A transcendência no recurso de revista

AutorRonaldo Ferreira Tolentino
Páginas375-380

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Ver Nota1

O presente texto tem como objetivo trazer alguns elementos de informação acerca de Transcendência, sobretudo sua razão de ser dentro de uma nova leitura da estruturação do Poder Judiciário brasileiro, histórico legislativo e críticas.

Para uma melhor compreensão sobre a Transcendência, se faz necessário primeiramente traçarmos um breve comentário sobre o papel dos Tribunais Superiores dentro do nosso ordenamento jurídico constitucional. Tal introdução se justifica haja vista uma “cultura” havida no meio jurídico na década de 190 e anos 2000 no sentido de que o Poder Judiciário era composto por quatro instâncias ou quatros graus de jurisdição em que o cidadão, parte no processo, a cada decisão que lhe fosse desfavorável, simplesmente interporia novo recurso para a instância superior, com o objetivo revisional.

A partir dos anos 2000, uma nova leitura da estrutura do Poder Judiciário passou a ser feita pela doutrina, abolindo a ideia do acesso irrestrito a quatro graus de jurisdição.

Segundo o Prof. Mauricio Godinho Delgado2:

O Poder Judiciário nos sistemas jurídicos constitucionais contemporâneos ocupa posição singular: tem o papel de solucionar conflitos surgidos no âmbito da sociedade civil e do Estado e, ao mesmo tempo, fixar parâmetros relativamente claros acerca do sentido da ordem jurídica imperante nessas realidades sociais e institucionais.

Enquanto o primeiro papel lida com o conflito concreto já instaurado, o segundo realiza-se por meio das decisões repetidas nos litígios judicialmente propostos, inferindo linhas normativas gerais a partir da interpretação maturada da norma jurídica. Os dois papéis — cada um à sua maneira — cumprem o estratégico objetivo de cimentar as balizas de atuação dos distintos atores estatais e sociais, prevenindo, em vista do espontâneo cumprimento das normas jurídicas, a própria existência de futuros conflitos no cenário do Estado e da sociedade.

Ainda segundo Mauricio Godinho Delgado3:

(...) está muito claro no corpo e no espírito da Constituição que o sistema judicial estrutura-se em dois grandes níveis, intercomunicados, que realizam, cada um à sua maneira, os dois papéis acima já enfatizados. No caso trabalhista, a chamada instância ordinária (Juízos de 1º e 2º Graus), ao lado dos tribunais superiores, ou seja TST e STF.

A função da instância ordinária é dar solução aos litígios trazidos a seu exame quer por meio da imprescindível conciliação judicial, quer por meio da decisão prolatada (sentença ou acórdão). Solução célere, pronta, rápida; solução eficaz e que confira efetividade à ordem jurídica.

A função constitucional precípua dos tribunais superiores é racionalizar e uniformizar a leitura da ordem jurídica, em suas matrizes legais e constitucionais, permitindo que a instância ordinária entregue a solução judicial concreta que lhe cabe a partir de parâmetros normativos relativamente harmônicos em toda a República e Federação. Essa função racionalizadora e uniformizadora também tem de ser cumprida de maneira célere, pronta, rápida, para que se permita conferir o máximo de eficácia e efetividade à ordem jurídica do país.

(...)

Não é o TST, evidentemente, suposto terceiro grau de jurisdição, destinado a realizar a justiça do caso concreto, como se tratasse de suposta terceira chance aberta ao jurisdicionado. A sua função constitucional, republicana e federativa é outra, de interesse da ordem jurídica, de interesse da República e da Federação — não sendo mais apenas um mecanismo de solução de litígios concretos ocorridos na vida real. (grifos nossos)

No mesmo sentido, trecho de artigo elaborado pelo Ministro Ives Gandra Martins Filho4, quando defende um Sistema Judicial mais simples e racional:

O que seria um sistema simples e racional? Um sistema que:

  1. contemplasse como direito do cidadão a garantia ao

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    duplo grau de jurisdição, em que a sentença de um juiz singular pudesse ser revista pelo colegiado de um Tribunal, tanto em aspectos fáticos quanto jurídicos;

  2. encarasse o acesso aos Tribunais Superiores, nele incluído o Supremo Tribunal Federal, como uma garantia do Estado Federado, de ver seu direito federal observado uniformemente em todo o território nacional (daí a distinção teórica entre instâncias ordinárias — Varas do Trabalho e TRT’s — e instâncias extraordinárias — TST e STF; (grifos nossos)

    Portanto, resta nítido que a atual doutrina encara o aces-so aos Tribunais Superiores muito mais como um direito do Estado de ter suas decisões proferidas de forma uniforme e em consonância com o ordenamento legal federal e constitucional, do que como direito das partes de pretender uma mera revisão da decisão recorrida, na busca pela solução do litígio.

    Outro dado relevante na compreensão da Transcendência é a estatística de processos recebidos pelo Tribunal Superior do Trabalho, sua produtividade e o seu acervo.

    ESTATÍSTICAS DO TST DE 2016

    O TST recebeu em 2016 243.447 processos, um decréscimo de 16,5%.

    Em 2016 foram julgados 270.130 processos, 11,5% a menos que em 2015.

    O TST encerrou o ano de 2016 com um acervo de 248.247 processos pendentes de julgamento.5

    Da leitura dos números acima, temos que o Tribunal Superior do Trabalho tem uma produtividade elevada de entrega da prestação jurisdicional, mas que não produz redução significativa no seu resíduo anual de processos, haja vista o elevado número de novos processos/recursos que chegam ano a ano.

    Dentro da nova leitura do ordenamento jurídico constitucional, já tratada em linhas anteriores, não se justifica um Tribunal Superior analisar uma média de 270 mil processos por ano, sendo que em sua maioria as teses tratadas nestes processos se repetem.

    Com o intuito de reduzir esses números e valorar o papel do TST como Tribunal Superior é que surge o instituto da Transcendência.

    Dispõe o art. 896-A, da CLT:

    Art.896-A. O Tribunal Superior do Trabalho, no recurso de re-vista, examinará previamente se a causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica.

    A Transcendência nada mais é do que um filtro para o julgamento de processos pelo Tribunal Superior do Trabalho, conforme leciona o Prof. Osmar Paixão:

    Não se duvida que o instrumento constitui filtro para os recursos de revista no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, que, previamente ao exame dos requisitos de admissibilidade, apreciará se a matéria em debate tem ou não transcendência.6

    Em nosso ordenamento jurídico, além da Transcendência, temos outro filtro processual que é a Repercussão Geral para o Recurso Extraordinário (art. 102, § 3º, da CF).

    De igual forma, tramita no Congresso Nacional a PEC 209/12, que estabelece para o Recurso Especial o exame da relevância da questão federal a ser discutida pelo Superior Tribunal de Justiça. Referida PEC acrescenta ao art. 105, da Constituição Federal, o § 1º:

    § 1º No recurso especial, o recorrente deverá demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços dos membros do órgão competente para o julgamento.

    Esses filtros processuais foram introduzidos no Brasil, com a Emenda Constitucional n. 1/69 que permitiu ao Supremo Tribunal Federal estabelecer em seu Regimento Interno situação em que não cabia...

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