Tributação das entidades de previdência complementar

AutorJulia de Menezes Nogueira
Ocupação do AutorDoutora e Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP
Páginas169-246
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5. TRIBUTAÇÃO DAS ENTIDADES DE
PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR
5.1
Definição do conceito de Previdência Complementar
Após a Revolução Industrial, avolumaram-se os riscos so-
ciais, especialmente os decorrentes das relações de trabalho,
obrigando os Estados a criar sistemas de seguridade social
para dar proteção aos trabalhadores.188 Quando os sistemas
públicos de seguridade social começaram a ser insuficientes,
por diversos motivos, entre os quais as duas grandes guerras
mundiais, intensificou-se o desenvolvimento de sistemas pri-
vados de previdência em complemento aos estatais.189
188.
“Quando se olha a revolução mercantilista e depois a revolução industrial nos seus
efeitos históricos, temos de considerá-las como marcos na evolução da humanidade, em
termos de bem-estar. A denominação de revolução significa, no entanto, que um grama
social se desenvolveu durante os longos anos de estratificação do respectivo processo e
que consubstancia o ajustamento dos que tendo vivido, tradicionalmente, em estrutu-
ras familiares e corporativas, foram arrastados para o turbilhão da cidade grande, sem
casa, sem organização e sem apoio e, pior do que isso, perdendo no processo industrial
sua qualificação de homens, para serem considerados meros componentes laborais. O
ajustamento social foi o processo de recuperação dessa qualificação, em que os Estados
tiveram que abandonar a sua cômoda posição liberal e tomar decidida posição na ques-
tão social, quando as correntes socialistas, sobretudo a do socialismo científico, amea-
çaram solapar as bases do capitalismo” (PÓVOAS, Previdência privada... cit., p. 37-38).
189. “Por esta quebra na equação econômico-financeira é que ao lado do Sistema
170
JULIA DE MENEZES NOGUEIRA
Historicamente, a previdência complementar é instituto
novo, nascido no final do século XIX, como rememora
FLÁVIO
MARTINS RODRIGUES
:
Foi somente em 1875 que acabou por ser instituído o primeiro
plano formal de aposentadoria de que se tem notícia. A Ameri-
can Express Company, empresa norte-americana de transportes
(hoje pujante grupo financeiro), criou para seus empregados um
programa previdenciário. Tratava-se de plano privado instituí-
do por iniciativa do empregador e voltado para a generalidade
de seus empregados. Poucos anos depois, em 1880, formulou-
-se, na Alemanha do Chanceler Otto Von Bismarck, o primeiro
programa público de bem-estar social, com especial ênfase na
previdência.
190
A previdência complementar passou a compor gradati-
vamente os sistemas de seguridade social em todo o mundo,
contribuindo para o seu sustento e manutenção a ponto de
passar a ser denominada “terceiro pilar” pelo Banco Mundial,
no seu relatório “Envelhecer sem Crise”.191
Foi na Europa que o terceiro pilar se implantou mais cedo
e também ali, pela primeira vez, os regimes gerais estatais de
previdência social começaram a se mostrar insuficientes, tor-
nando necessária sua complementação para que a segurança
social continuasse a atuar de forma eficaz.
No Brasil, foi institucionalizada pela Lei nº 6.435 de 15
de julho de 1977, que utilizou e consagrou juridicamente a
expressão “previdência privada”, apartando-a do sistema
compulsório da previdência administrado pelo Estado. Como
de Seguridade Social administrado pelo Estado, sobrevive e coexiste o que se pode
chamar de Sistema Privado, seja de saúde, seja de previdência, seja de assistência
social” (RAEFFRAY, Ana Paula Oriola de. As entidades de previdência privada e as
contribuições sobre o faturamento. In: TORRES, Heleno Taveira (Coord.). Tributa-
ção nos mercados financeiro e de capitais e na previdência privada. São Paulo:
Quartier Latin, 2005. p. 532-533).
190. RODRIGUES, Previdência complementar... cit., p. 2.
191.
DIEESE – DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTU-
DOS SOCIOECONÔMICOS. A situação do trabalho no Brasil. São Paulo: Dieese, 2001.
171
TRIBUTAÇÃO DO MERCADO DE SEGUROS, RESSEGUROS
E PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR
explica
MANUEL SEBASTIÃO SOARES PÓVOAS
, essa expressão “é
exclusivamente brasileira, e objetivou identificar facilmente
a instituição que, em relação ao domínio previdenciário ge-
ral, ocupa ou pode ocupar os espaços vazios deixados pela
previdência social, em termos de satisfação das necessidades
previdenciárias”.192
Após a Emenda Constitucional nº 20/1998, muitos passa-
ram a preferir a expressão “previdência complementar”, em-
bora, a rigor, a previdência privada sempre tenha tido essa
característica. Editada e sancionada a Lei Complementar nº
109/2001, esta revogou a Lei nº 6.435/1977, estabelecendo novo
marco legal do setor.
Os regimes público e privado de previdência se estrutu-
ram, no Brasil, de forma perfeitamente distinta e com regras
próprias, como explica
PATRÍCIA GAUDENZI
:
O regime geral da previdência social – como é chamada a pre-
vidência social obrigatória – está voltado para segurar os traba-
lhadores, garantindo-lhes cobertura na modalidade benefício
definido, segundo o regime de repartição simples, em que os par-
ticipantes ativos contribuem para o pagamento de benefícios aos
beneficiários inativos, sem qualquer individualização das contri-
buições arrecadadas, gerando o que Marcos Antônio Simões cha-
mou de “pacto social entre gerações”.
A previdência privada, por outro lado, organizada na forma de
planos de benefícios das modalidades benefício definido, contri-
buição definida ou contribuição variável, está voltada para asse-
gurar benefícios previdenciários a todos aqueles, trabalhadores
ou não, que venham a se associar a seus planos, observados os cri-
térios estabelecidos na legislação. Este segmento da previdência
está baseado no regime de capitalização, em seu formato escritu-
ral ou financeiro. No primeiro, as contribuições são aplicadas em
contas individuais, porém os fluxos financeiros são usados para
pagar os benefícios de inativos existentes; no segundo, as contri-
buições e seu fluxo financeiro integram uma reserva individual,
usada para pagamento do benefício tão somente ao seu titular.
193
192. PÓVOAS, Previdência privada... cit., p. 103-104.
193. GAUDENZI, Tributação dos investimentos... cit., p. 30-31.

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