O transtorno mental e a deficiência: instrumentos internacionais de direitos humanos
Autor | Mariluci Candido, Carla Ventura, Antonia Regina Furegato, Jair Santos, Marco Antonio Candido |
Cargo | Pós-Doutora pelo Departamento de Enfermagem Psiquiátrica, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo/Professora Titular do Departamento Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo e Diretora do Centro Colaborador da Organização Mundial de Saúde para o ... |
Páginas | 198-230 |
Saúde mental e direitos humanos:
instrumentos internacionais para garantia
de direitos das pessoas com transtornos
mentais e/ou deciência
Mental Health and human rights: international instruments
for safeguarding the rights of persons with disabilities and/or
mental disorders
Mariluci Camargo Ferreira da Silva Candido*
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Três Lagoas – MS, Brasil.
Carla Aparecida Arena Ventura**
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto – SP, Brasil.
Antonia Regina Ferreira Furegato***
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto – SP, Brasil.
Jair Lício Ferreira Santos****
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto – SP, Brasil.
Marco Antonio Candido*****
Fundação Educacional de Votuporanga, Votuporanga – SP, Brasil.
* Pós-Doutora pelo Departamento de Enfermagem Psiquiátrica, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto,
Universidade de São Paulo. Professora Associada do Campus de Três Lagoas, Fundação Universidade Fede-
ral de Mato Grosso do Sul. E-mail: mcfsc@uol.com.br.
** Professora Titular do Departamento Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas, Escola de Enfer-
magem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo e Diretora do Centro Colaborador da Organização
Mundial de Saúde para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem. E-mail: caaventu@gmail.com.
*** Professora Titular aposentada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo,
onde atua como Professora Sênior. E-mail: furegato@eerp.usp.br.
**** Professor Titular aposentado da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo,
onde atua como Professor Sênior. E-mail: jalifesa@usp.br.
***** Advogado pela Fundação Educacional de Votuporanga-SP. Especialista em Direito Público. E-mail:
candidomarco@uol.com.br.
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1. Introdução
Estamos diante de um processo de consolidação de um movimento de
proteção dos direitos humanos (DHs) das pessoas com transtorno mental,
considerando-se, especialmente, que as Pessoas com Deficiência (PD) e/
ou Transtorno Mental (TM) vivenciam uma ampla gama de violações de
direitos humanos, estigma e discriminação1.
Muitas dessas pessoas carecem de acesso à saúde, educação e oportu-
nidades de trabalho igual às demais pessoas e não recebem os serviços de
acordo com a sua limitação e/ou incapacidade. Estão, portanto, excluídas
de atividades da vida em comunidade e lhe são negados direitos funda-
mentais como segurança, vestuário e alimentação, além de lutarem contra
a discriminação no campo de trabalho, educação e habitação devido à sua
limitação ou incapacidade2.
Como consequência, muitas acabam por viver em situação de pobreza
extrema, o que afeta seu acesso aos cuidados básicos, sua integração na so-
ciedade e a recuperação de sua saúde, encontrando-se em piores situações
socioeconômicas e mais pobres. Nesse contexto, a Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) da Organização das Nações
Unidas (ONU)3 expõe a deficiência como uma crescente questão de DHs4.
A “International Classification of Functioning, Disability and Health” (ICF)
define deficiência como um termo abrangente para prejuízos, limitações e
restrição na participação de atividades. Refere-se a aspectos negativos da
interação entre os indivíduos com uma condição de saúde, tais como: a
paralisia cerebral, a síndrome de Down e a depressão, e fatores pessoais e
ambientais como as atitudes negativas, o transporte e edifícios públicos ina-
cessíveis, e rede social limitada5. A limitação da atividade, antes conceituada
como incapacidade, é agora entendida como uma dificuldade no desempe-
nho pessoal e de participação, ou seja, da interação que se estabelece entre
a PD, a limitação da atividade e os fatores do contexto socioambiental6.
1 OMS, 2005.
2 OMS, 2011.
3 ONU, 2006.
4 OMS, 2011.
5 OMS, 2004; OMS, 2011.
6 BRASIL, 2006; BRASIL, 2008.
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Já o TM é de difícil definição, pois não se trata de uma condição unitá-
ria e, ao contrário, inclui um grupo de transtornos com alguns pontos em
comum. É considerado um termo amplo, contemplando muitas questões
legislativas relacionadas à esquizofrenia e ao transtorno bipolar, bem como
aplicadas igualmente à deficiência mental7. No plano de ação em saúde
mental 2013-2020 da OMS, o termo “mental disorders” alcança os trans-
tornos mentais e de comportamento causados pela depressão, transtorno
afetivo bipolar, esquizofrenia, transtornos de ansiedade, demência, trans-
tornos pelo uso de substâncias, deficiência intelectual e autismo.
Embora a deficiência não seja sinônimo de TM, pode estar presente
na Pessoa com Transtorno Mental (PTM). Isso porque, mesmo durante
ou após o tratamento, a PTM pode continuar a apresentar deficiências de-
correntes do transtorno8. Partindo desse conceito, em que a limitação da
atividade é entendida como dificuldade no desempenho pessoal, afirma-se
que a PTM também apresenta tais limitações. Assim, em muitas situações,
faz-se presente a deficiência “relacional”, ou seja, nas relações, tanto no
âmbito pessoal, como no profissional e social.
Nessa perspectiva, sabe-se que a Classificação Internacional das Doen-
ças – CID confere em seus critérios diagnósticos, sinais e sintomas, envol-
vendo dificuldades e limitações do funcionamento da pessoa portadora
de transtorno mental, tais como: diminuição da concentração, isolamento,
negativismo, embotamento afetivo, alucinações, lentificação psicomotora,
diminuição da energia, entre outros.
A incapacidade se correlaciona com as desvantagens, mas nem todas
as pessoas padecem do mesmo nível de desvantagem. Em geral, as pessoas
que apresentam deficiências mais graves são as que estão em maior des-
vantagem. Em razão da sua doença, PTM são particularmente vulneráveis a
abuso e violação de direitos. A legislação que protege cidadãos vulneráveis
reflete uma sociedade que respeita e cuida de seu povo. Dessa forma, a
legislação em saúde mental pode ser uma ferramenta eficaz para promover
o acesso à atenção à saúde mental, além de promover e proteger os direitos
de pessoas com transtornos mentais9.
7 OMS, 2005.
8 OMS, 2005.
9 OMS, 2005.
Mariluci Camargo Ferreira da Silva Candido, Carla Aparecida Arena Ventura
Antonia Regina Ferreira Furegato, Jair Lício Ferreira Santos, Marco Antonio Candido
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