Trabalhos Marginais: Breves Considerações sobre a Manicure

AutorJorge Luiz Souto Maior
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho, titular da 3ªVara do Trabalho de Jundiaí
Páginas273-284

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1. Introdução

Ela manicure-pedicure de unhas cor-de-rosa Extravagante e vaidosa Ela calça trinta e três, orquídea perfumosa

Está aprendendo a falar francês Existe quem não a procure?

Neide manicure Arrigo Barnabé (Tubarões Voadores, 1984)

A discussão proposta pela disciplina Teoria Geral do Direito do Trabalho ministrada no primeiro semestre de 2012, do Programa de Pós-Graduação em Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, ministrada pelo professor Jorge Luiz Souto Maior, deve passar, obrigatoriamente pela profissão de manicure, como veremos a seguir.

Ao longo da feitura deste artigo, foram realizadas pesquisas junto ao sistema de bibliotecas da Universidade de São Paulo (como um todo, não apenas na Faculdade de Direito), Universidade de

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Campinas e Universidade Federal de Minas Gerais, assim como a biblioteca do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, e, logo de início, percebemos a profunda ausência de teses, dissertações e sequer artigos acadêmicos acerca desta profissão tão difundida na sociedade brasileira.

Sendo assim, foi tomada a decisão de tecer breves comentários sobre o que entendemos ser mais relevante dado o estado atual da pesquisa sobre o tema.

Senão, vejamos.

A profissão de manicure, por mais capilarizada que esteja nos costumes brasileiros, sendo inclusive ventilada por setores da imprensa como sucesso de empreendedorismo do crescimento econômico do país nos últimos anos1, ainda não merece destaque na literatura acadêmica atual.

No âmbito jurídico, esta marginalização pode ser facilmente constatada ao analisarmos o conteúdo da Lei n. 12.592, de janeiro de 2012, e aprofundada pela análise de seu processo legislativo.

2. Definições

A escassez de obras científicas sobre a matéria nos faz recorrer a um dicionário tradicional para iniciarmos o estudo.

De acordo com o Michaelis — Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, temos que o termo manicure, deriva de termo homônimo da língua francesa, sendo a flexão feminina de “manicuro”, ou seja, “Profissional que trata das mãos dos seus clientes, aparando, polindo e esmaltando-lhes as unhas”2.

Simples e sucinta definição, carregada de muito mais conteúdo do que a Lei n. 12.592/12, que dispõe sobre o exercício das atividades profissionais de Manicure.

Diz o art. 1º da lei, que

É reconhecido, em todo o território nacional, o exercício das atividades profissionais de Cabeleireiro, Barbeiro, Esteticista, Manicure, Pedicure, Depilador e Maquiador, nos termos desta Lei.

Parágrafo único. Cabeleireiro, Barbeiro, Esteticista, Manicure, Pedicure, Depilador e Maquiador são profissionais que exercem atividades de higiene e embelezamento capilar, estético, facial e corporal dos indivíduos.

Ou seja, a lei apenas informa ao cidadão o reconhecimento das referidas profissões pelo Congresso Nacional.

Todavia, o governo brasileiro já reconhecia a existência da profissão, ainda que como ocupação, por meio do código 5161-20 da Classificação Brasileira de Ocupações elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

Incluídas dentro da categoria “Trabalhadores dos Serviços de Embelezamento e e Higiene”, as manicures são descritas da seguinte forma:

Tratam da estética e saúde e aplicam produtos químicos para ondular, alisar ou colorir os cabelos; cuidam da beleza das mãos e pés; realizam depilação e tratamento de pele; fazem maquiagens sociais e para caracterizações (maquiagem artística); realizam massagens estéticas utilizando produtos e

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aparelhagem; selecionam, preparam e cuidam do local e dos materiais de trabalho. Podem administrar os negócios3. (grifo nosso)

3. Lei n 12.592, de janeiro de 2012

Antes de iniciarmos a análise da lei em epígrafe, cabe aqui esclarecer que não comungamos do entendimento que a regulamentação de uma profissão possa, por si só, elevar à condição de proteção social, a determinada categoria de trabalhadores. As formas de dominação econômica e culturais propostas pelos ideólogos do capitalismo neoliberal exigem um esforço hercúleo por parte da sociedade para qualquer conquista social relevante.

Porém, o descaso da lei em apreço é um grande indício de seu grau de marginalidade.

Para o professor Homero Batista Mateus da Silva, “diz-se profissão regulamentada toda aquela que mereceu em algum estágio do direito do trabalho, a atenção do trabalhador”4. Porém adverte o professor que “algumas profissões são ditas regulamentadas, mas quando se estuda, descobre-se que o regulamento não diz nada”5.

Assim, a Lei n. 12.592/12 possui vigorosos seis artigos, tendo o primeiro já sido apresentado ao leitor.

Prossegue o legislador com mais dois artigos, vetados pela Presidente da República após ouvir os Ministérios do Trabalho e do Emprego, da Justiça, da Saúde, a Secretaria Geral da Presidência da República e a Advocacia-Geral da União.

Esta era a redação dos artigos vetados:

Art. 2º As atividades de que trata o art. 1º desta Lei serão exercidas pelos:

I — portadores de diploma do ensino fundamental;

II — portadores de habilitação específica fornecida por entidades públicas ou privadas, legalmente reconhecidas;

III — profissionais que, embora não sejam portadores de diploma ou de certificado na forma dos incisos I e II do caput deste artigo, estejam exercendo a profissão há pelo menos 1 (um) ano, contado da data de publicação desta Lei.

Art. 3º Para fins de aplicação dos preceitos desta Lei, o órgão competente no Brasil poderá revalidar diploma expedido em país estrangeiro, fornecido por cursos equivalentes aos mencionados nos incisos I e II do caput do art. 2º desta Lei.

Após a oitiva de três ministérios, uma secretaria e da AGU, a mensagem de veto contém, em sua íntegra,o o seguinte:

A Constituição, em seu art. 5º, inciso XIII, assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, cabendo a imposição de restrições apenas quando houver a possibilidade de ocorrer algum dano à sociedade.

Ainda que a exigência, de imediato, de uma escolaridade mínima para o exercício da profissão, representasse um risco inicial de desemprego para milhares de manicures, conforme demonstra o

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gráfico ilustrativo apresentado pelo artigo6da professora de Economia da Universidade Federal Fluminense, Ruth Helena Dweck, a mensagem de veto não explica qual dano à sociedade ocorreria, nem suas causas, e muito menos apresenta algum estudo sobre a matéria.

[VER PDF ADJUNTO]

A nosso ver, uma exigência legal de alguma escolaridade para o exercício profissional, feito de forma gradativa e com tempo razoável de adaptação (mais do que um ano apenas), poderia servir como estímulo a uma elevação da condição social das manicures, caso fosse realizado a contento, acompanhado de eventuais propostas de custeio de cursos pelos salões de beleza (nos casos de manicures não autônomas) ou até mesmo financiamento governamental.

Ainda sobre a exigência de escolaridade, abordando posição diversa, nos esclarece Georgenor de Sousa Franco Filho, que tais exigências

visavam a dar uma formação mínima básica para esses profissionais, justamente porque mexem com partes do corpo humano, e precisam aprender o mínimo necessário, da mesma forma, como garantem o direito dos que já exercem as atividades há pelo menos um ano (os provisionados) e os com diploma equivalente obtido no exterior, embora o art. 3º vetado seja omisso quanto ao órgão competente à revalidação que poderá ser o próprio Ministério do Trabalho e Emprego ou alguma entidade pública ou privada, reconhecida, que possua curso de formação desses profissionais.7O art. 4º da Lei n. 12.592 dispõe que “Os profissionais de que trata esta Lei deverão obedecer às normas sanitárias, efetuando a esterilização de materiais e utensílios utilizados no atendimento a seus clientes”.

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Enfim, um artigo mais pertinente, uma vez que os riscos de contaminação em salões de beleza e estabelecimentos congêneres é difundido na doutrina médica, conforme o trecho abaixo descrito:

Deve-se considerar, portanto, que o compartilhamento de utensílios de higiene pessoal como lâmina de barbear, escova de dente, alicate de manicure e cortadores de unha atuam como fator de risco importante para a transmissão domiciliar do VHB e/ou VHC2. A infecção ocorre quando os materiais contêm sangue contaminado com vírus da hepatite B e/ou C, sendo o VHB pode sobreviver pelo menos sete dias no ambiente.8Todavia, a lei poderia tratar mais detidamente a questão relativamente ao meio ambiente de trabalho, uma vez que por Classificação Brasileira de Ocupações já esclarecia que “Trabalham em horários irregulares e em posições desconfortáveis, durante longos períodos”9.

Por fim, a lei encerra sua regulamentação ao dispor, em seu art. 5º, que “É instituído o Dia Nacional do Cabeleireiro, Barbeiro, Esteticista...

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