Tribunal penal para ruanda fecha as portas

AutorJosé Eduardo Rangel Cury
Páginas23-24
23
ORGANIZADORA
PAULA WOJCIKIEWICZ ALMEIDA
A. A.
ANÁLISES DE ATUALIDADES INTERNACIONAIS
TRIBUNAL PENAL PARA RUANDA FECHA AS PORTAS
Após 21 anos, o
tribunal criado especificamente
para julgar os crimes contra a
humanidade cometidos durante
o ano de 1994 em Ruanda encerra
suas atividades.
Criado em 1994 pelo Conselho
de Segurança das Nações
Unidas, o Tribunal Penal para
Ruanda, localizado em Arusha,
na Tanzânia, encerrou suas
atividades no dia 31 de dezembro
de 2015, após ter julgado 45
casos relacionados ao genocídio
que assolaram o país. O último
julgamento, o de um recurso da
defesa contra a condenação de
seis acusados, deu-se em 21 de
dezembro do mesmo ano. Foi o
primeiro tribunal internacional
a condenar alguém formalmente
pelo crime de genocídio. Até o
encerramento, foram 5.800 dias
de atividades processuais, 93
indiciados, 61 condenados e 14
absolvidos, havendo ainda mais
de 3.000 relatos testemunhais.
O custo de se manter a corte,
localizada fora de Ruanda, e de
executar os seus procedimentos
foi demasiadamente elevado:
estima-se que os gastos tenham
ultrapassado a casa dos dois
bilhões de dólares.
A decisão de encerrar o mandato
do tribunal já vinha sendo
programada para ocorrer nos
anos anteriores pelo próprio
Conselho de Segurança, mas
foi constantemente adiada
em decorrência de atrasos em
julgamentos. Para os réus que
ainda não foram julgados, o
CS criou através da Resolução
1966, de 2010, o Mecanismo
Internacional Residual para
Tribunais Penais (MICT, em
inglês). O MICT será responsável
por continuar os trabalhos
do já extinto Tribunal Penal
para Ruanda, assim como as
atividades residuais do Tribunal
Penal para a antiga Iugoslávia,
também em vias de encerrar seu
mandato.
A competência do MICT inclui
a execução de sentenças,
a prestação de assistência
à jurisdição nacional, bem
como a proteção das vítimas e
testemunhas em julgamentos
Por José Eduardo Rangel Cury*
concluídos, dentre outros. Ele
não possui poder de polícia
nem competência para expedir
mandados de prisão, exercendo
suas funções em conjunto com
as autoridades nacionais para
deter os suspeitos que ainda
não foram capturados. Há ainda
oito fugitivos procurados por
crimes contra a humanidade
ocorridos em Ruanda em 1994.
Destes, três serão julgados
no âmbito do MICT: Félicien
Kabuga, Protais Mpiranya e
Augustin Bizimana. Os outros
cinco serão levados à justiça
ruandesa para julgamento quando
eventualmente capturados. São
eles: Fulgence Kayishema, Charle s
Sikubwabo, Aloys Ndimbati,
Ryandikayo (cujo primeiro
nome é desconhecido) e Phénéas
Munyarugarama. Pouco antes do
encerramento das atividades do
Tribunal para Ruanda, no dia 9 de
dezembro de 2015, as autoridades
conseguiram capturar na
República Democrática do Congo
o fugitivo Ladislas Ntaganzwa,
que deve ser julgado agora pela
justiça ruandesa.
O genocídio de 1994 envolveu
a tomada do poder pelos hutus,
que promoveram de forma
generalizada e sistemática
o massacre da etnia tutsi,
minoritária no país. Os tutsis
por muito tempo formaram a
elite política de Ruanda, Estado
independente desde 1º de julho
de 1962. Em 1959, os hutus
destronaram a monarquia tutsi,
criando uma leva de refugiados
tutsis fugidos para países
vizinhos, especialmente para a
Uganda. Foi formado um grupo
tutsi rebelde no estrangeiro,
a Frente Patriótica Ruandesa
(RPF). A facção invadiu Ruanda
em 1990, mergulhando o país
numa guerra civil entre a RPF e
o governo do então presidente
Juvénal Habyarimana, encerrada
três anos depois por um acordo de
paz conhecido como os Acordos
de Arusha.
Em abril de 1994, o avião que
transportava Habyarimana e o
presidente do Burundi, ambos
hutus, fora abatido, o que levou
os hutus a acusarem a RPF
pelo ocorrido, reiniciando a
guerra civil. Teve início, então,
o genocídio. Foram organizadas
milícias responsáveis por
armarem hutus com AK-47s e
facões, além de assassinarem,
estuprarem e mutilarem os
tutsis por todo o país. A principal
delas, o Interahamwe, eclodiu
de uma ala do partido político
da situação. Estações de rádio
anunciavam os alvos a serem
eliminados, incitando o ódio e a
violência generalizada contra a
etnia tutsi, visando à eliminação
também de opositores políticos
do regime em vigor.
A inércia da comunidade
internacional e a magnitude da
atrocidade tornam este um dos
piores episódios de violência
da história mundial recente.
Os números variam, mas a
quantidade de tutsis e hutus
moderados assassinados pelos
extremistas gira em torno de
800.000 vítimas, num período de
apenas 100 dias.
Assim, o Tribunal Penal
Internacional para a Ruanda
deixa um legado importante
para as próximas gerações e
para o próprio direito penal
internacional, demonstrando
que, na ausência de uma solução
política para o conflito, a justiça
atuou como um instrumento de
grande importância para manter
a paz.
* Graduando em Direito pela
Faculdade de Direito da Fundação
Getulio Vargas (FGV DIREITO RIO).
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