Transhumanismo e as novas fronteiras da responsabilidade civil
Autor | Adriano Marteleto Godinho, Raquel Katllyn Santos da Silva e Gabriel Oliveira Cabral |
Ocupação do Autor | Professor adjunto da Universidade Federal da Paraíba e do Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) da UFPB/Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba e Graduanda em Direito pela Universidade Federal da Paraíba/Graduando em Direito pela Universidade Federal da Paraíba, com período sanduíche na Universidade do... |
Páginas | 1-18 |
TRANSHUMANISMO E AS NOVAS FRONTEIRAS
DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Adriano Marteleto Godinho
Professor adjunto da Universidade Federal da Paraíba e do Programa de Pós-Graduação
(Mestrado e Doutorado) da UFPB. Doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade de
Lisboa. Mestre em Direito Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais. Membro
fundador do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC) e do
Instituto de Direito Civil-Constitucional (IDCC). E-mail: adrgodinho@hotmail.com
Raquel Katllyn Santos da Silva
Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba e Graduanda
em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. E-mail: raquelkatllyn@gmail.com
Gabriel Oliveira Cabral
Graduando em Direito pela Universidade Federal da Paraíba, com período sanduíche na
Universidade do Minho, Portugal. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Desaos do Direi-
to Civil Contemporâneo e a Responsabilidade Civil. E-mail: gabrieloc_@outlook.com
Sumário: 1. Notas introdutórias: o embasamento teórico do transhumanismo. 2. Transhu-
manismo: conceito e fundamentação. 2.1. Componentes losócos, políticos e sociais do
movimento transhumanista. 2.2. As características do projeto tecnocientíco: biotecnologia,
nanotecnologia e neurotecnologia. 2.3. A história do transhumanismo: transformações sociais.
3. A losoa transhumanista: o estado da arte. 3.1. Biohacking. 3.2. Tecnologia para o amparo
a pessoas com deciência. 4. Reexão dialógica entre evoluções: transhumanismo e o Direi-
to. 5. O transhumanismo e a responsabilidade civil. 6. Considerações nais. 7. Referências.
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS: O EMBASAMENTO TEÓRICO DO
TRANSHUMANISMO
O fenômeno que se convencionou qualificar como transhumanismo diz respeito a
uma perspectiva de investimento na transformação da condição humana,1 no sentido de
promover seu aperfeiçoamento a partir do uso da ciência e da tecnologia, seja pelas vias
da biotecnologia, da nanotecnologia e/ou da neurotecnologia, com fulcro no aumento
da capacidade cognitiva e na superação de barreiras físicas e psicológicas tipicamente
humanas. A proposta do movimento transhumanista tem por objetivo, portanto, empre-
gar a tecnologia para permitir que seres humanos possam transcender suas capacidades
físicas e intelectuais, o que permitirá, em princípio, propiciar o surgimento de uma nova
1. VILAÇA, Murilo Mariano; DIAS, Maria Clara Marques. Transumanismo e o futuro (pós-) humano. Physis: Revista
de Saúde Coletiva, Rio de janeiro, v. 24, n. 2, 2014.
ADRIANO MARTELETO GODINHO, RAQUEL KATLLYN SANTOS DA SILVA E GABRIEL OLIVEIRA CABRAL
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categoria de “pós-humanos”, artificialmente “aperfeiçoados” em relação às naturais
limitações que naturalmente demarcam a condição humana.
O estudo desta temática desafia a análise dos problemas éticos e jurídicos na relação
humano-robô e cérebro-máquina sob o viés humanístico, assim como a proclamação da
liberdade e da acessibilidade na utilização desses recursos pós-humanos, dado o fundado
temor de que o acesso a tais tecnologias avançadas não seja empregado em proveito de
todas as pessoas, o que poderá contribuir para gerar na sociedade uma evidente dispari-
dade entre os seres “meramente” humanos e os denominados “pós-humanos”.
Entre as numerosas teses que tangenciam a filosofia transhumanista, esta pesquisa
ressalta o papel do cientificismo e do racionalismo contemporâneo; quanto ao primei-
ro fenômeno, afirma-se que “cientificismo é a ideia de que o espírito e os métodos da
ciência deveriam ser estendidos a todos os domínios intelectuais e morais da vida, sem
exceções”.2 Assim, o cientificismo se manifesta com o papel de auxiliar a compreensão
da filosofia transhumanista, fornecendo o arcabouço metodológico científico como
o melhor caminho para a elevação e a melhoria dos padrões de vida, “superando as
limitações físico-psicológicas do corpo humano”.3 Já o racionalismo contemporâneo,
também chamado “racioempirismo”, afirma a razão como necessária, mas insuficiente
para o conhecimento da realidade, fazendo-se imprescindível a experiência como pano
de fundo para a filosofia transhumanista.4
Esta pesquisa fixa as suas percepções no transhumanismo relacionado às implicações
pertinentes ao Direito Civil, contemplando as transformações decorrentes do avanço
científico e tecnológico, que vincula o corpo e as inovações tecnológicas. A metodologia
da pesquisa aqui proposta fundamenta-se no estudo bibliográfico sobre o crescimento
da influência das relações transhumanas na esfera civil, seu processo atual de desenvol-
vimento e, mais importante, sobre as consequências internas e externas dessa ascensão
temática, em particular nos domínios da responsabilidade civil, cuja perspectiva con-
temporânea se depara com o desafio de responder aos novos conflitos de interesses que
ameaçam direitos alheios e as novas variáveis de relações jurídicas, tocando, assim, os
pontos limítrofes da esfera civil.
Por isso, torna-se obrigatória uma acurada pesquisa bibliográfica recente sobre
as interpretações concernentes ao nível de abrangência da responsabilização civil, ao
desenvolvimento de interações cada vez mais avançadas de uma tecnologia que toca
e afeta diretamente o modo humano de viver. Sendo assim, propõem-se a análise do
desenvolvimento biotecnocientífico e a verificação de como este se relaciona com as
concepções científicas, sociais e jurídicas da responsabilidade civil. Finalmente, torna-se
essencial para o estudo ter uma compreensão ampla do cenário jurídico atual em que se
insere o tema proposto, quais sejam os entendimentos consolidados e quais ainda em
fase de avaliação, considerando os principais vieses. Esse estudo é então bibliográfico,
2. LALANDE, Andre. Vocabulaire technique et critique de la philosophie. Paris: Alcan, 1938, v. 3.
3. OLIVEIRA, Douglas Rodrigues Aguiar de. Introdução à filosofia do Transhumanismo. Disponível em: https://uni-
versoracionalista.org/filosofia-do-transhumanismo/. Acesso em: 13 jul. 2019.
4. BUNGE, Mario. Racionalismo y empirismo, escepticismo y cientificismo: ¿Alternativas o Complementos? La
Alternativa Racional, [S.l], n. 10, a. III, 1988.
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