A tragédia familiar - Reflexões sobre a falta de amor

AutorJosé Renato Nalini
Ocupação do AutorPresidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Páginas35-62
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A TRAGÉDIA FAMILIAR –
REFLEXÕES SOBRE A FALTA
DE AMOR
José Renato Nalini1
I. INTRODUÇÃO
A mais trágica dentre as crises que acometem a Huma-
nidade neste século XXI é aquela que atingiu a família. A falta
de mãe atenta, consciente e responsável pelo futuro de sua
prole explica o descalabro da juventude contemporânea. A
vitória da droga sobre a abstinência do vício; o sexo desacom-
panhado de amor; a falta de respeito, de civilidade, de polidez
que tem início no comportamento sem limites e vai desaguar
na delinquência.
Será exagero de quem atingiu a velhice e enxerga com
nostalgia um passado em que tudo parecia mais educado? Ou
é a constatação de que a mocidade não tem líderes, não se
1. José Renato Nalini é Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, gestão 2014-2015, autor de Ética Geral e Profissional, 11ª ed., RT-
-Thomson Reuters, 2014.
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O DIREITO E A FAMÍLIA
entusiasma senão com o apelo aos sentidos, não conhece o
sacrifício, não enxerga perspectivas e vive o momento, sem
preocupação maior com o porvir?
Quem verifica a idade com que os infratores ingressam
no sistema prisional – e, sem eufemismos, o menor é também
enjaulado nos estabelecimentos adequados, após prática de
atos que ontologicamente são crimes – não pode deixar de
constatar que o sistema está em frangalhos.
As estatísticas sobre a condição vulnerável dos professo-
res, temerosos de agressões físicas e verbais em todos os níveis
do ensino, o grau de comprometimento de sua saúde mental,
o desalento e a decepção pela docência, vai alimentar a mesma
sensação de fracasso.
Ao se cotejar o que eram as cidades há algumas décadas
e aquilo em que foram transformadas hoje, a conclusão é só
uma: houve nítido retrocesso civilizacional. Razão assistia – e
muito – a Claude Lévi-Strauss, que esteve em São Paulo em
1935, fugindo do flagelo nazista e aqui permaneceu durante
alguns anos, a ensinar na USP e a fazer pesquisas antropoló-
gicas com algumas etnias indígenas. Ao retornar à capital
paulista, meio século depois, teria dito: “O Brasil chegou ao
declínio sem ter atingido o ápice!”.
O ufanismo procura mostrar a outra face. Nunca antes
neste país houve tanta inclusão. A miséria deixou de existir e
foi substituída por uma sociedade reivindicativa, que sabe fazer
valer os seus direitos e é insaciável ao demandar moradia,
saúde, transporte, lazer, bolsas e mais bolsas. A longevidade
aumentou, o número de natimortos decresceu, nunca se viajou
tanto de avião, todos têm celular. Às vezes mais do que um!
Todos têm seu automóvel; quem pode, conta com dois ao menos,
para fugir ao rodízio.
Será que isso espelha verdadeiro progresso? Saramago
um dia afirmou que só existe um progresso: o progresso moral.

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