A tributação da renda nas operações praticadas no âmbito do mercado financeiro e de capitais e os novos títulos para financiamento do agronegócio

AutorAndré Ricardo Passos de Souza
Páginas213-230

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1. Tema em debate

Buscamos neste trabalho traçar algumas linhas em torno da sistemática de tributação pelo Imposto sobre a Renda dos resultados positivos gerados a partir de negócios jurídicos praticados no âmbito do mercado financeiro e de capitais no Brasil e, principalmente, tratar dos aspectos tributários mais relevantes acerca da tributação da renda gerada a partir dos investimentos nos novos títulos para financiamento do agronegócio, introduzidos pela Lei n. 11.076, de 30 de dezembro de 2004.

2. O conceito de renda tributável no direito brasileiro

Não há como se tratar de tributação sobre a renda sem, em primeiro lugar, definirmos o que é "renda" no direito brasileiro e como ela é tratada no nosso sistema jurídico para fins de incidência do Imposto sobre a Renda.

O conceito de renda no direito brasileiro tem sede constitucional e se ramifica pela legislação complementar e pela legislação de regência do Imposto sobre a Renda.

O art. 153, inciso III, da Constituição Federal de 1988, dispõe que "Compete à União instituir impostos sobre a renda e proventos de qualquer natureza".

O § 2° do art. 153 da Constituição Federal de 1988 dispõe que "O imposto previsto no inciso III será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei".

O Código Tributário Nacional, por sua vez, dispõe, nos incisos I e II de seu art. 43, que "O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição

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da disponibilidade económica ou jurídica de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; e de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior".

Note-se que, fundamental na definição da hipótese de incidência do Imposto sobre a Renda, na forma prevista nas normas acima transcritas, é o auferimento de acréscimo patrimonial por parte do sujeito passivo na forma prescrita em lei.

Extrai-se daí, uma ideia central, um núcleo básico da hipótese de incidência do Imposto sobre a Renda que é a verificação da ocorrência, em determinado lapso temporal, no património de um ente jurídico, de acréscimo disponível, conforme previsão contida em lei.

Em outras palavras, é premissa básica para o nascimento da obrigação de um determinado ente jurídico pagar Imposto sobre a Renda, a ocorrência de um plus, uma mais-valia patrimonial, que, necessariamente, esteja disponível1 ao contribuinte, e seja apurado dentro de determinado lapso temporal, cuja previsão de ocorrência deve estar, necessariamente, estabelecida em lei válida e eficaz a respaldar a cobrança da exação.

Nesse sentido é a valiosa lição do professor Ives Gandra da Silva Martins que, acerca do tema, assim ensina, verbis: "Uma empresa adquire sua disponibilidade económica ou jurídica no exato momento em que encerra seu balanço, isto é, quando apura o seu lucro. Neste instante se dá, pois, a aquisição da disponibilidade jurídica ou económica. Em nenhum outro, nem antes, nem depois".2

Ademais, além da ocorrência do acréscimo patrimonial disponível relacionado a uma universalidade de bens e de direitos (património) pertencente a um ente jurídico em determinado espaço de tempo, é necessário também que este acréscimo patrimonial seja informado pelos critérios da generalidade (todas as rendas), universalidade (todos os indivíduos) e progressividade (aumento da carga proporcional ao aumento da base de incidência).

Pois bem, a partir destes contornos jurídicos a doutrina e a jurisprudência pátrias desenvolveram um conceito do que possa ser definido como "renda" tributável pelo Imposto sobre a Renda.

A jurisprudência recente do Pretório Excelso define "renda" para efeitos tributários como: "O conceito de 'renda para efeitos tributários, é o legal".

"Está no Código Tributário Nacional como sendo '(...) o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos' (art. 43,1, da Lei n. 5.172/1966).

"Para efeitos tributários, não há que se falar em um iucro real' que não seja o decorrente da definição legal.

"É o Código Tributário Nacional que introduz os dois tipos de disponibilidade: a 'económica' e a 'jurídica'.

"A doutrina adverte para a polissemia constitucional do conceito.

"A Constituição Federal, redação de 1988, utiliza dezessete vezes a expressão 'renda', em seis diferentes sentidos:

"a) 'receita pública auferida, arrecadada, de natureza tributária ou não' (arts. 30, III, e 48,1);

"b) 'renda regional' (arts. 43, § 2a, IV; e 192, VII);

"c) 'poder aquisitivo de certa pessoa' (art. 201, II);

"d) 'remuneração de títulos públicos' (art. 151,11);

"e) 'base tributável' (arts. 153, III; 157,1; 158,1; 159,1; 159, § P);

"f) 'somatório de remuneração e ganhos de rendimentos' (arts. 150, VI, aec, §§ 2a, 32 e 4a; 153, § 2°, II).

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"O que aqui nos interessa é o conceito de renda como base tributável.

"Basta, para o caso, constatar que a expressão renda, ao fim e ao cabo, designa o acréscimo de valor patrimonial e não fluxo de renda" (grifamos)."3

Sobre o tema, Bulhões Pedreira, em sua clássica obra assim delimita o conceito de renda posto na legislação complementar, verbis:

"A definição de renda como produto do capital; do trabalho ou da combinação de ambos é clássica, e já constava da legislação do imposto (art. 10 do DL n. 5.844/ 1943). Produto é aquilo que resulta para a pessoa, respectivamente, do fornecimento de serviços produtivos de capital de sua propriedade, da prestação do seu trabalho ou da organização - no próprio nome - de atividade produtiva (que combina serviços do trabalho e do capital). Esse resultado é dinheiro ou valor em dinheiro de outros direitos patrimoniais adquiridos no processo de repartição da renda. E capital significa - nessa definição - qualquer fonte de renda.

"(...).

"O Código Tributário Nacional definiu 'proventos de qualquer natureza' como acréscimos patrimoniais que não resultam de pagamentos de renda. Na verdade, acréscimo patrimonial é efeito de qualquer modalidade de renda financeira, que é repartida mediante dinheiro e outros direitos patrimoniais que fluem para o património da pessoa, aumentando o valor de património líquido."4

Na mesma linha de raciocínio, Roque António Carrazza assim se posiciona diante da questão: "Em suma, o Imposto de Renda caracteriza-se por: (a) seu aspecto material ser o acréscimo de património (a disponibilidade de riqueza nova) do contribuinte; e (b) seu aspecto temporal exigir um termo inicial e um termo final. Sobre-mais, em relação a ele ganham relevo os critérios da progressividade, da universalidade e da generalidade (art. 153, § 22,1, da CF), que, conjugados, imprimem-lhe cará-ter pessoal, graduando-o de acordo com a capacidade económica dos. contribuintes (art. 145, § P, da CF) - circunstância que, melhorando a distribuição da carga fiscal entre eles, torna-o mais justo".5

Destarte, renda, segundo a doutrina e a jurisprudência, pressupõe acréscimo patrimonial tributável na forma do disposto na legislação de regência do Imposto sobre a Renda.

3. Tributação da renda nas operações no mercado financeiro e de capitais

No âmbito do mercado financeiro e de capitais, são tributáveis como "renda" os resultados positivos (acréscimos patrimoniais) auferidos pelos aplicadores de recursos financeiros na realização de operações com tomadores de recursos financeiros.

Nesse sentido cumpre-nos definir o alcance das expressões "mercado financeiro" e "mercado de capitais", de forma a delinearmos os contornos específicos da tributação que recai sobre tais operações.

Primeiramente devemos perquirir, então, o conteúdo jurídico da expressão "mercado" que, no entender do mestre J. X. Carvalho de Mendonça, tem a seguinte génese:

"As feiras e mercados apareceram com a divisão do trabalho, quando os produtores tiveram excesso de mercadorias, e sentiram a necessidade de permutá-las. Representam a forma inicial do comércio. Foi aí que este deu os primeiros passos. O fato social que chamamos feira, disse Spencer, é a onda comercial na primitiva forma. Nos

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séculos XII, XIII e XIV chegaram ao apogeu, quando eram, geralmente, pobres as populações e difíceis os meios de comunicação. Durante o regímen feudal da Idade Média, como na antiguidade, a feira correspondia à absoluta necessidade das trocas.

"Crescendo a população, aumentando a produção em qualidade e variedade das mercadorias, aproximando-se as distâncias com as estradas de ferro e as estradas aperfeiçoadas de rodagem, facilitando-se o uso do automóvel, desenvolvendo-se o telégrafo e o telefone e aperfeiçoando-se a navegação, a Bolsa, com a sua organização especial, tornou-se o grande mercado mundial; as exposições universais e nacionais oferecem o majestoso espetáculo de feiras colossais, onde os produtores e consumidores exibem o fruto de seu trabalho, procurando para ele colocação. Tudo isso concorreu para que as feiras e mercados perdessem o seu esplendor, tendendo mesmo a desaparecer na nossa civilização atual."6

Nesse diapasão, ao tratar do fato jurídico "mercado" e de seu...

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