos(243).
É neste aspecto, ultrapassando o ideal liberal, que a Constituição italiana dá destaque “às afirmações
de princípios e aos compromissos voltados à transformação e reforma da sociedade, no sentido de garantir
à liberdade de fato (por meio da retribuição do labor, da instrução, da assistência), sem o qual o homem
não é verdadeiramente livre”(244). E dos seus 139 artigos, que delineiam a democracia social, ela atribui “ao
trabalho um alto relevo constitucional na unidade da República fundada sobre o lavoro(245). Reafirma o
caráter democrático da República italiana, depois do breve período fascista, mas inova ao atribuir relevância
constitucional ao trabalho, reconhecendo “a força do lavoro na composição política do Estado”(246).
O trabalho surge como “momento central da realidade humano-social comunitária e constitui uma
pilastra” da Carta italiana(247). Fundamento primário e relevante(248), constitui, o trabalho, o fundamento social
na Carta italiana(249).
Costantino Mortati entende que essa fórmula italiana, de atribuir ao trabalho o valor fundamental e
característico do Estado, é mais específica do que a expressão “Estado social”, utilizada por outras constituições,
já que esta última (expressão) se mostra mais genérica por não deixar claro e não individualizar “os valores
que seriam necessários assumir para conferir efetividade ao mesmo princípio”, ou seja, nessas outras ordens
constitucionais, seriam genéricos os princípios orientadores válidos para alcançar um acordo sobre direitos e
obrigações mais adequados para concretizar o Estado social(250). Já na Constituição italiana, fica bem claro que
o trabalho é o “centro motor da mobilidade social”(251). E o valor trabalho se sobrepõe aos demais(252), a ponto
de tutelar até o trabalho dos italianos no exterior (art. 35, in fine).
(242) BIN, Roberto. Lavoro e Costituzione: la radici comuni di una crisi. In: BALANDI, Gian Guido; CAZZETA, Giovanni. Diritti e lavoro
nell’ Itália repubblicana. Materiali dall’ incontro di studio Ferrara, 24 ottobre 2008. Milão: Giuffrè, 2009. p. 280.
(243) FANTETI, Antonio. Il lavoro como diritto (alcuni profili giuridici), Parte Prima. Milão Giuffrè, 1965. p. 13-14.
(244) SPADOLINI, Giovanni. La costituzione italiana quarant’anni dopo. In: BERETTA, Sílvio (Dir.). La Costituzione italiana quarant’anni
dopo. Milão: Giuffrè, 1989. p. 8.
(245) Idem.
(246) AMORTH, Antonio. La Costituzione italiana. Commento sistematico. Milão: Giuffrè, 1948. p. 35.
(247) FANTETI, Antonio. Ob. cit., p. 16.
(248) NATOLI, Ugo. Limiti costituzionali dell’autonomia privata nel rapporto di lavoro, p. 56.
(249) LEVI, Alessandro. La Repubblica democratica ed il suo fondamento sociale. In: CALAMANDREI, Pietro; LEVI, Alessandro (Coords.).
Commentario sistematico alla costituzione italiana. Firenze: G. Barkèra, 1950. p. 8; ROLLA, Giancarlo. La tutela costituzionale dei
diritti. 3. ed. Milão: Giuffrè, 2005. v. 2, p. 217.
(250) MORTATI, Costantino. Art. 1, Commentario della Costituzione. Principi fondamentali, p. 11.
(251) Ibidem, p. 13.
(252) NANIA, Roberto. Riflessinoi sulla ‘Costituzione Economica’ in Itália: il ‘lavoro’ como fondamento como ‘diritto’, como ‘dovere’.
In: GHERA, Edoardo; PACE, Alessandro (Coords.). L’attualitá dei principi fondamental della Costituzione in materia di lavoro. Napoli:
Jovene, 2009. p. 66.
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No entanto, cabe esclarecer que “não é o lavoro na sua materialidade (ou a força que emana dele) que
funda a República, mas a República, na sua Carta Constitucional, que opta por impor em seu fundamento o
trabalho”. E, neste sentido, “o trabalho não é a ‘base fundamental’, a força social que a República tem a sua
origem (e que de algum modo fundado a transcende dinamicamente), mas é a sua norma de princípio, com
o democrático, da qual, portanto, deve seguir-se, com o aspecto fundamental da constituição política, que se
articula na parte relativa ao ordenamento da República, como um fundamental aspecto da sua constituição
formal econômica”(253).
E a disposição primeira da Carta Magna da República italiana, preceituando que “a Itália é uma República
Democrática fundada no trabalho”, por si só, já é uma deliberada declaração de que se deve dar máximo relevo
a esta afirmação constitucional, “de valor ao mesmo tempo jurídico e ideológico”(254). Exemplo unicum entre
as Constituições capitalistas da Europa, constituindo-se em uma verdadeira “supernorma”(255). Isso porque a
“República não deve reconhecer os privilégios econômicos, pois condenados; somente o trabalho deve ser
o título de dignidade do cidadão. Constitui a medida do valor da pessoa e também a oportunidade que tem
para contribuir para o progresso material ou espiritual da sociedade (art. 4º): No trabalho se realiza, portanto,
a síntese entre o princípio personalístico (que implica a pretensão ao exercício de uma atividade laboral) e a
solidarista (que confere a tal atividade um caráter de dever)”(256).
Com essa cláusula, exclui-se a possibilidade de a República italiana se fundar em privilégios, em nobilidade
hereditária ou sobre o esforço de outrem “e se afirma, ao invés, que essa se funda sobre o dever, que também
é direito ao mesmo tempo para cada homem, de encontrar no seu esforço a sua livre capacidade de ser e de
contribuir ao bem da comunidade nacional”(257).
A partir desse preceito, decorre que “a força de trabalho tem um significado político-jurídico como é
de anunciar um princípio fundamental do regime político e, portanto, também um princípio institucional que
condiciona a leitura da Constituição”(258). Constitui “um elemento fundamental da ideologia política informante
de toda estrutura estatal”(259). Elemento fundamental que, diversamente da fundamentabilidade de outros
direitos, insere-se entre os cânones da hermenêutica jurídica constitucional(260).
Com essa cláusula, defende-se, inclusive, que o Estado italiano, surgido no pós-guerra, “não seria fundado
mais sobre a propriedade privada e sobre o sufrágio universal censitário”, como ocorria nos estados liberais,
mas, sim, em “um regime que na integração política e na missão social de alcançar a igualdade substancial
teria reconhecido seus redutos”, que seriam o sufrágio universal (sem discriminação) e o direito ao trabalho(261).
O trabalho surge como verdadeiro contrapeso ao liberalismo econômico(262).
O trabalho, todavia, “não é concebido como um meio de enriquecimento pessoal, mas como base
ontológica do próprio Estado e do bem-estar público”(263). Com ele se procura a universalização do princípio
da igualdade e, ao mesmo tempo, dos deveres da cidadania(264). Busca-se a implantação da democracia(265).
Em suma, o trabalho é “o preço e a promessa da cidadania”, conforme pronunciou Barack Obama em seu
discurso de posse na Presidência dos EUA, em seu primeiro mandato(266).
(253) GASPARE, Giuseppe di. Il lavoro quale fondamento della Repubblica. In: Diritto Pubblico, n. 3. Milão: Mulino, 2008. p. 869-870.
(254) FANTETI, Antonio. Ob. cit., p. 17-18.
(255) NANIA, Roberto. Ob. cit., p. 63.
(256) SANLORENZO, Rita. Una Repubblica fondata sul lavoro. In: CAPUTO, Angelo; PEPINO, Livio (Orgs.). La Costituzione repubblicana.
I principe, le livertà, le buone ragioni Quaderni de Questione Giustizia. Milão: Franco Angeli, 2009. p. 40.
(257) La Costituzione della Repubblica nei lavori preparatori dell’Assemblea Costituente, Camera dei Deputati (Itália), p. 2.364.
(258) BUELGA, Gonzalo Maestro. Ob. cit., p. 47.
(259) MORTATI, Costantino. Il lavoro nella Costituzione, p. 14.
(260) NANIA, Roberto. Ob. cit., p. 63.
(261) BIN, Roberto. Ob. cit., p. 280.
(262) ROLLA, Giancarlo. Ob. cit., p. 216.
(263) DOMINA, Mario. 60 anni di Costituzione — Il lavoro. Disponível em:
anni-di-costituzione-il-lavoro/>. Acesso em: 3 nov. 2017.
(264) NOGLER, Luca. Cosa significa che l’Italia è una Repubblica ‘fondata sul lavoro’? In: Lavoro e Diritto, Bologna, p. 430, n. 3, 2009.
(265) Cf. FERRARA, Gianni. Il lavoro como fondamento della repubblica e como connotazione della democrazia italiana. In: CASADIO,
Giiuseppe (Org.). I diritti sociali e del lavoro nella Costituzione italiana. Roma: Hediese, 2006. p. 199-223.
(266) Discurso de posse. 20 jan. 2009. Disponível em:
de-posse-de-obama,310201,0.htm>. Acesso em: 6 nov. 2017.
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A regra do art. 1º da Constituição italiana, por sua vez, é complementada pelo art. 3º que dispõe que é
tarefa “da República remover os obstáculos de ordem econômico e social que, limitando de fato a liberdade
e a igualdade dos cidadãos, impedem... a efetiva participação de todos os trabalhadores na organização
política, econômica e social do País”.
É certo que a Corte Constitucional italiana não confere “implicações sistemáticas” a partir desse preceito,
mas “ele está bem ciente do caráter constitutivo da fórmula, quando reconhece que a “proteção do trabalho”
é princípio não susceptível de ser objeto de revisão constitucional”(267).
Tal dispositivo, outrossim, aliado ao art. 4º, que impõe, ao lado do direito ao trabalho, a todo cidadão
“o dever de exercer, segundo as próprias possibilidades e a própria opção, uma atividade ou uma função que
contribua para o progresso material ou espiritual da sociedade”, traçam a centralidade da ordem constitucional
italiana no trabalho, a tal ponto de se assegurar “a efetiva participação de todos os trabalhadores na
organização política, econômica e social do País” (art. 3º, segunda parte). Na res publica(268).
O valor trabalho, assim, foi eleito como elemento fundamental da política informadora da ordem
estatal italiana(269); é princípio estruturante do ordenamento italiano e, como tal, condiciona toda e qualquer
interpretação legislativa. Introduz um sistema de direitos com base no trabalho(270). Poder-se-ia, inclusive,
num primeiro momento, até se afirmar que tal princípio-valor estaria em patamar superior ao da dignidade
de pessoa humana(271), que foi mencionado na Carta da Itália como “dignidade social” (art. 3º). É valor
prioritário que prevalece sobre outros direitos fundamentais quando em confronto, em especial, com o direito
à iniciativa privada(272). Porém, diga-se, o Estado protege o trabalho não em sua dimensão abstrata, mas,
sim, os trabalhadores, já que, enquanto humanos, são destinatários da proteção(273). Daí por que falar-se que
somente o trabalho confere “título de dignidade ao cidadão”(274).
O trabalho atua, assim, como componente fundamental estruturante da sociedade e “como princípio
geral diretivo do processo, já em ato, de reorganização social”(275). “Único entre os direitos, o direito ao trabalho
é explicitamente enunciado entre os ’princípios fundamentais’ da Constituição”(276). Daí por que, ainda hoje,
“não é que o trabalho é condicionado à política, mas é a política (deve ser) condicionada ao lavoro(277).
Não chega, por óbvio, a ser uma “república dos trabalhadores”, mas “com base no trabalho”(278). Os
trabalhadores, no entanto, “são chamados a criar o progresso material e espiritual da sociedade e, por outro
lado, são favorecidos na implementação de medidas que lhes permitam superar os obstáculos econômico e
social que impedem o seu pleno desenvolvimento”(279).
Nesse desiderato, o trabalho prevalece sobre a liberdade de iniciativa econômica(280). É certo que se
pode afirmar que não há empregado sem empresa, “mas é claro que a Constituição tem prioritariamente
a finalidade de proteger o exercício social da pessoa e não consentir em nenhum caso a subordinação da
(267) GASPARE, Giuseppe di. Ob. cit., p. 867. Sobre a contribuição da Corte Constitucional italiana no desenvolvimento do direito do
trabalho na Itália, cf. TAMAJO, Raffaele de Luca (Org.). Il contributo della Corte di Cassazione all’evoluzione del diritto del lavoro. In:
ADL — Argomenti di Diritto del Lavoro. Milão, n. 1, p. 5-39, 2010.
(268) ALLEVA, Piergiovanni. Vecchi e nuovi precosi per i diritti costituzionali del lavoro. In: CASADIO, Giiuseppe (Org.). I diritti sociali e
del lavoro nella Costituzione italiana. Roma: Hediese, 2006. p. 91.
(269) BUELGA, Gonzalo Maestro. Ob. cit., p. 52.
(270) LOY, Gianni. Una repubblica fondata sul lavoro. Giovenale di diritto del Lavoro e di Relazioni Industriali, Milão: Franco Angeli, n.
122, p. 203, 2009; MORTATI, Costantino. Art. 1, p. 11-13.
(271) LOY, Gianni. Ob. cit., p. 199.
(272) NATOLI, Ugo. Ob. cit., p. 82.
(273) ROLLA, Giancarlo. Ob. cit., p. 216.
(274) GIANNINI, Massimo Severo. Rilevanza costituzionale del lavoro. In: Scritti, Milão, v. 3, 1949-1954, p. 24, 2003.
(275) MENGONI, Luigi. Le fonti del diritto del lavoro in Italia. In: BOLDT, Gerhard et al. (Coords.). Le fonti del diritto del lavoro. Milão:
Giuffrè, 1962. p. 140.
(276) ZAGREBELSKY, Gustavo. Fondata sul lavoro, p. 39.
(277) Idem, p. 43.
(278) LOY, Gianni. Ob. cit., p. 202.
(279) Idem.
(280) Ibidem, p. 203.
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pessoa humana e sua dignidade aos interesses da empresa”(281). Óbvio, no entanto, que isso “não significa
que as pessoas que se dedicam a atividades econômicas sob a forma de empresa não podem contribuir para
o progresso da sociedade”(282).
E aqui vale uma ressalva. É que, quando se refere ao trabalho, no seu art. 1º, a Constituição italiana, ainda
que procure privilegiar os trabalhadores subordinados(283), inclusive ao lhes assegurar direitos especificamente
laborais (arts. 35 a 43), busca ressaltar o labor em seu sentido amplo, “in sé”(284), envolvendo, inclusive, aquele
desenvolvido autonomamente ou por meio de uma empresa (empresários), pois todos, de uma forma ou de
outra, contribuem para o desenvolvimento da sociedade, seja trabalho subordinado, autônomo, de tendência
(confessional, sindical, social), voluntário etc.(285). E nele se encontra a raiz do princípio da liberdade, pois o
trabalho é a base que garante ao homem a liberdade(286).
O trabalho, mencionado no art. 1º, corresponde a uma noção ampla, “estranha a uma configuração
classista da sociedade e evocativa de qualquer atividade que tenha uma utilidade”(287). Lavoro indistintamente,
entendendo-se este “como concurso ativo ao bem comum no modo liberalmente aceito”(288). Não à toa, está
dito em seu art. 35 que a “República tutela o trabalho em todas as suas formas e aplicações”, ainda que, a
partir desse dispositivo, tenha o lavoro “como objeto de uma prestação contratual”(289).
Aliás, percebe-se que a Carta italiana se refere ao trabalho em suas diversas acepções. Assim, por
exemplo, menciona o labor como gênero de atividade (art. 120), como atributo (posto de trabalho) no art.
51, dando ênfase ao sujeito que trabalha (arts. 35 a 38) e em sua conceituação sociológica (art. 99). E é
neste conceito sociológico que parcela da doutrina enquadra a referência ao trabalho nos arts. 1º e 4º da
Constituição italiana(290). Labor “como força do trabalho”, que “detém o poder” e limita os poderes “da força
de privilégio econômico”(291).
Tais afirmações, por outro lado, não são contraditórias à assertiva de que os interesses da pessoa do
trabalhador devam prevalecer sobre os interesses da empresa enquanto pessoa meramente jurídica. O enfoque
maior, pois, não deixa de ser dado ao trabalho subordinado(292), a ponto de se considerar como indisponível,
pelo legislador infraconstitucional, o “tipo” contratual respectivo(293), ou seja, não é possível ao legislador
negar a qualidade jurídica de relação de emprego às relações que objetivamente têm tal natureza, tornando
inaplicáveis as normas previstas no ordenamento para “dar atuação aos princípios, às garantias e aos direitos
detalhados na Constituição para a tutela do trabalho subordinado”(294).
Assim é que a Itália, enquanto República fundada sobre o trabalho, reconhece a todos os seus cidadãos o
direito ao trabalho. “República que, no momento da adoção da Constituição, estava consciente das profundas
desigualdades econômicas e sociais que impediam o pleno desenvolvimento da pessoa e da participação
efetiva de todos os cidadãos”(295) e cujos obstáculos a Carta Magna se propôs remover. Para tanto, valeu-se dos
próprios trabalhadores, assegurando a eles, num primeiro plano, o seu trabalho como instrumento essencial
(281) Idem.
(282) Ibidem, p. 214.
(283) MONTUSCHI, Luigi. La costituzione e i lavatori. Revista Italiana di Diritto del Lavoro, Milão, v. 2, ano XXVIII, p. 158, 2009.
(284) LUCIANI, Máximo. Radici e consequenze della scelta costituzionale di fondare la Repubblica democratica sul lavoro. In: ADL
Argomenti di Diritto del Lavoro, n. 3. Milão, p. 629, 2010.
(285) AMOROSO, Giovanni; CERBO, Vicenzo de; MARESCA, Arturo. Le fonti del diritto italiano. Diritto del lavoro. La Costituzione, il
Codice Civile e le leggi speciali. 3. ed. Milão: Giuffrè, 2009. v. I, p. 3-4. Cf., ainda, RESCIGNO, Giuseppe Ugo. Lavoro e Costituzione.
Diritto Pubblico. n. 1. Milão: Mulino, 2009. p. 25-27 e SCOGNAMIGLIO, Renato. Il lavoro nella Costituzione italiana. In: SCOGNAMIGLIO,
Renato (Coord.). Il lavoro nella giurisprudenza costituzionali. Milão: Franco Argeli, 1978. p. 22-26.
(286) LUCIANI, Máximo. Ob. cit., p. 637.
(287) SANLORENZO, Rita. Ob. cit., p. 41. Sobre um panorama a respeito do conceito da expressão “lavoro” como posta no art. 1º da
Constituição italiana, cf. NATOLI, Ugo. Ob. cit., p. 55-68.
(288) MAGNANI, Mariella. Il diritto del lavoro e le sue categorie. Valori e tecniche nel diritto del lavoro. Milão: CEDAM, 2006. p. 75.
(289) Idem.
(290) GIANNINI, Massimo Severo. Ob. cit., p. 110.
(291) Ibidem, p. 123.
(292) AMORTH, Antonio. Ob. cit., p. 35.
(293) MONTUSCHI, Luigi. Ob. cit., p. 165.
(294) D’ANTONA, Massino. Limiti costituzionalli alla disponibilità del tipo contrattuale nel diritto del lavoro. In: ADL — Argomenti di
Diritto del Lavoro, n. 1. Padova: CEDAM, 1995. p. 64.
(295) LOY, Gianni. Ob. cit., p. 211.
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do crescimento individual e de sua família, mas, desde logo, contribuindo para o desenvolvimento de toda
a sociedade; e, em segundo plano, ao estabelecer o dever de trabalhar (art. 4º, segunda parte), impôs aos
trabalhadores “uma tarefa ou função que contribui para o progresso material e espiritual da sociedade”(296).
A Constituição italiana não assegura, contudo, apenas um direito ao trabalho subordinado, ainda que
estável. Mais do que uma simples política de pleno emprego (art. 4º) a ser desenvolvida pelo Estado, com
garantia da assistência no desemprego involuntário (art. 38), a Carta italiana assegura um emprego decente,
incluindo “uma retribuição proporcional à quantidade e qualidade do seu trabalho, que seja suficiente para
garantir para si e para a sua família uma existência livre e digna” (art. 36). Um trabalho cujas condições
“podem ser livremente contratadas no âmbito da autonomia coletiva, até usando do instrumento da greve”,
e “exercitado em termos de paridade, pelo menos, não permitindo qualquer diferença de tratamento não
razoável”(297).
Em outras palavras, a Constituição da Itália assegura ao trabalhador o “direito a uma retribuição
proporcional à quantidade e qualidade do seu trabalho, que seja suficiente para garantir para si e para a sua
família uma existência livre e digna”. E tal dispositivo “enuncia um princípio geral, peculiar à disciplina das
relações de trabalho subordinado, e que pode ser formulado nos seguintes termos: o contrato de trabalho
é um contrato de troca, mas a consequência jurídica implícita no esquema lógico de troca tem limite na
exigência de tutela da dignidade e na segurança da pessoa humana do trabalhador”(298).
Ao assegurar, por outro lado, a liberdade de trabalho, ela contribui à “realização do direito ao trabalho,
entendido na sua ação mais nobre, a de um trabalho voltado a permitir uma vida livre e digna”(299). Nesta
trilha, a liberdade profissional se apresenta como uma garantia da instauração “de mais e melhores condições
de vida para os outros membros da sociedade”, daí por que a “liberdade de trabalhar nunca pode ser invocada
para restringir o direito ao trabalho e muito menos negá-lo”(300).
Assim é que do princípio trabalhista previsto na Carta italiana podem ser extraídos três mandamentos. O
primeiro se refere à função qualificadora, ao atribuir “um valor formal ao trabalho e aos sujeitos da atividade
laboral”; o segundo, uma função instrumental ou institucional, “que opera como cânone diretivo da estrutura
dos órgãos do Estado; e o terceiro mandamento seria o da funcionalidade, que seria a “proteção da atividade
laboral e, em concreto, dos sujeitos-trabalhadores”(301). Em suma, teríamos como relevantes os princípios
constitucionais de qualificação do trabalho, de organização do Estado tendo em vista o valor-trabalho e de
proteção dos trabalhadores, ainda que operando com eficácias distintas.
A qualificação do trabalho se daria, por exemplo, com combate à vadiagem e na valorização da
solidariedade como elemento inerente ao convívio societário. Em relação à organização do Estado (função
institucional ou instrumental), o valor trabalho justifica a inserção dos trabalhadores nos órgãos estatais nos
quais seus interesses são postos à discussão, ou seja, na “efetiva participação de todos os trabalhadores na
organização política, econômica e social do País”, nos dizeres do art. 3º da Constituição italiana.
Outrossim, a função protetiva se revela na legislação que estabelece regras de proteção ao trabalho e
aos trabalhadores, especialmente aquelas nas quais se busca a implantação da igualdade material, a exemplo
do direito de greve e da autonomia coletiva.
Contudo, como já referido, não só se assegurou o direito ao trabalho, como também o dever de trabalhar.
Certo que não se tem como coagir o trabalho(302). A norma, neste caso, atuaria mais como um vínculo moral
(296) Idem.
(297) Ibidem, p. 206.
(298) MENGONI, Luigi. Ob. cit., p. 139.
(299) Ibidem, p. 208.
(300) Idem.
(301) PROSPERETTI, Ubaldo. I principi generali del diritto del lavoro nella Costituzione. Revista Trimestrale di Diritto Publico, Milão,
n. 2, ano XX, p. 360, abr./jun. 1970.
(302) MORTATI, Costantino. Il lavoro nella Costituzione, p. 21; como também não seria coativo o dever de defender a pátria (art. 52)
ou de votar (art. 48), cf. PROSPERETTI, Ubaldo. Ob. cit., p. 363.
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posto para fins pedagógicos(303), inclusive no combate ao ócio e à vadiagem(304), podendo gerar, no entanto,
sanções ou perdas de faculdades jurídicas em casos de sua violação(305).
Este dever, em verdade, deve ser entendido como uma obrigação que “implica um Estado com um
mínimo de ética e o Estado italiano, que é baseado no trabalho, que exige aos seus cidadãos o cumprimento
dos deveres obrigatórios de solidariedade, que se comprometeu a realizar uma sociedade de iguais, esta
ética mínima certamente assumiu”(306). Resulta no dever de “solidariedade política, econômica e social, ...,
atribuindo uma direta relevância jurídica à expressão sobre o trabalho do art. 1º”(307).
O trabalho apresenta, assim, um caráter ético, pois ele se constitui na “expressão primária da participação
da pessoa em seu vínculo social e é por meio do trabalho que o indivíduo restitui à sociedade (em termos de
progresso geral) aquilo que desta tem recebido e recebe em termos de direitos e de serviços, contribuindo
para construir e reforçar o comum vínculo social”(308).
Neste sentido, até o trabalho da religiosa “pode de alguma forma contribuir para o progresso da
sociedade”(309), assim como o da dona de casa(310), ou até os hippies, enquanto colaboradores do progresso
humano, “por suas naturais contestações dos valores comumente difusos na sociedade”(311).
Daí que não é necessário “trabalhar no sentido técnico, mas um ‘trabalho’ no sentido muito mais amplo,
forjado de acordo com a etimologia do termo correspondente inglês, para concorrer para o progresso material
e espiritual da sociedade. Assim, mesmo a recusa de trabalho, a recusa do atual modelo de sociedade baseado
na competição pode significar, com pleno título, dentre (sic) as contribuições que o cidadão tem dever de
conferir à comunidade”(312), ou seja, o reconhecimento do trabalho como “supremo valor social e como único
título de participação na direção da comunidade política se desenvolve no princípio fundamental do art.
4º, que atribui a todos os cidadãos o ‘direito ao trabalho’, e, ao mesmo tempo, impõe a todos o dever de
desenvolver, segundo a própria possibilidade e à sua escolha, uma atividade ou função que concorra para o
progresso material e espiritual da sociedade”(313). Daí se extrai, portanto, o princípio da solidariedade social.
Tais dispositivos, ainda, devem ser lidos ao lado do art. 3º, que complementando o valor dado ao
trabalho, assegura “a efetiva participação de todos os trabalhadores na organização política, econômica e
social do País”.
Aliás, complementando esse dispositivo, cabe lembrar que a Carta italiana também “reconhece o direito
dos trabalhadores de colaborar, nas formas e nos limites fixados pelas leis, na gestão das empresas” (art. 46),
ou seja, assegura não só a participação nos órgãos públicos(314), como, ainda, na própria gestão da empresa
privada, nos limites postos na lei, como verdadeiro instrumento de tentativa de superação da luta de classes(315).
Ressalte-se, ainda, que, resta assegurado o amplo direito de greve como instrumento de luta para
satisfação do princípio da igualdade material, ao lado da proibição do lockout (diritto di serrata)(316).
Contudo, não só isso. A Carta italiana assegura às entidades sindicais o poder de representar os sujeitos
do mundo do trabalho subordinado, já que elas podem “estipular contratos coletivos de trabalho com eficácia
(303) MANCINI, Giuseppe Federico. Art. 4. In: BRANCA, Giuseppe (Dir.). Commentario della Costituzione. Principi fondamentali.
Bologna/Roma: Zanichelli/Foro italiano, 1975. p. 257.
(304) Ibidem, p. 261.
(305) PROSPERETTI, Ubaldo. Ob. cit., p. 363-364.
(306) LOY, Gianni. Ob. cit., p. 212.
(307) PROSPERETTI, Ubaldo. Ob. cit., p. 364.
(308) LUCIANI, Máximo. Ob. cit., p. 637.
(309) LOY, Gianni. Ob. cit., p. 213.
(310) NOGLER, Luca. Ob. cit., p. 433.
(311) LOY, Gianni. Ob. cit., p. 213.
(312) Idem.
(313) MENGONI, Luigi. Ob. cit., p. 138.
(314) Sobre a participação no Conselho Nacional de Economia e do Trabalho, cf. CHIARELLI, Giuseppe. Il Consiglio Nazionale
dell’Economia e del lavoro. Revista di Diritto del Lavoro, Milão, ano VII, p. 1-61, 1957.
(315) MENGONI, Luigi. Ob. cit., p. 140. Cf., ainda, PEDRAZZOLI, Marcello. Partecipazione, costituzione economica e art. 46 della
Costituzione. Chiose e distinzioni sul declino di un’idea. Revista Italiana di Diritto del Lavoro, Milão, n. 4, ano XXIV, p. 427-453, 2005.
(316) MENGONI, Luigi. Ob. cit., p. 140.
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obrigatória para todos os pertencentes às categorias de que trata o contrato” (art. 39, parte final)(317). E
é por esse instrumento constitucionalmente assegurado aos sindicatos que os trabalhadores podem obter
novas condições de trabalho, buscando a melhoria social por meio da introdução de verdadeiras políticas
econômicas mais favoráveis(318).
Assim é que, a partir de todas essas lições e dispositivos constitucionais, pode-se concluir que o trabalho
na Constituição italiana se destaca como fator de centralidade econômica(319), pois, enquanto instrumento
do Estado social, impõe uma economia social de mercado, limita a iniciativa privada e obriga uma política de
máxima ocupação, constituindo-se esta “uma verdadeira e própria obrigação jurídica do Estado” como “parte
predominante da política geral do Estado”(320).
O trabalho se coloca, também, como fator da centralidade política. Isso porque “não põe o trabalho e
os trabalhadores no centro do processo de decisão política, mas no centro do procedimento de governo da
pólis(321). E tal ocorre porque a República italiana assegura aos trabalhadores a participação na organização
econômica e social, bem como na definição política do país.
Claro, ainda, que, com o passar do tempo, em determinados momentos, poder-se-á viver uma tendência
mais liberal. Tais políticas governamentais, no entanto, não significam que o fundamento jurídico-constitucional
do Estado italiano, com base no trabalho, não deixa de prevalecer nos confrontos das normas e nas suas
interpretações. E não podemos nos enganar se, eventualmente, hoje, uma tendência política se mostra mais
dominante, isso não significa que se deva olvidar ou colocar de lado a opção do constituinte italiano.
(317) Sobre esse tema, cf. MANCINI, Giuseppe Federico. Costituzione e movimento operario. Bolonha: Il Mulino,1976. p. 13-162.
(318) GIUGNI, Gino. Introducción al estudo de la autonomía colectiva. Trad. José Luiz Monereo Pérez e José Antonio Fernández Aviles.
Granada: Moares, 2004.
(319) LUCIANI, Máximo. Ob. cit., p. 640.
(320) Idem.
(321) Ibidem, p. 642.

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