TRAJETÓRIAS REPRODUTIVAS FEMININAS E PRODUÇÃO DO CUIDADO EM SAÚDE ORIENTADO ÀS GESTANTES NA CIDADE DE SÃO LEOPOLDO/RS: UM OLHAR INTERSECCIONAL

AutorCarolina Pereira Montiel, Laura Cecilia López
Páginas300-322
300GÊNERO | Niterói | v. 20 | n. 2 | p. 300-322 | 1. sem 2020
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TRAJETÓRIAS REPRODUTIVAS FEMININAS E PRODUÇÃO DO
CUIDADO EM SAÚDE ORIENTADO ÀS GESTANTES NA CIDADE
DE SÃO LEOPOLDO/RS: UM OLHAR INTERSECCIONAL
Carolina Pereira M ontiel1
Laura Cecilia López2
Resumo: Analisaram-se trajetórias reprodutivas de mulheres moradoras de
bairro periférico de São Leopoldo (RS). Reflete-se sobre como dinâmicas de
gênero, classe, raça e idade se interseccionam nessas trajetórias e na produção
de cuidado. Foi uma pesquisa qualitativa sobre experiências de gestação de
usuárias do pré-natal de uma Unidade de Saúde da Família. Os resultados
mostraram trajetórias reprodutivas diferentes entre as mulheres, sendo que
as violências e negligências apareceram mais acentuadas sobre os corpos
femininos negros. Referente ao cuidado, aspectos reguladores (re)produzem
certos ideais de maternidade e engajamentos nas realidades das mulheres,
com efeitos em sua busca por autonomia reprodutiva.
Palavras-chave: Trajetórias reprodutivas; assistência pré-natal; interseccionalidade.
Abstract: We analyze the reproductive trajectories of women living in a
peripheral neighborhood of São Leopoldo (RS) and reflect on how gender,
class, race and age dynamics intersect with these trajectories as well as with
the production of care. This qualitative research concerned the gestational
experience of prenatal users of a Family Health Unit. The results showed
reproductive trajectories with dierences among women, with violence and
neglect being more pronounced on black women. Regarding the production of
care, we note regulatory aspects that reproduce certain ideals of motherhood,
but also spaces of engagement in the realities of women, which aects their
search for reproductive autonomy.
Keywords: Reproductive trajectories; prenatal care; intersectionality.
1 Mestra em Saúde Coletiva, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil. E-mail: carolpmontiel@gmail.com.
Orcid: 0000-0002-7034-9799
2 Doutora em Antropologia, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil. Professora dos Programa
de Pós-Graduação em Saúde Coletiva e em Ciências Sociais, Unisinos, Brasil. E-mail: lauracl1975@gmail.com.
Orcid: 0000-0002-2454-063X
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GÊNERO | Niterói | v. 20 | n. 2 | p. 300-322 | 1. sem 2020
Introdução
Ao pensar na ampliação do pré-natal como dispositivo sanitário garantido
pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, chama atenção o fato de que
as estatísticas atestam um aumento de acesso a esses serviços. Do ponto de
vista epidemiológico, o estudo “Nascer no Brasil” mostrou que a cobertura
no país é praticamente universal, com valores elevados em todas as regiões e
entre mulheres com diferentes características demográficas, sociais e repro-
dutivas. Porém, a adequação dessa assistência ainda é baixa. Evidencia-se a
relação entre menor acesso/menor qualidade e desigualdades persistentes
no país, mostrando situações de vulnerabilidade entre mulheres indígenas e
pretas, aquelas com menor escolaridade, com maior número de gestações e
residentes nas regiões Norte e Nordeste (VIELLAS et al., 2014).
Em artigo relacionado ao mesmo estudo, Leal et al. (2017) analisam as ini-
quidades na atenção pré-natal e parto de acordo com a raça/cor das mulheres.
Foram verificados piores indicadores entre as mulheres pretas e pardas, em
comparação às brancas, sendo as primeiras mais suscetíveis a receber assis-
tência pré-natal inadequada. Isso se expressa em menor número de consultas
e exames, em precarização no vínculo à maternidade para o parto e no acesso
a orientações, o que provoca baixa garantia de direitos como parturiente.
Entretanto poucos trabalhos se dedicaram à análise das mudanças nas
formas de regulação e de subjetivação que a expansão desse dispositivo
sanitário produz nos corpos grávidos. O estudo de Robles (2015) analisa as
relações entre mulheres jovens de camadas populares usuárias dos serviços
de saúde pública e os profissionais de saúde na construção de experiências
da gravidez nas cidades de Recife e do Rio de Janeiro. A autora destaca a
transmissão de normas específicas para o cumprimento do papel materno
entre as mulheres jovens e a maneira como “os atendimentos do pré-natal
têm se convertido em um dispositivo de regulação não somente de com-
portamentos e práticas corporais ligadas ao ‘cuidado de si’ e do ‘outro a vir’,
mas também das relações de parentalidade” (ROBLES, 2015, p.190).
Com o intuito de ampliar o olhar para as dinâmicas sociais que envolvem a
saúde reprodutiva (para além da assistência pré-natal), questionamos como e
em que medida a produção de cuidado com a gestação abarca (e tem efeitos
sobre) as trajetórias reprodutivas de mulheres, cujas vidas estão atravessadas
por várias assimetrias. Analisamos dados de uma pesquisa qualitativa que avaliou
as experiências de gestação de usuárias de serviços de saúde na rede pública de
São Leopoldo (RS), especialmente em uma unidade de saúde da família (USF),

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